�Deixai
os que outrora estavam acostumados a se baterem, impiedosamente,
contra os fi�is, em guerras particulares lutarem contra os infi�is�
Deixai os que at� aqui foram ladr�es tornarem-se soldados. Deixai
aqueles que outrora se bateram contra, impiedosamente seus irm�os e
parentes, lutarem agora contra os b�rbaros, como devem. Deixais os
que outrora foram mercen�rios, a baixos sal�rios, receberem agora
a recompensa eterna��
Papa Urbano II
(1088-1099), exaltando os crist�os em Clermont, Fran�a, a se
embrenharem em uma Cruzada.
Antes de se aprender sobre as Cruzadas em si � necess�rio
ter no��o de como estava organizada a sociedade medieval. A
sociedade feudal tinha sua estrutura estabelecida em estamentos.(1)
Da� resultavam os nobres,
o clero e os servos. Havia ainda, no bojo dessa sociedade um reduzido n�mero de
escravos (COTRIM, 1997, p.103) e alguns homens que
trabalhavam para os senhores feudais; mas n�o eram,
necessariamente, servos, eram conhecidos como vil�es.
Os feudos eram administrados pelos ministeriais
que faziam a administra��o em nome do propriet�rio. A popula��o
urbana era pouco significante e essencialmente constitu�da de
pequenos mercadores e artes�os.
O movimento cruzadista originou-se nas peregrina��es
que os fi�is faziam com destino � Palestina, tamb�m conhecida como a
Terra Santa,(2)
mais precisamente ao Santo
Sepulcro. Essas expedi��es eram conhecidas, ent�o, por �expedi��o de Deus�, ou
�neg�cio
de Cristo� ou ainda, unicamente, pelo termo �a peregrina��o�. A palavra Cruzada s� passou a caracterizar
tais movimentos a partir do s�culo XIII. A denomina��o adveio da
decis�o dos soldados cruzados; de por o desenho de uma cruz sobre
as suas vestes.
Esta
ilustra��o, do final do s�culo XII mostra o cerco dos
cruzados a uma cidade isl�mica. Observe que os cruzados
lan�aram m�o at� do uso de catapultas em suas a��es
beligerantes.
O clima cotidiano geral medievo era de extrema incerteza e inseguran�a. A
mentalidade guerreira e violenta da nobreza feudal tornou-se um
problema para a seguran�a e manuten��o do servo junto ao campo. Os
senhores feudais ora estavam enfrentando-se em torneios,
ora estavam diretamente travando batalhas campais. A Igreja, a
principal favorecida de imensas extens�es de terra, n�o via com
positividade essa perturba��o da ordem medieval. A solu��o
encontrada pelo alto clero
foi proclamar prote��o
aos lavradores, viajantes e mulheres. Esse ato
� a chamada Paz de Deus.
Outra v�lvula de escape para controlar os n�veis de viol�ncia foi a
proclama��o da Tr�gua de Deus, que consistia em um limite a ser severamente
respeitado de no m�ximo 90 dias de combate por ano, sendo que houve
ainda a proibi��o de se combater �s sextas-feiras, aos s�bados,
aos domingos e �s segundas-feiras. Nessa lista inclu�am-se, ainda,
os dias de festa religiosa. Como n�o se muda a mentalidade de uma
para outra hora, a canaliza��o do esp�rito b�lico dos senhores
feudais foi toda direcionada, mais tarde, para o movimento cruzadista.
Nesse per�odo, os europeus, constantemente, estavam
em guerras ora contra os mu�ulmanos
(da regi�o mediterr�nica), � j� ent�o chamados de �infi�is�,
ora contra tribos da Europa oriental � consideradas pag�s. Na
verdade, esses conflitos n�o eram as Cruzadas de que aqui trataremos.
Eram movimentos cujo objetivo primeiro era o de pilhagem de bens e
terras e n�o contavam, necessariamente, com as b�n��os da Igreja.
J� existia entre os europeus o interesse em apoderarem-se das grandes
e riqu�ssimas cidades e rotas comerciais do Oriente
Pr�ximo. Esse elemento associado ao esp�rito guerreiro da
nobreza medieval juntamente com a extrema religiosidade popular eram
os ingredientes ideais para canalizar as energias para a obten��o de
algum resultado concreto. Faltava algu�m que determinasse quem
deveria receber o t�tulo de inimigo de todos os crist�os. O t�tulo
de �infiel�. Para os fi�is, as pessoas comuns, existia um
sentimento religioso puro de resgatar a terra que estava sob dom�nio
mu�ulmano. O homem comum medieval estruturava os seus valores
cotidianos a partir da servid�o a Deus e � Igreja primeiramente e,
em seguida, ao senhor feudal. Como j� se sabe e j� se disse, os
homens tendem a atribuir a Deus as suas pr�prias vontades. Lan�ado o
discurso de combate aos infi�is mu�ulmanos, o discurso se
complementava com a id�ia de que combater os infi�is era agradar a
Deus e alcan�ar a salva��o eterna; al�m, claro, de obter a satisfa��o
material que os saques e invas�es proporcionariam.
Em uma �poca de extremo sentimento religioso e de
extrema valentia espont�nea por parte dos nobres, havia tamb�m na
Igreja Cat�lica um real sentimento religioso de recupera��o dos
locais sagrados no oriente para os crist�os. Entretanto, havia alas
dessa mesma Igreja que percebendo que a f�rmula fervor religioso
somada � exacerba��o de valores militarizados seria �til para a
conquista de outros territ�rios, riquezas e fi�is. Em rela��o �s
Cruzadas, Biz�ncio, a
antiga Constantinopla, a
capital e cidade mais rica do Imp�rio
Bizantino estava por demais pr�xima do sempre expansivo e amea�ador Isl�. A Igreja, com sede em Roma, desejava com as Cruzadas
justamente fazer frente ao Isl�, conquistar novos territ�rios e
riquezas e fazer, tamb�m, frente a Igreja Ortodoxa,(3) cuja sede era em Constantinopla. Para o Imp�rio bizantino, uma expedi��o
militar que viesse a fazer frente ao expansionismo mu�ulmano era por
demais conveniente. Desde o ano de 1054, o patriarca de Constantinopla
rejeitou a supremacia do papa romano sobre a Igreja bizantina(4).
A partir de ent�o, o epis�dio que deu origem � divis�o entre as
duas Igrejas ficou conhecido como o Cisma
do Oriente. Para os cat�licos a quest�o da fragiliza��o da
autoridade da Igreja Romana agravou-se, ainda mais, com a quest�o da Querela
das Investiduras. A oportunidade que, ent�o, se apresentava, foi
percebida pelo papa Urbano II(5)
como o momento de tentar fazer frente a cristandade oriental e, quem
sabe, at� reunificar as duas Igrejas.
N�o se pode deixar de destacar outro fator importante
para incentivar a
montagem dessas expedi��es ao Oriente Pr�ximo. Na pen�nsula
It�lica, as cidades, entre outras, de Almafi, G�nova,
Pisa e, principalmente, Veneza
eram centros comerciais de extrema import�ncia para o abastecimento
comercial da Europa. Os mercadores dessas cidades eram os respons�veis
em adquirir e revender para os demais europeus as sedas, musselinas, tapetes,
especiarias orientais de todo tipo, drogas
e outros produtos que tinham origem no distante oriente. Dessa forma,
para as cidades italianas, as Cruzadas n�o eram unicamente um fator
de f�, era tamb�m uma oportunidade para fortalecer a sua presen�a
no mundo do com�rcio mediterr�nico. Veneza, ap�s o processo de
ruraliza��o da sociedade europ�ia, havia mantido um estreito e ben�fico
relacionamento com Constantinopla, por isso temia a expans�o e monop�lio
do com�rcio nas m�os dos mu�ulmanos. Veneza, Pisa e G�nova na
verdade ansiavam cada vez mais por melhores e maiores oportunidades de
com�rcio. As Cruzadas poderiam, ao menos em parte, atender a esse
objetivo.
Notas
(1) A organiza��o da sociedade estava embasada em grupos sociais
que fundamentavam-se em uma tradi��o jur�dica espec�fica e,
ainda, na diferencia��o da atividade social a ser cumprida no
seio da sociedade. Dessa estrutura resultavam os nobres, o clero
e os servos. Com isso, praticamente, inexistia a mobilidade
social. Um nobre jamais acabaria como servo ou vice-versa. O
mesmo iria ocorrer com um membro do clero. Um abade jamais viria
a tornar-se um marqu�s.
(2)
Entre os s�culos VIII e X ficaram registradas 34 peregrina��es.
No s�culo XI contam-se 117.
(3)
Tamb�m conhecida como Igreja Cism�tica Grega
(4)
A causa da divis�o foi devido a uma disputa sobre a forma exata
do Credo. Essa disputa al�m de gerar a cis�o na Igreja, provocou
o an�tema entre as duas institui��es crist�s.
(5)
O discurso de Urbano II n�o foi fielmente preservado por nenhum
cronista da �poca. Foram escritos anos depois de pronunciado pelo
pont�fice. Sabe-se, naturalmente pelos resultados e conseq��ncias
que ocasionou, que fez um dos grandes discursos da Hist�ria. Os
historiadores hoje tratam com cautela os registros que abordam
sobre esse discurso. � claro que registrou-se o que deveria ou
poderia ter dito Urbano II, mas n�o realmente o que foi dito.
Entretanto, � aceit�vel a ess�ncia das palavras registradas em
diversos relatos posteriormente produzidos.
Iconografia
Cerco
e ataque a uma cidade mu�ulmana -
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