�Na manh� do dia 27 de maio teve in�cio o Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais, promovido pelo Pontif�cio Conselho para os Leigos e realizado na
'Domus Pacis', em Roma. Participaram neste Congresso representantes de cerca de 50 realidades eclesiais espalhadas pelos cinco continentes; numerosos Cardeais, Arcebispos e Bispos, entre os quais respons�veis e expoentes de Dicast�rios da C�ria Romana; Presidentes de Comiss�es Episcopais para o
Laicado; Assistentes de Movimentos e Associa��es; e Delegados Fraternos de outras Igrejas e Comunh�es crist�s.�
Essa not�cia, veiculada pela Editora Cl�ofas (1) , mostra que os movimentos leigos j� s�o uma realidade dentro do universo cat�lico e, como tais, promovem mudan�as e reconsidera��es na geopol�tica da Igreja.
Entretanto, estas participa��es foram permitidas pelo Vaticano de acordo com a sua vis�o do momento pol�tico e
de suas necessidades de adapta��o �s circunst�ncias dif�ceis pela qual a Igreja passava. Na verdade, a falta de uma base popular para servir como sustent�culo para as articula��es eclesi�sticas foi sempre um �calcanhar de Aquiles�
da Igreja Cat�lica no Brasil. Esse problema s� foi considerado seriamente pela Igreja ap�s a Segunda Guerra Mundial, quando podemos perceber uma grave crise na Igreja Cat�lica brasileira. Neste per�odo, h� uma mudan�a na mentalidade pol�tica, que agora era direcionada principalmente para a preocupa��o com os pobres e com a justi�a social. Na verdade, o enfraquecimento na base popular da Igreja Cat�lica neste per�odo se deve principalmente � inadequa��o da pol�tica de massas utilizada pelo movimento da Neocristandade.
Iniciada em 1916 pelo arcebispo de Recife e Olinda, Dom Sebasti�o Leme, o movimento do Neocristandade visava combater os graves problemas que a Igreja Cat�lica enfrentava no momento, advindos de seus conflitos com o Estado mon�rquico no s�culo XIX.
Desde o
Per�odo Colonial, a Igreja Cat�lica brasileira era obrigada a se submeter ao Estado, que significava, entre outras coisas, que nenhuma ordem do Papa poderia vigorar no Brasil sem a devida autoriza��o do
Estado. A partir da segunda metade do s�c. XIX, o Vaticano tentou imprimir uma maior autoridade �s Igrejas brasileiras, objetivando um sentimento cat�lico mais marcante na sociedade e uma religiosidade oficial mais aceit�vel.
Seguindo o desejo de Roma, os representantes do movimento reformista brasileiro, que eram na sua maioria politicamente conservadores e extremamente intolerantes em rela��o � ma�onaria e a outros movimentos religiosos, acabaram por entrar em conflito com a Monarquia, conflito este que em 1874 acabou com a pris�o dos bispos de Olinda e Bel�m, respectivamente, Dom Vidal e Dom Macedo. Este fato desencadeou o rompimento da Igreja e o Estado, assinalado oficialmente na Constitui��o de
1891.(2)
Em 1916, Dom Sebasti�o Leme passou a chamar a aten��o para a fragilidade que a Igreja Cat�lica brasileira passava naquele momento. Argumentando sobre a necessidade da Igreja ter uma presen�a mais marcante no Brasil, um pa�s tipicamente cat�lico, Dom Sebasti�o apontou o estado prec�rio da educa��o religiosa, motivada pela grande falta de padres e a inefici�ncia nas praticas religiosas populares. Al�m do mais, a situa��o econ�mica da Igreja era prec�ria e sua limitada influ�ncia pol�tica n�o melhorava o quadro.
�A Igreja precisa cristianizar as principais constitui��es
sociais, desenvolver um quadro de intelectuais cat�licos e alinhar as pr�ticas religiosas populares aos procedimentos ortodoxos.�
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Neste
momento, a Igreja da Neocristandade se concentrava n�o nas elites governantes, mas no aparelho estatal como um todo. Os principais l�deres cat�licos se concentraram em conseguir uma alian�a com o Estado, a fim de restabelecer a rela��o de favorecimentos que havia entre ambos. Assim, a partir de 1920, a Igreja apostou em uma grande movimenta��o laica de classe m�dia. Mobilizando milhares de pessoas, a Igreja da Neocristandade organizou uma s�rie de movimentos leigos, estritamente ligados � hierarquia eclesi�stica e que modificaram a balan�a do poder entre Igreja e Estado, afirmando, assim, uma presen�a cat�lica mais forte nas institui��es estatais. A partir da cria��o do Centro Dom Vidal em 1922, se viu emergir uma influente gera��o de l�deres cat�licos que acabaram por ser os germes de uma s�rie de importantes movimentos criados neste per�odo.
Durante quatro d�cadas, a Igreja da Neocristandade conseguiu alcan�ar seus objetivos, mantendo o monop�lio religioso, estabelecendo uma rela��o harmoniosa com as elites estatais, sendo uma voz ativa na educa��o e satisfazendo suas principais exig�ncias em rela��o � moralidade da sociedade.
�A Igreja da Neocristandade modernizou as estruturas institucionais, aprofundou sua influ�ncia e trocou sua alian�a primordial com os propriet�rios rurais por uma alian�a com a burguesia urbana e com a classe m�dia, mas sem modificar realmente o seu conte�do.�
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Contudo, a Igreja ainda se valia da luta contra a seculariza��o, da sua influ�ncia junto ao poder estatal e de seu monop�lio religioso para exercer sua autoridade, sendo extremamente fr�gil em suas bases populares.
Ap�s a Segunda Guerra Mundial, ficava invi�vel para a sociedade brasileira manter-se em uma ideologia
antimodernizante e hierarquizada como a proposta pela Igreja da Neocristandade. Come�aram a surgir os primeiros atritos entre o Estado e a Igreja, que passou a ter uma receptividade menor no aparelho estatal.
Paralelamente, a popula��o pobre passou a se politizar, organizando-se em movimentos populares que adquiriam enfoque progressista e anticat�lico. Houve, ent�o, um grande escoamento das bases populares para as religi�es n�o �oficiais�, como o espiritismo e o protestantismo.
Todas essas atividades que abalavam o poder da Igreja acabaram por causar v�rios atritos entre os membros do clero. Assim, v�rios componentes importantes da Igreja come�aram a questionar e a desafiar v�rios aspectos do movimento da Neocristandade, e a Igreja brasileira acabou divida em fac��es, da qual se destacou o trabalho feito pelo movimento Reformista, que atuou at� meados de 1964.
Al�m da conturbada movimenta��o em que passava a Igreja Cat�lica brasileira, outras manifesta��es em �mbito internacional assolavam a elite clerical do Vaticano e acabaram por impulsionar o movimento Reformista na Am�rica Latina.
Com a morte de Pio XII em 1958, subiu ao papado, Jo�o XXIII, que, em conjunto com as reformas produzidas pelo Conc�lio Vaticano II (1962/65), introduziu na Igreja uma s�rie de medidas
modernizantes, que valorizavam os movimentos leigos e propunham uma maior intera��o entre os indiv�duos do clero, al�m de incentivar o seu envolvimento nas quest�es sociais. Apesar dessas reformas, a Igreja ainda pregava o forte regime hier�rquico e o seu n�o envolvimento na pol�tica.
Apesar do Conc�lio Vaticano II ser uma reforma tipicamente europ�ia, causou uma maior repercuss�o nos pa�ses da Am�rica Latina, devido ao contexto s�cio-cultural em que esses pa�ses se desenvolviam.
Partindo desse apoio dado pelo Vaticano, o movimento Reformista passou a agir como um agente �transformador do mundo�, desvinculando-se das premissas tradicionais que colocavam a Igreja como infal�vel e acima das quest�es terrenas e se posicionando a favor de seu papel social e antielitista.
Em um momento de �afrouxamento� da hierarquia eclesi�stica, vemos a concep��o de movimentos de base que s�o contagiados pelas transforma��es sociais da �poca. Oper�rios, camponeses, m�dicos e universit�rios cat�licos acabam por ser influenciados pelas grandes transforma��es sociais que incorporam seus anseios de classe. A fus�o destes anseios com a f� ilustram o surgimento de movimentos populares que a princ�pio v�o bater com a ideologia do Vaticano.
Como exemplo da atua��o da ala esquerdista da Igreja temos o movimento da Juventude Universit�ria Cat�lica
(JUC), que, criado em 1930, tinha inicialmente um apelo conservador e clerical e que visava incorporar a pr�xima elite intelectual que surgia.
A partir do momento que consegue certa autonomia de a��o, o movimento se alinha ao pensamento te�rico marxista e acaba por envolver-se com os partidos de esquerda do Brasil. Apesar de ser um movimento relativamente pequeno, a JUC era bem articulada e bastante expressiva na UNE.
Esse envolvimento de um grupo cat�lico na pol�tica acabou por gerar grandes conflitos com a ala conservadora da Igreja. A san��es come�aram a partir de 1961, por meio de um documento episcopal que proibia ao movimento manifestar-se de maneira radical ou de assumir compromissos pol�ticos que n�o eram de interesse da Igreja. Essas interven��es acabaram por desmantelar o movimento, que se desfez em 1966.
Os dissidentes da JUC acabaram por ingressar no grupo A��o Cat�lica Popular (AP), que incorporou a ideologia dos membros da JUC e acabou por se tornar um dos principais ve�culos da atividade pol�tica esquerdista dos cat�licos. A a��o da AP no quadro nacional acabou com o Golpe de 64, como a maioria dos grupos de esquerda do pa�s.
Apesar de n�o ter conseguido grandes influ�ncias internas na institui��o como um todo, o movimento de esquerda cat�lica mostra como grupos inicialmente patrocinados e controlados pela hierarquia podem adquiri independ�ncia e bater de frente com as autoridades da Igreja.
Toda esta movimenta��o laica que acontecia no Brasil e na Am�rica Latina teve seus reflexos tamb�m na Europa. Um grupo laico em especial, surgido nas favelas de Madri, conseguiu mesclar toda uma pol�tica de massas com a corrente conservadora e hier�rquica que a Igreja Cat�lica defendia.
Com uma articula��o que inclui estar presente em mais de 90 na��es em todos os continentes, o Caminho Neocatecumenal nasceu em 1964 nas favelas de Palomeras Altas (Madri � Espanha). Seus idealizadores foram Francisco Arguelo
(Kiko), um pintor prestigiado na Europa, e Carmen Hern�ndez, membro do Instituto
Religioso.(5)
Enquanto sua base doutrinal se prop�e a ser uma s�ntese original da totalidade do cristianismo, teologicamente, o catecumenato n�o quer responder � doutrina do laicato, mas sim, a eclesiologia da Igreja.
O Caminho Neocatecumenal age com uma estrutura infra e intraparoquial. Para se inserir no contexto de uma par�quia, se faz necess�rio que os catequistas respons�veis pe�am autoriza��o ao bispo respons�vel pela diocese.
Com um programa de itinerantes, o Caminho Neocatecumenal internacionaliza seus membros e os incentivam a sa�rem de suas comunidades para viverem em outros
pa�ses.
Apesar de que, segundo seus fundadores, o Caminho n�o intencionar a ser nem um grupo espont�neo, nem uma comunidade de base, nem uma associa��o de leigos, nem um movimento de espiritualidade, nem um grupo de elite da par�quia, suas movimenta��es dentro da institui��o cat�lica geram v�rios conflitos e indaga��es acerca de suas inten��es.
Essas cr�ticas partem tanto de grupos leigos, como de dentro da pr�pria Igreja. A singularidade do caminho faz com que o movimento se assemelhe a uma esp�cie de Igreja isolada dentro dos movimentos laicos. Apesar dos catec�menos afirmarem que as anu�ncias dos bispos e dos p�rocos s�o seguidas � risca, certas atitudes parecem contradizer tal afirma��o. Muitos se auto-excluem da vida eclesial comum, deixando de lado as tarefas sociais e os aspectos coletivos da f� e ficando a secularidade espec�fica dos leigos escassamente assumida. Assim, n�o se envolvem com nenhum projeto de ajuda social direta, como creches, abrigos ou qualquer entidade filantr�pica. A ajuda se limita aos membros de cada grupo, que se denominam de �comunidade�
(6).
Com m�todos espec�ficos de arquitetura e formas pr�prias de imagens sacras, cantos, minist�rios e linguagem simb�lica, o Catecumenato refor�a a id�ia de autonomia dentro dos grupos laicos. Um claro exemplo desta nova forma de teologia religiosa � encontrada na Par�quia Nossa Senhora da Esperan�a, localizada na
quadra 307/8 norte, em Bras�lia. Sua arquitetura difere das demais logo na entrada,
onde se nota a forma el�ptica dos assentos, posicionados de forma que todos os participantes possam se ver dentro da celebra��o. Ao centro, se encontra uma grande pia batismal, de tamanho muito superior �s tradicionais, onde, nas ocasi�es de batismo, o rec�m-nascido
� mergulhado de corpo
inteiro(7).
A organiza��o da pastoral vocacional tamb�m � objeto de mudan�as. Com v�rios semin�rios chamados de �Redemptoris Mater� constru�dos pelo mundo, o Neocatecumenato consegue formar um clero que se alinha � teologia praticada pelo movimento. Apesar
dos semin�rios n�o serem de fato do Neocatecumenato, mas sim, semin�rios diocesanos que dependem do Bispo, o movimento consegue unir � forma��o presbiterial um itiner�rio de inicia��o ao Caminho
Neocatecumenal.
N�o faltam os que acusam o Caminho Neocatecumenal de se apresentar como algo absoluto, quase desprezando os demais movimentos apost�licos e outras maneiras de viver e testemunhar a f�, dando a impress�o de que � o �nico caminho de salva��o.
Entre ataques e contra-argumenta��es, o Caminho Neocatecumenal abre seu espa�o e afirma sua identidade, fazendo notar-se dentro e fora do c�rculo eclesi�stico.
Notas de refer�ncia
(1)
Felipe
Aquino (19 Nov. 2001),
"Papa Documentos", Editoras Cl�ofas, <http://www.cleofas.com.br/html/papadocumentos/joaopauloii/movimentosleigos.html> (22 Out. 2001).
(2)
Scott Mainwaring Op. Cit. p.42 - A obra de Scott Mainwaring serviu como base
para a constru��o hist�rica do projeto em quest�o.
(3)
Scott Mainwaring Op. Cit. p.41.
(4) Scott Mainwaring
Op. Cit. p.53.
(5) Ezechiele Pasotti (Org). O Caminho Neocatecumenal
segundo Paulo VI e Jo�o Paulo II . S�o Paulo, Editora Loyola,1999, p. 23.