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No Purgat�rio mas o olhar no Para�so: O degredo inquisitorial para o Brasil-Col�nia

Geraldo Pieroni
1. Introdu��o
No in�cio da �poca Moderna, per�odo do expansionismo geogr�fico e cultural ib�rico, o universo mental do colonizador europeu representou a col�nia brasileira como o local perfeito do Para�so terrestre:  terra abundante, pr�diga, o luxuriante �den perdido. Uma vez vislumbrado o novo territ�rio, tornou-se natural identific�-lo com o "Jardim das del�cias", local da natureza generosa  onde o mel e o leite escorriam copiosamente.
Simult�neo ao maravilhoso Para�so e ocupando o mesmo espa�o no mundo fant�stico do europeu expansionista, o Inferno foi tamb�m assimilado � col�nia brasileira: s�tio medonho onde a natureza humana era freq�entemente identificada com o pr�prio diabo.(1)
Inferno. �leo sobre madeira. An�nimo (c.1520).
Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa.
Imagem ampliada
Virtudes e pecados conviviam lado a lado. O divino e o demon�aco constitu�am na  col�nia partes opostas da mesma f� que se amalgamavam nas cren�as e pr�ticas religiosas quotidianas. A assimila��o da col�nia rec�m descoberta ao Para�so e ao Inferno sofreu, sem d�vida, influ�ncia iconogr�fica concebida pelo crist�o europeu, no  qual o Para�so  representava a morada de Deus e de  sua corte celestial. O divino � associado � felicidade, � abund�ncia e ao regozijo eterno: �cone da beleza, luminosidade e harmonia. O Inferno representava o Para�so �s avessas; l�cus demon�aco associado � tortura,  pen�ria e dana��o perpetuada: gritos, prantos  e ranger de dentes.
Na concep��o  cat�lica sobre o al�m-morte, entre a gl�ria do C�u e o fogo ardente do Inferno, situa-se o Purgat�rio: lugar de depura��o dos pecados atrav�s de penas com dura��o limitada estabelecidas de acordo com o grau e o peso das culpas. Estado intermedi�rio; estado de purifica��o onde as almas esperam o momento da vis�o beat�fica de Deus.
Com grande percep��o, Laura de Mello e Souza, inspirando-se na Vis�o do Para�so de S�rgio Buarque de Holanda, atribuiu � col�nia brasileira uma nova imagem. Atrav�s do �ntimo manuseio das fontes, sobretudo dos cronistas coloniais e de v�rios documentos das Inquisi��es do Santo Of�cio, Laura de Mello e Souza (1987, p.21) apresenta o outro lado da moeda: a col�nia diab�lica e infernalizante. Ultrapassando dialeticamente o Para�so e o Inferno, o seu cap�tulo "Novo mundo entre Deus e o Diabo" abriu in�ditas perspectivas para explicar os comportamentos vividos na "Terra de Santa Cruz". Associando-a ao Purgat�rio rec�m edificado na cultura popular e erudita do homem europeu, o Brasil tornou-se um dos lugares onde a Metr�pole portuguesa lan�aria a sua gente indesej�vel: "toda a escuma turva das velhas civiliza��es" (PRADO, 1972, p.155 apud SOUZA, 1987, p.81). O Brasil, col�nia-purgat�rio, funcionou atrav�s do degredo, como lugar de depura��o dos pecados e foi a "panac�ia" das mazelas do Reino (SOUZA, 1987, p.72). Terra onde os "desvios cometidos na Metr�pole eram purgados [...] atrav�s do degredo; colonos desviantes, hereges e feiticeiros eram, por sua vez, duplamente estigmatizados por viverem em terra particularmente prop�cia � propaga��o do Mal" (SOUZA, 1987, p.17).(2)
Notas
(1) Ver SOUZA, Laura de Mello e, "Natureza: predomin�ncia do ed�nico", p.32-49 e "Humanidade: predomin�ncia da demoniza��o", p.49-72. In: O diabo e a Terra de Santa Cruz, S�o Paulo: Companhia das Letras, 1987.
(2) No livro de SOUZA, Laura de Mello e: Inferno Atl�ntico: demonologia e coloniza��o,  s�culos XVI-XVII, S�o Paulo: Companhia das Letras, 1993, a autora aprofunda a rela��o entre cren�as religiosas e colonialismo.
Iconografia
O Inferno - Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa