Livro: O negro no cora��o do Imp�rio: uma mem�ria a resgatar (s�culos XV-XIX)
Autor(es): Didier Lahon
Editora: Casa do Brasil, Entreculturas (Secretariado Coorde
Ano: 1999
Nº de páginas: 103

A hist�ria da presen�a do negro em Portugal nunca foi muito estudada pelos investigadores portugueses. Existe uma meia d�zia de trabalhos importantes � alguns estudos incorporados em obras de temas mais amplos, como o do professor Joaquim Romero de Magalh�es, "Os escravos e os emigrantes", inserto na Hist�ria de Portugal (Editorial Estampa, Lisboa, s.d.), dirigida por Jos� Mattoso; e o de Vitorino Magalh�es Godinho, "O mercado de m�o-de-obra e os escravos", que faz parte do livro Os Descobrimentos e a economia mundial (Editorial Presen�a, Lisboa, 1981); e outros tantos, mais antigos, de conte�do eminentemente racista, como os de A. A. Mendes Correa e Oliveira Martins, que nem devem ser levados em conta.


Mas, recentemente, de maneira curiosa, s�o estrangeiros que v�m mergulhando com maior profundidade sobre o tema. Exemplo maior � o livro "Os negros em Portugal: uma presen�a silenciosa" (Editorial Caminho, Lisboa, 1988), do pesquisador brasileiro Jos� Ramos Tinhor�o, hoje a principal refer�ncia sobre o assunto. Saiu em Lisboa, com o apoio da Casa do Brasil, do Entreculturas, organismo do Minist�rio da Educa��o portugu�s e da Comiss�o Europ�ia, este "O Negro no cora��o do Imp�rio", do franc�s Didier Lahon, uma esp�cie de resumo de seu trabalho de doutoramento em Antropologia Hist�rica na �cole des Hautes �tudes en Sciences Sociales de Paris.


O que chama a aten��o neste livro de Lahon, como assinala o professor Manolo Florentino, do Departamento de Hist�ria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um dos prefaciadores do livro, s�o as poss�veis causas do esmaecimento da mem�ria da escravid�o negra em Portugal, fen�meno que tamb�m se deu em outras metr�poles europ�ias. Como e por que, depois de terem sido numerosos em certas cidades de Portugal, n�o se encontra nenhum tra�o de sua descend�ncia?


Fosse por falta de novas levas ou por miscigena��o com a popula��o portuguesa, a verdade � que os povos importados da �frica perderam, no s�culo XX, a visibilidade que tanto surpreendeu os viajantes estrangeiros da segunda metade do s�culo XVIII. Uma visibilidade que agora volta a ganhar contornos mais n�tidos com a entrada de trabalhadores africanos de origem sub-saariana, embora hoje j� haja uma diminui��o no fluxo de imigrantes de origem lus�fona, em contrapartida ao aumento da imigra��o dos pa�ses do Leste, especialmente da antiga Iugosl�via.


Com uma popula��o envelhecida, controle de natalidade motivado por quest�es econ�micas e a imigra��o de seus pr�prios cidad�os, nunca interrompida, para a Am�rica do Norte, Fran�a e Alemanha e outros centros, Portugal necessita cada vez mais de jovens imigrantes que possam restabelecer o seu equil�brio populacional. O governo tem consci�ncia dessa necessidade e estabelece pol�ticas apenas para disciplinar a entrada desses imigrantes e reprimir abusos, mas, ao mesmo tempo, n�o consegue evitar que recrudes�a um sentimento xen�fobo que se tem traduzido em atitudes discriminat�rias, especialmente em rela��o � juventude negra.


A hist�ria da presen�a dos negros em Portugal come�a, a rigor, a partir de 1440, com a entrada sistem�tica de cativos. Segundo dados levantados por Lahon, no fim do s�culo XVI, no Algarve, eles chegam a representar 10% da popula��o, algo em torno de seis mil pessoas. � mesma �poca, em Lisboa, a parcela negra ou mesti�a, escrava e liberta, representava uma parte significativa da popula��o, talvez um percentual semelhante, embora seja sempre arriscado fazer-se estimativas devido � precariedade das fontes consultadas.


Estudar essa popula��o negra que permaneceu em Portugal foi o objetivo de Lahon. Suas fontes, manuscritas ou impressas, abrangem o per�odo da segunda metade do s�culo XV at� �s primeiras d�cadas do XIX. O que os documentos mostram � que essa parcela foi sempre crescente at� 1761, quando o marqu�s de Pombal proibiu a entrada de novos escravos na metr�pole. Proibiu a entrada, mas isso n�o significa que, na pr�tica, n�o continuasse a haver cativos, como provam an�ncios publicados na Gazeta de Lisboa do final do s�culo XVIII.


Em Portugal, a partir de 1761, progressivamente, os negros v�o desaparecendo � especula-se que muitos tenham voltado para a �frica ou seguiram � for�a para o Brasil onde teriam continuado a saga da escravid�o, enquanto os libertos acabariam por se extinguir naturalmente, pouco a pouco. Em 1869, com o fim da escravatura em todos os territ�rios sob controle luso, Portugal come�ava a virar as costas para essa chaga do passado.


� �poca de Pombal, em Lisboa, como no Rio de Janeiro seguiria sendo por muito tempo, eram as escravas negras que se incumbiam de levar pela manh� as cacimbas com os dejetos noturnos a serem despejados no Tejo. Esse e outros trabalhos humilhantes, com a proibi��o de Pombal, come�aram a ser transferidos para os galegos, que passaram a entrar no Reino em n�mero cada vez maior, a ponto de o intendente geral de Pol�cia, Pina Manique, calcular em 30 mil esse contingente ao final do s�culo XVIII.


Diante das escaramu�as com a Espanha durante os anos de instabilidade no come�o do s�culo XIX, n�o poucas vezes Pina Manique sugeriu ao pr�ncipe regente o retorno da escravid�o, j� que os galegos come�aram a deixar o pa�s com medo de repres�lias. O pr�ncipe regente, por�m, nunca aceitou a proposta.Um s�culo depois, os tra�os da popula��o negra em Portugal eram cada vez mais t�nues, registrados apenas pela presen�a de duas confrarias religiosas em Lisboa.


Talvez por isso a historiografia portuguesa se tenha mantido praticamente � margem do tema, como se a presen�a do negro s� fosse importante nos territ�rios de al�m-mar. Redescobrir o assunto e pesquis�-lo dentro de uma vis�o moderna e isenta de preconceitos � tarefa que se imp�e aos novos historiadores. Ao sugerir caminhos � at� porque muitas fontes continuam inexploradas �, Lahon, com este livro, oferece uma contribui��o fundamental para revalorizar a quest�o, principalmente numa �poca em que a presen�a do negro volta a ser marcante em Portugal.



Adelto Gon�alves




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