De que forma os monarcas eg�pcios mantinham o poder? Os fara�s eram realmente deuses? Hatshepsut (rainha que se tornou fara�), Akhenaton e Rams�s II foram deuses cultuados em vida? Qual era o poder da religi�o e dos mitos no Egito fara�nico? De que forma estes reis usavam dos s�mbolos e das imagens para atingir o status de ser divino? Como se manifestava o poder dos deuses Amon-Ra e Aton durante a Hist�ria do Egito Antigo? O Rei possu�a uma caracter�stica dual (divina e humana)? Que ritos tornavam o fara� e o deus din�stico fortalecidos para enfrentar o Caos?
Estas s�o algumas das perguntas que "Deuses, Fara�s e o Poder: imagem e legitimidade do deus din�stico e do monarca no Egito Antigo 1550-1070 a.C." pretende responder (disserta��o de mestrado orientada pelo prof. Dr. Ciro Flamarion Cardoso apresentada � Universidade Federal Fluminense com algumas modifica��es) tendo por base o estudo do papel desempenhado pelo monarca e pelo deus din�stico na manuten��o da teocracia fara�nica e do controle social, mediante o uso da iconografia, textos (m�gicos, sagrados e decretos) e mitos como uma das poss�veis ferramentas de legitimidade durante o Reino Novo do Antigo Egito (18�, 19� e 20� dinastias, entre 1550 e 1070 a.C.), que vivia um desenvolvimento sem precedentes na pol�tica, na religi�o e nas artes, tendo influ�ncia marcante nas esferas pol�tica, econ�mica e social no Oriente Pr�ximo e parte do Nordeste da �frica.
Durante este per�odo, ao contr�rio de outros momentos da hist�ria do Egito, o deus din�stico, que poderia ser uma divindade local, foi elevado � categoria de deus primordial, ou seja, demiurgo nos mitos da cria��o do mundo divino e natural (no qual o homem estava inserido). Neste particular, foi analisada a trajet�ria dos dois deuses din�sticos desta fase: Amon - �o oculto� (ao ser �solarizado�, recebe o nome de Amon-Ra) - deus local de uma regi�o do nomo de Tebas, que passa a deus primordial de car�ter nacional; e Aton - �o disco solar� - que, durante as duas d�cadas do Per�odo Amarniano, foi a �nica divindade celestial e primordial. Ambos tiveram uma posi��o central no culto, de modo que Amon-Ra passou a assimilar atributos do pante�o divino sem, contudo, exclu�-lo. Por sua vez, o deus Aton agregou todos os atributos divinos, eliminando praticamente todas as divindades, mitos e ritos da religi�o tradicional.
De forma an�loga, foi analisado o papel desempenhado pelo rei, que conferiu legitimidade �s suas a��es (direito ao trono, decis�es pol�ticas, guerras etc.) atrav�s do respaldo divino, de um modo geral, empreendido pelo deus din�stico. Entretanto, alguns monarcas ultrapassaram esta rela��o e estabeleceram o culto a si mesmo em vida (o que n�o era comum no Egito), tanto templ�rio quanto em capelas p�blicas e particulares, enfatizando a parte divina de sua natureza dual (divina e humana), criando uma aproxima��o muito mais estreita com o deus din�stico, que pode ser traduzida por uma outra forma de dualidade - rei e deus. O monarca, al�m de ser o filho do deus, passa a ser um deus t�o proeminente quanto seu pai, o deus din�stico.
Como forma de apresenta��o do trabalho, optamos por dividi-lo em quatro cap�tulos (o pref�cio foi escrito pelo Prof. Dr. Ciro Flamarion Cardoso). O primeiro, � uma abordagem hist�rica resumida do Reino Novo. O segundo, trata da trajet�ria do deus din�stico Amon-Ra e sua rela��o com o monarca, a disputa teol�gica entre o culto a Amon-Ra e o deus Aton, al�m da defini��o e uso de conceitos como assimila��o divina, henote�smo e kathenote�smo, que seriam formas de monolatria (que n�o devem ser confundidos com monote�smo). O terceiro, visa ao estudo da natureza dual do monarca (humana e divina), da rela��o dual rei-deus din�stico, do uso da iconografia, dos textos, da arquitetura, dos paramentos, dos mitos e dos ritos como forma de legitimidade do poder real e divino diante dos segmentos sociais. O quarto, exemplifica e desenvolve os elementos dos dois cap�tulos anteriores. Como o per�odo em quest�o � amplo (quatrocentos e vinte anos), optamos por escolher, para an�lise, determinados momentos do Reino Novo, que podem traduzir muito bem o tema escolhido. Assim, abordamos os reinados de Hatshepsut (1473�1458 a.C.), de Akhenaton (1353�1335 a.C.) e de Rams�s II (1290�1224 a.C.).