Livro: Imigra��o portuguesa no Brasil
Autor(es): Eul�lia Maria Lahmeyer Lobo
Editora: Hucitec / Instituto Cam�es
Ano: 2001
Nº de páginas: 367

Surpreende a falta de estudos hist�ricos sobre a imigra��o portuguesa para o Brasil. Na historiografia portuguesa, o que se tem � uma preocupa��o com os estudos dos descobrimentos e da expans�o lusa, acendrada, nos �ltimos tempos, pela mania t�o nossa de comemorar datas redondas � os 500 anos das viagens de Vasco da Gama e de Pedro �lvares Cabral. No Brasil, de maneira paradoxal, os trabalhos na �rea t�m se concentrado mais no estudo das imigra��es italiana e alem�.


Para piorar, alguns raros estudos dedicados � imigra��o portuguesa no Brasil, infelizmente, n�o t�m conseguido ultrapassar os muros da academia, talvez em raz�o da insensibilidade dos editores brasileiros. Como exemplos v�o estas tr�s disserta��es de mestrado: "A miss�o herdada: um estudo sobre a invas�o do imigrante portugu�s", de Maria Helena Beozzo Lima, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1973; "Cabras e p�s-de-chumbo: os rolos do tempo, o antilusitanismo na cidade do Rio de Janeiro (1890-1930)", de Gladys Sabrina Ribeiro, Universidade Federal Fluminense, 1987; e "A imigra��o portuguesa e a sua influ�ncia no Brasil: o caso de Santos (1850 a 1970)", de Maria Suzel Gil Frutuoso, Universidade de S�o Paulo, 1989. Ficam aqui com a esperan�a de que despertem o interesse de algum editor portugu�s.

Para preencher um pouco esse v�cuo, Eul�lia Maria Lahmeyer Lobo, professora livre-docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro, escreveu "Imigra��o portuguesa no Brasil", publicado em 2001 pela editora Hucitec, de S�o Paulo, com o apoio do Instituto Cam�es. Focalizando em particular o per�odo do apogeu da imigra��o em finais do s�culo XIX � d�cada de 1950, o livro vem ampliar o conhecimento que se tinha a respeito desse fen�meno, bem como a inser��o do imigrante portugu�s na sociedade brasileira tanto no plano econ�mico como no social e no cultural. Para tanto, n�o s� sugere novas linhas de investiga��o como levanta fontes at� agora pouco exploradas, como jornais, revistas, entrevistas, programas de atividades art�sticas, iconografias, arquivos de sindicatos e associa��es de imigrantes, processos judiciais e obras liter�rias.


Para a autora, do ponto de vista de Portugal, a emigra��o, por um lado, atrasou o processo de transi��o para o capitalismo, mas, por outro, serviu para abafar as tens�es sociais no Norte do pa�s, diante das crises agr�colas e da fragmenta��o da propriedade. Historicamente, desde os s�culos XVII e XVIII, a desertifica��o do pa�s serviu para que as classes dominantes pudessem usufruir com mais tranq�ilidade os privil�gios acumulados.


Al�m de aliviar tens�es no campo, a emigra��o passou a render divisas, pois os emigrantes come�aram a enviar capitais para o pa�s, cujos montantes foram significativos at� 1930, criando um mercado de produtos lusos no Brasil, estimulando a produ��o, o transporte e o com�rcio entre os dois pa�ses.


Do ponto de vista do Brasil, como observa a autora em suas conclus�es, a imigra��o desempenhou o papel essencial de prover a m�o-de-obra requerida pela ind�stria nascente, pelo com�rcio e pelo setor financeiro e de servi�os, na fase crucial da aboli��o da escravatura em 1888, da expans�o do caf�, dos sistemas portu�rios do Rio de Janeiro e de Santos e da forma��o do mercado interno.


Embora E�a de Queir�s em "Emigra��o como for�a civilizadora" tenha justificado a prefer�ncia do portugu�s pelos Estados Unidos em raz�o da fertilidade do solo, do n�vel elevado do sal�rio, do baixo custo da terra, da liberdade de associa��o e de religi�o, os emigrantes lusos � na maioria, camponeses do Norte, sobretudo das regi�es de Aveiro, Braga, Porto, Coimbra, Guarda, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu � preferiram mesmo o Brasil. De acordo com os dados levantados por Eul�lia Maria Lahmeyer Lobo, o Porto ocupava o primeiro lugar na origem dos emigrantes, entre 1866 e 1898. De 1911 a 1913, este lugar coube a Viseu seguido de Bragan�a. A emigra��o da Ilha da Madeira foi particularmente importante no porto de Santos.


Em poucas d�cadas, os imigrantes portugueses j� ocupavam posi��o de destaque na ind�stria, no com�rcio por atacado e varejo e nos bancos. Representavam um mercado consumidor consider�vel para os artigos de exporta��o lusos, constitu�am parte importante da m�o-de-obra rural e urbana de algumas regi�es do Brasil e eram grandes propriet�rios de im�veis, sobretudo urbanos. O resultado foi o aparecimento de conflitos inter�tnicos at� a d�cada de 1930.


Gladys Sabrina Ribeiro, que estudou o antilusitanismo na cidade do Rio de Janeiro de 1890 a 1930, principalmente por meio de processos criminais, mostrou que os conflitos eram gerados pela ocupa��o de empregos nas f�bricas e oficinas e nas lojas pelo portugu�s, em detrimento do trabalhador brasileiro, ou pela recusa de pagamento de alugu�is, refei��es, empr�stimos e juros por brasileiros a propriet�rios portugueses de estabelecimentos.


Diante da autoridade policial, quase sempre os portugueses exaltavam o car�ter ordeiro e trabalhador de seus patr�cios, em oposi��o � vagabundagem dos brasileiros. As autoridades policiais e judiciais n�o apoiavam os imigrantes, s� o fazendo em casos que envolviam a propriedade.


Nos anos 1920, o jornalista Ant�nio Torres, lus�fobo assumido, acusava os portugueses de serem propriet�rios de 85% das empresas no Rio de Janeiro, de darem prefer�ncia aos artigos importados de Portugal, de empregar s� conterr�neos e, mais importante, de remeterem os lucros para o seu pa�s e de fecharem seus neg�cios, regressando � p�tria quando estavam enriquecidos.


Al�m de exibir muitos n�meros e estat�sticas oficiais econ�micas e demogr�ficas, Eul�lia Maria Lahmeyer Lobo procurou fazer um estudo da intera��o cultural luso-brasileira, lembrando especialmente que a gera��o de 1870 manteve estreitas liga��es com o Brasil. E recupera a pol�mica em torno da caracteriza��o feita por E�a de Queir�s do tipo "brasileiro" como personagem ris�vel em "As Farpas", o que provocou repres�lias no Recife por parte do jornalista Jos� Soares Pinto Correia, caricaturando os portugueses em "Os Farp�es". At� lojas foram pilhadas em Pernambuco por conta de um mal-entendido: o "brasileiro" que E�a ridicularizava era o portugu�s que voltava do Brasil rico, mas inculto, "bo�al, burlesco".


Mais � frente, ao estudar esse relacionamento cultural em nossa �poca, a autora observa que o escritor Jo�o Ubaldo Ribeiro, embora t�o bem recebido em Portugal, descreveu, em seu livro "Viva o povo brasileiro", de forma negativa, a atua��o dos portugueses no Brasil. "O autor n�o consegue distinguir a crueldade da conquista, coloniza��o, guerra e escraviza��o das caracter�sticas do povo portugu�s, considerando-as como peculiares aos lusos", acusa, ressaltando que o romancista, ao elogiar a coloniza��o holandesa no Nordeste brasileiro, em contraposi��o � portuguesa, mostra-se deficiente em cultura hist�rica, confundindo as iniciativas de Maur�cio de Nassau, repudiado pela Companhia das �ndias, com a atua��o da empresa propriamente dita. Entre outros escritores brasileiros que se destacam por sua lusofobia, a autora relaciona ainda Luiz Edmundo, Alu�sio de Azevedo, Jorge Amado e Graciliano Ramos.


Ao estudar a emigra��o portuguesa para o Brasil no s�culo XX, a autora ressalta o decl�nio da sa�da de portugueses rumo ao Brasil na d�cada de 1940 porque o governo luso via-se pressionado pelos industriais que come�avam a se fortalecer e queriam garantir m�o-de-obra e pelos latifundi�rios do Sul que desejavam assegurar o suprimento sazonal de bra�os para a agricultura e cria��o. Externamente, havia a amea�a de perder as col�nias e, portanto, era preciso desviar o fluxo migrat�rio para a �frica.


Como observa a autora, com a queda da imigra��o, a menor concorr�ncia no mercado de trabalho entre portugueses e nativos, os novos conceitos nacionalistas da ditadura de Get�lio Vargas, que reservavam um lugar especial para os lusos, a dispers�o dos centros culturais e a abertura para toda a comunidade dos hospitais � especialmente Santas Casas e Benefic�ncias Portuguesas � e associa��es e clubes nascidos da iniciativa dos imigrantes podem ter contribu�do n�o s� para a renova��o da imagem rec�proca como para a atenua��o da lusofobia e da brasifobia.


A partir da d�cada de 1960, o Brasil j� n�o precisava de gente sem qualifica��o, mas de t�cnicos e oper�rios especializados. S� com o fim da ditadura salazarista em 1974 � que o fluxo voltou a se acentuar. S�o empres�rios, pol�ticos, profissionais liberais e outros que trocaram Portugal pelo Brasil, seguidos pelos portugueses radicados nas col�nias africanas em processo de independ�ncia, gente que se havia beneficiado com o regime anterior. Foram 25 mil os portugueses que entraram no Brasil atra�dos pelo "milagre" econ�mico apregoado pelo ditadura militar � desses 29% tinham n�vel superior.


No entanto, mais de 80% desses imigrantes retornaram a Portugal, depois que conclu�ram que estavam afastadas as amea�as dos primeiros tempos da Revolu��o dos Cravos. E tamb�m porque o Brasil come�ava a entrar numa recess�o econ�mica que se prolonga at� hoje, o que, de certo, reverteu o fluxo migrat�rio, com muitos brasileiros procurando emprego em Portugal � na maior parte, trabalhadores pouco qualificados.



Adelto Gon�alves




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