Livro: Jos� da Silva Lisboa, Visconde de Cairu
Autor(es): Ant�nio Penalves Rocha
Editora: 34
Ano: 2001
Nº de páginas: 333

A publica��o do livro "Jos� da Silva Lisboa, Visconde de Cairu", al�m de tirar da poeira dos arquivos obras fundamentais para o estudo do desenvolvimento das id�ias liberais no Brasil, ajuda a cristalizar uma conclus�o: a de que est� na hora de se tentar arrancar da documenta��o de arquivos brasileiros e portugueses uma dimens�o mais objetiva do papel que o ministro de D. Jo�o desempenhou na forma��o da na��o brasileira. � trabalho para um candidato a doutoramento ou a p�s-doutoramento em Hist�ria com boa forma��o em Economia e Sociologia.


At� porque h� evid�ncias de que existem textos ainda in�ditos de Cairu (1756-1835) na documenta��o do Fundo do Minist�rio dos Neg�cios Estrangeiros do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa. Como lembra o professor Antonio Penalves Rocha na introdu��o, isso fica evidente quando se l� algumas notas de rodap� de "Os Sentidos do Imp�rio", de Valentim Alexandre (Edi��es Afrontamento, 1993), livro que contesta abertamente a tese do professor Fernando Novais exposta em Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial: 1777-1808 (Hucitec, 1981).


Para Valentim Alexandre, nunca houve crise geral no imp�rio luso-brasileiro nos anos que antecederam a ruptura do regime de pacto colonial, pois tudo teria ru�do em fun��o das perturba��es que sacudiram o sistema internacional. E que interpretar as inconfid�ncias mineira, carioca e baiana e a revolu��o de 1817 no Nordeste como pren�ncios da Independ�ncia em 1822, como fez Novais, seria uma c�moda leitura de quem j� conhece antecipadamente os fatos e pode orden�-los de acordo com sua vontade.


Seja como for, a verdade � que, a partir de 1808, com a vinda da fam�lia real para o Brasil, Jos� da Silva Lisboa assume uma posi��o de relev�ncia � frente dos fatos que levariam � ruptura com Portugal. E que as obras escritas at� agora sobre a sua figura de homem p�blico n�o respondem perguntas cruciais, carecendo, na maioria, de pesquisas mais aprofundadas em fontes prim�rias.


Os intelectuais que no come�o do s�culo XX escreveram sobre Silva Lisboa, adequaram o seu perfil �s posi��es que eles pr�prios ocupavam no conflito gerado pelo in�cio do processo de industrializa��o do Brasil. Essa � uma das raz�es por que Cairu necessita de uma nova biografia. Outra � que n�o h� uma explica��o aceit�vel para o fato de Silva Lisboa, de repente, ter sido catapultado a ministro todo-poderoso do novo imp�rio que seria constru�do na Am�rica, a ponto de aparecer como aquele que recomendou ao pr�ncipe regente a abertura dos portos do Brasil �s na��es amigas. At� a chegada da fam�lia real, Silva Lisboa, aos 52 anos, era um obscuro funcion�rio p�blico colonial na perif�rica Salvador, ocupando os cargos de deputado e secret�rio da Mesa da Inspe��o da Agricultura e Com�rcio.


Como o professor Penalves Rocha escreveu na introdu��o, o visconde de Cairu, como objeto da mem�ria nacional, foi representado por tr�s imagens. No s�culo XIX, passa a figurar no pante�o dos construtores da na��o para, no s�culo seguinte, ser glorificado apenas como economista e condenado como bajulador da monarquia. Como se pode facilmente concluir, as tr�s imagens est�o distorcidas pelo exagero e influenciadas pelas circunst�ncias das �pocas em que ganharam corpo.


Ainda no s�culo XIX, os historiadores destacaram a contribui��o de Cairu para a moderniza��o do Brasil, especialmente sua atua��o na abertura dos portos �s na��es amigas em 1808 e sua defesa da Independ�ncia diante da investida "recolonizadora" das Cortes Constituintes de Lisboa. Hoje, depois de trabalhos fundamentais sobre a �poca, notadamente "Republicanos e Libert�rios: Pensadores Radicais no Rio de Janeiro (1822)", de Renato Lopes Leite, sabe-se que essa vis�o est� superada. Essa investida "recolonizadora" das Cortes nunca representou uma amea�a real ao processo de liberta��o de Portugal.


O que estava em jogo, isso sim, eram duas concep��es pol�ticas para o Brasil independente: a dos absolutistas, Jos� Bonif�cio e Cairu � frente, e a dos republicanos, que aceitavam uma monarquia parlamentarista. Com a vit�ria do pensamento absolutista, houve a constru��o de uma justificativa para dar a independ�ncia como ato da vontade do regente, Pedro I, quando, na verdade, a convoca��o da Constituinte, em 3 de junho de 1822, no Rio de Janeiro, foi um fato pol�tico de maior transcend�ncia que o epis�dio do "Fico", que esteve longe da unanimidade, e o Sete de Setembro, que n�o teve � �poca a import�ncia que lhe � atribu�da pela Hist�ria.


Para a classe dominante do mundo agr�rio-escravista brasileiro da segunda metade do s�culo XIX, o pensamento de Cairu, que prometia a prosperidade por meio de reformula��es orientadas por um conhecimento que seria ensinado nas faculdades de Direito, fundadas a partir de 1827, servia como exemplo de que reformas conservadoras poderiam refrear as convuls�es pol�ticas. Foi por isso que o visconde passou a ser considerado um dos construtores da na��o.


J� no s�culo XX a reabilita��o de Cairu tem outra motiva��o: era preciso opor-se �s id�ias revolucion�rias de Proudhon, Karl Marx, Lenin e outros. E, assim, o visconde, ainda que como seguidor fervoroso de Adam Smith tenha sido um diluidor das id�ias liberais, foi colocado no mesmo plano de seu mestre e apresentado at� como um antecipador de Keynes. De outro lado, foi mostrado pelo historiador Jos� Hon�rio Rodrigues como um lambe-botas de reis e do imperialismo brit�nico, al�m de apontado como o maior mercen�rio do colonialismo da hist�ria do Brasil, situa��o que faz lembrar a campanha de que seria v�tima, em tempos mais recentes, outro economista de ineg�vel talento, Roberto Campos.


Est� claro que as investiga��es feitas por estudiosos brasileiros at� aqui deixaram de lado o exame de uma poderosa corrente ideol�gica anti-revolucion�ria que se formava a partir do Estado. Pois foi exatamente Silva Lisboa quem, lastreado na Economia Pol�tica, a primeira ci�ncia da sociedade do mundo moderno, fundamentou teoricamente o pensamento conservador amplamente vitorioso na Independ�ncia. � o que se pode conferir nos tr�s textos selecionados por Penalves Rocha: "Observa��es Sobre o Com�rcio Franco no Brasil", editado originalmente em dois volumes, em 1808 e 1809; "Observa��es Sobre a Franqueza da Ind�stria e Estabelecimento de F�bricas no Brasil", publicado em 1810; e "Da liberdade do trabalho", artigo publicado pela revista Guanabara, em 1851.


Em outras palavras: com base no que Silva Lisboa expunha aos seus pares, sempre diluindo pensadores cl�ssicos j� � sua �poca e esgrimindo as premissas da Economia Pol�tica, o Estado p�de tomar as medidas necess�rias para conter a revolu��o. O Brasil caminharia, sim, para a independ�ncia, mas de uma maneira lenta, segura e gradual, sem maiores convuls�es ou aventuras que viessem a colocar em risco o status quo. Depois disto, est� mais do que claro que a vida e a obra do visconde merecem uma revis�o urgente e isenta de paix�es.



Adelto Gon�alves




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