Livro: Um rio chamado Atl�ntico
Autor(es): Alberto da Costa e Silva
Editora: Nova Fronteira
Ano: 2003
Nº de páginas: 288

Em 1963, Alberto da Costa e Silva assistiu a sir Hugh Trevor-Hoper, famoso professor de Oxford, afirmar para um audit�rio que "n�o havia uma hist�ria da �frica subsaariana, mas t�o-somente a hist�ria dos europeus no continente, porque o resto era escurid�o, e a escurid�o n�o � mat�ria da hist�ria". Uma infeliz afirma��o porque, tr�s anos depois, a editora da Universidade de Cambridge come�aria a publicar, sob a dire��o de Roland Oliver e J.D.Fage, The Journal of African History, uma revista que tratava s� de hist�ria.


Mas, antes mesmo da observa��o do professor ingl�s, Costa e Silva, ex-embaixador do Brasil em Portugal e atualmente presidente da Academia Brasileira de Letras, j� vinha procurando desmentir aquele disparate um tanto consensual �quela �poca, como se pode constatar no livro que a editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro, acaba de editar, "Um rio chamado Atl�ntico: a �frica no Brasil e o Brasil na �frica", em que recolhe textos publicados desde 1961 em jornais e revistas ou lidos em semin�rios sobre a hist�ria do continente africano.


Pelo menos cinco desses ensaios o leitor portugu�s mais atento j� deve t�-los lido em �O v�cio da �frica e outros v�cios�, mas h� ainda 11 textos mais recentes e igualmente imperd�veis para quem participa destes v�cios africanos. No ensaio que abre o livro, "As rela��es entre o Brasil e a �frica Negra, de 1822 � Primeira Guerra Mundial", por exemplo, inclu�do no livro de 1989, o leitor pode logo descobrir que n�o � de hoje que, nas rela��es internacionais, manda quem pode e obedece quem tem ju�zo.


L� est� que, na segunda d�cada do s�culo XIX, a Gr�-Bretanha, depois de encorajar o tr�fico negreiro por longos anos, passou a conden�-lo. Precisou impedir que a m�o-de-obra africana ajudasse o crescimento da produ��o a�ucareira do Brasil, que oferecia pre�os mais baixos do que os das Antilhas brit�nicas. Valeu-se, ent�o, de um sentimento altru�sta para impor o fim do com�rcio de escravos por meio da Conven��o de 1826, que atingia a soberania do Brasil, pois dava aos navios ingleses o direito de uma visita aos barcos brasileiros e permitia o apresamento daqueles que se dedicassem ao tr�fico.


Apesar do intenso debate que a ent�o nascente na��o sul-americana teve de travar com a arrog�ncia inglesa, a lei do mais forte prevaleceu. Epis�dio bem parecido com a chamada Lei do Bioterrorismo, assinada por Bush II e que vai entrar em vigor a partir do dia 12 de dezembro, pisoteando a soberania dos demais parceiros comerciais. Tal como h� 177 anos, n�o haver� como deixar de se sujeitar � lei do mais forte. Desafi�-la ser� virar as costas para um mercado de US$ 1,4 trilh�o por ano.


A prop�sito da prepot�ncia inglesa, em outro ensaio, "O Brasil, a �frica e o Atl�ntico no s�culo XIX", Costa e Silva observa que o Oitocentos foi o s�culo em que o Reino Unido procurou fazer do Atl�ntico um mar brit�nico. E que essa amea�a fez renascer o interesse portugu�s pela �frica. E tanto Portugal quanto a Fran�a, a Alemanha e a It�lia trataram de responder �s pretens�es brit�nicas. Portugal s� n�o contava com a r�plica arrogante de seu aliado de tantos s�culos, com o ultimatum de 1890, que obrigou Lisboa a abandonar ao Reino Unido terras que integrariam mais tarde o Mal�ui, a Z�mbia e o Zimbabu�.


A prepot�ncia inglesa, por�m, � uma presen�a marginal nestes ensaios que discutem, isso sim, a import�ncia do Atl�ntico e o tr�nsito de escravos e mercadorias que transformou as culturas de ambos os continentes. E n�o s� deixou uma marca indel�vel na forma��o brasileira, como tamb�m influenciou a hist�ria da �frica Ocidental, gra�as ao tr�fico negreiro e ao refluxo de ex-escravos e negros libertos ao continente de origem que para l� levaram os modos brasileiros.


No ensaio "Os sobrados brasileiros de Lagos", o autor percorre o chamado "Brazilian Quarter" da capital da Nig�ria em busca de ru�nas de constru��es do s�culo XIX, as chamadas casas coloniais brasileiras, constru�das sob um tipo de arquitetura introduzido no pa�s por hau��s e iorubas que, tendo vivido no Brasil, como escravos ou libertos, regressaram posteriormente � �frica.


Desta margem do Atl�ntico, Costa e Silva em "Um chefe africano em Porto Alegre" conta muitas hist�rias de africanos de linhagem que foram vendidos como escravos por causa de brigas pelo poder em suas na��es. Um desses pr�ncipes africanos chegou ao Brasil em 1864 n�o como escravo, mas como homem livre desterrado da p�tria. Adotou o nome brasileiro de Jos� Cust�dio Joaquim de Almeida e ignoram-se as raz�es pelas quais veio para o Brasil, embora o mais prov�vel � que tenha sido expulso por algum conflito pol�tico.


Ficou conhecido entre os moradores de Porto Alegre como Pr�ncipe de Ajud�, mas sua liga��o com essa localidade africana n�o � provada. Talvez tenha sido esse o porto pelo qual deixou a �frica. Com mais de 1m83, forte, extrovertido, Cust�dio Joaquim morou numa mans�o com cinco filhas e tr�s filhos, sem que se saiba que tenha sido casado. Falava ingl�s e franc�s com flu�ncia, mas trope�ava no portugu�s. Vestia-se de acordo com a moda europ�ia, mas usava trajes africanos em ocasi�es especiais. O Pr�ncipe de Ajud� morreu em 1935, supostamente com mais de cem anos de idade. Costumava ajudar outros africanos num Estado, o Rio Grande do Sul, conhecido pela forte discrimina��o contra os negros. Nunca se soube a origem de sua riqueza.


Para Costa e Silva, estudar a �frica, al�m de explicar o Brasil, � fundamental para compreender o continente vizinho, do qual veio quase a metade dos antepassados dos brasileiros. Para ele, n�o justifica que a hist�ria da �frica continue a ser tratada como mat�ria ex�tica. "Ainda que disto n�o tenhamos consci�ncia, o ob� do Benim ou o angola a quiluanje est�o mais pr�ximos dos brasileiros do que os antigos reis da Fran�a", afirma.


Diplomata, poeta e historiador, Alberto da Costa e Silva, 72 anos, serviu como diplomata em Washington e v�rias capitais europ�ias, antes de ser embaixador na Nig�ria, Benim, Portugal, Col�mbia e Paraguai. Tem duas paix�es: a poesia e a �frica. Como poeta, publicou em 2000 �Poemas Reunidos� (com os trabalhos de oito livros anteriores), pela Nova Fronteira, que tamb�m editou, em 1994, suas mem�rias da inf�ncia, �Espelho do Pr�ncipe�.


Em 2002, publicou pela Academia Brasileira de Letras uma colet�nea de ensaios liter�rios, �O Pardal na Janela�, que re�ne textos inclu�dos em �O V�cio da �frica e outros v�cios�. Como historiador da �frica, publicou pela Nova Fronteira �A Enxada e a Lan�a: a �frica antes dos Portugueses� (1992, 1996) e �A Manilha e o Libambo: a �frica e a Escravid�o, de 1500 a 1700� (2002), vencedor do Pr�mio Jabuti de 2003 da C�mara Brasileira do Livro. � doutor honoris causa pela Universidade Obafemi Awolowo, da Nig�ria.


Adelto Gon�alves




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