Os 31 textos de Jos� Bonif�cio de Andrada e Silva selecionados por Jorge Caldeira para este que � o oitavo e pen�ltimo volume da cole��o "Formadores do Brasil", da Editora 34, de S�o Paulo, mostram, em seu conjunto, uma vis�o ampla da trajet�ria do homem p�blico, deixando o leitor perceber, na maneira cronol�gica em que est�o apresentados, as mudan�as no pensamento do pol�tico e na postura assumida diante dos momentos hist�ricos que lhe tocaram viver, especialmente o dilema de defender, diante do inevit�vel, a ruptura do Brasil com Portugal.
Em �Mem�rias sobre a pesca da baleia�, de 1789, o primeiro texto de sua autoria de que se tem not�cia, Jos� Bonif�cio j� mostra a sua forma��o iluminista. Gra�as a esse estudo, ele estabelece um di�logo, raro para brasileiros na �poca, com a elite intelectual e dirigente do Reino, ganhando prest�gio na Academia das Ci�ncias de Lisboa. Logo em seguida, como reconhecimento ao seu brilhantismo intelectual, obt�m da Coroa uma bolsa para estudar em outros pa�ses da Europa, aproveitando-se de uma pol�tica idealizada pelo maior dos ministros da �poca, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, que defendia o financiamento do estudo na Europa de alguns jovens brasileiros de futuro - talvez como forma de compensar uma insatisfa��o colonial que se traduzira no envolvimento de alguns intelectuais na conspira��o de Minas Gerais de 1789.
Embora o organizador do livro tenha afirmado em entrevista � revista Ensino Superior (S�o Paulo, janeiro de 2003) que este volume exigiu exaustiva pesquisa porque a obra de Jos� Bonif�cio est� espalhada por arquivos do mundo inteiro, os textos selecionados foram retirados quase todos de livros j� impressos, especialmente da "Obra pol�tica de Jos� Bonif�cio" (1973), dois volumes, organizada por Octaciano Nogueira, al�m de documentos que constam do acervo do Instituto Hist�rico e Geogr�fico Brasileiro.
Em outras palavras: n�o parece que o organizador e sua equipe se mobilizaram tanto assim pelo mundo atr�s de manuscritos de Jos� Bonif�cio. Nem ao menos estiveram na Academia das Ci�ncias de Lisboa ou na Torre do Tombo, onde h�, por exemplo, um manuscrito que trata dos livros que Jos� Bonif�cio carregou para o Brasil em 1819, quando, j� reformado, imaginava apenas dedicar-se a uma velhice tranq�ila.
Tamb�m na introdu��o escrita pelo organizador n�o se percebe que tenha perdido em arquivos algum dia em busca de documentos in�ditos de Jos� Bonif�cio que melhor pudessem ajud�-lo a tra�ar um perfil biogr�fico mais bem acabado. Na bibliografia, s� h� cita��o de livros impressos.
Nada disso, por�m, invalida a import�ncia da obra que recupera o pensamento de um dos iluministas mais importantes do final do s�culo XVIII e in�cio do XIX. Leitor de Voltaire e Rousseau, Jos� Bonif�cio sempre teve um pensamento avan�ado para a sua �poca, que o coloca acima de Thomas Jeferson, o paladino da independ�ncia da Am�rica Setentrional, autor da famosa frase segundo a qual todos os homens nascem iguais e com iguais direitos � liberdade, mas que, grande senhor de escravos, nunca incluiu os negros em sua afirma��o. Para esses iluministas, igualdade s� valia para os homens qualificados, propriet�rios e ilustrados.
Basta ler �Representa��o � Assembl�ia Geral Constituinte e Legislativa do Imp�rio do Brasil sobre a Escravid�o�, de 1823, para se concluir que Jos� Bonif�cio foi muito al�m do pensamento de Jefferson. Nesse texto, depois de se demitir do cargo de ministro do Imp�rio e dos Neg�cios Estrangeiros e assumir uma cadeira como deputado, ele apresenta um projeto para a aboli��o do regime escravocrata. Ao l�-lo, percebe-se que muitos dos seus ideais, de certa maneira, ainda s�o os nossos, tantos anos depois.
�Esse com�rcio de carne humana � pois um cancro que r�i as entranhas do Brasil, com�rcio, por�m, que hoje em dia j� n�o � preciso para aumento da sua agricultura e povoa��o, uma vez que, por s�bios regulamentos, n�o se consinta a vadia��o dos brancos e outros cidad�os mesclados, e a dos forros [...]. Acaba-se pois de uma vez o infame tr�fico da escravatura africana; mas com isso n�o est� tudo feito; � tamb�m preciso cuidar seriamente em melhorar a sorte dos escravos existentes, e tais cuidados s�o j� um passo dado para a sua futura emancipa��o�, dizia, 65 antes da aboli��o da escravatura no pa�s.
Jos� Bonif�cio nasceu em Santos, no litoral de S�o Paulo, uma povoado de pouco mais de dois mil moradores na segunda metade do s�culo XVIII. Era filho de Bonif�cio Jos� e neto de um reinol, Jos� Ribeiro, que chegara ao Brasil no come�o do s�culo XVIII na leva de imigrantes que viajaram atra�dos pela descoberta do ouro em Minas. Ribeiro estabeleceu-se em Santos, casou com uma santista e entrou no com�rcio de escravos, ferro e bens de luxo que enviava para Minas em troca de ouro.
Logo, tornou-se o principal comerciante local. Fez fortuna suficiente para enviar dois filhos para Coimbra. O terceiro, Bonif�cio Jos�, que n�o foi para Coimbra, ficou em Santos tocando os neg�cios do fam�lia. E logo tornou-se o dono da maior fortuna da cidade. Jos� Bonif�cio foi o seu segundo filho.
Com 14 anos de idade, Jos� Bonif�cio mudou-se para S�o Paulo, onde ficou sob a guarda de um tio e estudou com os padres mais cultos da cidade, freq�entando a biblioteca da c�ria. Em 1783, partiu para Coimbra, onde fez os cursos de Direito, Filosofia e Matem�tica. Formado, em vez de habilitar-se a cargos na magistratura, como seria natural, cultivou boas amizades e entrou para a Academia das Ci�ncias de Lisboa, presidida pelo Duque de Laf�es e dirigida pelo abade Correia da Serra.
Com a bolsa que ganhou, ficou por uma d�cada na Europa estudando Mineralogia, Filosofia e Hist�ria Natural. Em 1790, instalou-se em Paris em meio ao tumulto provocado pela Revolu��o Francesa. A partir de 1794, esteve visitando minas na �ustria, Hungria, It�lia, Dinamarca, Noruega e Su�cia. S� em 1800, aos 37 anos, retornou a Portugal: falava e escrevia em seis idiomas e lia em onze.
Com a bagagem cultural que tinha - incomum � �poca, mesmo entre a elite -, foi nomeado professor de metalurgia em Coimbra, intendente-geral das minas e metais do Reino, diretor das casas da Moeda, Minas e Bosques, administrador das minas de carv�o de Buarcos e das fundi��es de Figueir� dos Vinhos e Avelar, diretor do laborat�rio da Casa da Moeda de Lisboa e superintendente dos Pinhais das Costas Mar�timas - tudo em menos de um ano.
Em 1808, com a invas�o francesa, a princ�pio, ficou na retaguarda a fabricar muni��es. Depois, tornou-se comandante do Corpo Militar Acad�mico. E acabou como presidente do Conselho de Pol�cia e Seguran�a, encarregado de dirigir o servi�o secreto. Quando o batalh�o retomou o Porto, foi chefe de pol�cia e superintendente da Alf�ndega e da Marinha da cidade.
Reformado, em 1819, decidiu retornar ao Brasil para viver em paz. Mas, a partir de 1821, tornou-se um pol�tico ativo. Em janeiro de 1822, depois de ter declarado que n�o voltaria a Portugal, D. Pedro nomeou Jos� Bonif�cio ministro de Estado. Com a independ�ncia constru�da no segundo semestre de 1822, passa a se preocupar n�o s� com as quest�es de governo, mas imagina um projeto para a na��o. Colocou o prest�gio da institui��o real a servi�o da unidade pol�tica do Brasil, evitando que o pa�s se dividisse em pequenos Estados, como se deu na Am�rica hisp�nica. Ganhou, por isso, merecidamente, o ep�teto de patriarca da independ�ncia.
Depois de advogar e implantar um projeto absolutista de governo para D. Pedro, do qual era o principal benefici�rio como ministro todo-poderoso, em 1823, tornou-se inc�modo para conservadores e liberais e partiu para um ex�lio for�ado de seis anos na Fran�a. Aos 66 anos, retornou ao Rio de Janeiro, assumiu uma cadeira no Senado e assistiu � derrocada do imperador, que retornou a Portugal para brigar com seu irm�o, D. Miguel. Antes, D. Pedro confiou a Jos� Bonif�cio a forma��o de seu herdeiro, ent�o com cinco anos de idade.
Em 1833, o patriarca foi afastado por decreto da reg�ncia do cargo de tutor. Retirou-se, ent�o, da vida p�blica e passou seus derradeiros dias na morada que tinha na Ilha de Paquet�, no Rio de Janeiro.