Em um per�odo de grandes modifica��es no mundo ocidental, tanto a Igreja quanto os grandes l�deres guerreiros buscaram formar fortes alian�as, era a tentativa de acumular for�as capazes de trazer a paz e garantir a vit�ria na guerra. Nesse cen�rio que fomenta e impulsiona novos tipos de rela��es sociais, pol�ticas e econ�micas, Pepino III, o Breve (1) , foi aclamado rei dos francos (751 a 768) apoiando e apoiado pela Igreja.
Filho de Carlos Martel, Pepino e seu irm�o Carlomano foram respons�veis pela ascens�o do merov�ngeo Childerico III ao trono dos francos ocidentais, por�m mantiveram-se exercendo o poder efetivo como prefeitos do pal�cio(2) . Em 747, seu irm�o Carlomano renunciou de seu cargo retirando-se para o mosteiro de Monte Cassino, um dos mais importantes centros mon�sticos italianos, localizado entre Roma e N�poles.
Estando influenciado pelas disc�rdias internas entre a aristocracia e pela amea�a b�rbara, preocupa��o constante entre os francos, Pepino procurou e recebeu a ajuda do papa Zacarias (741-52) na remo��o de Childerico, que por meio de um golpe de Estado foi for�ado a abdicar. Pepino foi, ent�o, ungido como rei, possivelmente por Bonif�cio. Desse modo, introduziu na G�lia ecos das tradi��es b�blicas e das un��es da Espanha visig�tica.
Em 745, o papa Estev�o II (752-57), sob press�o dos avan�os militares das for�as do rei Astolfo, fugiu para a corte de Pepino, onde realizaram um acordo memor�vel: o papa concedeu a Pepino o t�tulo imperial de patricius romanorum ungindo novamente o rei e seus dois filhos (Carlos Magno e Carlomano). Dessa forma, os francos foram obrigados a escolherem seus futuros reis somente entre os descendentes de Pepino, o que garantiu a perpetua��o de sua gente no trono franco, possibilitando, futuramente, a coroa��o de Carlos Magno. Pepino, em troca do apoio papal, prometeu ajudar a restaurar as terras eclesi�sticas ligadas a regi�o de Ravena e ao ducado de Roma. Duas campanhas militares (754 e 756) cumpriram essas obriga��es e forneceram a base dos Estados pontif�cios.
Nesse meio tempo, Pepino desempenhou v�rios pap�is relevantes: expulsou os mu�ulmanos de Septim�nia e repeliu as amea�as dos fr�sios e sax�es na Ren�nia, criando as bases para a expans�o efetuada por seu filho Carlos Magno e para a id�ia de um grande reino crist�o, sendo, tamb�m, o respons�vel pela consolida��o da transi��o da dinastia merov�ngea para a dinastia carol�ngia. Contudo, apesar da grande expans�o dos francos, tendo em vista o forte impulso dado por Pepino III, n�o se pode esquecer de um dos mecanismos de fundamental import�ncia utilizado estrategicamente por esse rei na tentativa de conseguir novas alian�as: a vassalidade (Vassus).
O fim do s�culo VII e a primeira metade do s�culo VIII constituem para a monarquia franca um per�odo de lutas constantes, a guerra faz parte do cotidiano medieval desde a sua forma��o. Assim, tornam-se freq�entes as a��es militares contra grupos b�rbaros propensos a buscarem independ�ncia, ou grupos largamente aut�nomos como, por exemplo: Alamanos, B�varos, Aquit�nios e Proven�ais; as campanhas militares tamb�m se empenham em conter os inimigos externos: Fris�es, Sax�es e Sarracenos. Para poder dispor, ent�o, de numerosos guerreiros, bem armados e inteiramente dedicados, Pepino III multiplicou o n�mero de seus vassalos.
Aos diversos vassalos eram distribu�das terras a fim de os colocarem em condi��es de obterem, al�m do sustento a que tinham direito, um equipamento completo de guerra e as indispens�veis montarias (a cavalaria desde muito se torna pe�a decisiva no combate). A vassalidade tinha o papel, n�o s� de ampliar a teia de apoio de importantes nobres guerreiros, como o de control�-los obrigando-os a manterem um v�nculo de lealdade, praticamente perp�tuo, com o seu senhor. � importante considerar tamb�m, que a vassalidade � uma institui��o que tenta suprir as necessidades org�nicas de um aparelho estatal d�bil, que se viu incapaz de administrar um dom�nio territorial consideravelmente vasto.
O v�nculo entre senhor e vassalo era definido por meio da recomenda��o, que garantia os termos das rela��es de subordina��o, seria uma esp�cie de contrato. Entretanto, verifica-se que, na segunda metade do s�culo VIII, que para quem entrava em vassalidade n�o bastava apenas recomendar-se era necess�rio, tamb�m, a realiza��o de um juramento de fidelidade (fidelitas). A fidelidade consistia, simplesmente, em uma promessa de ser fiel apoiada por um juramento mediante �os santos�, que n�o pressupunha apenas o apelo � divindade, implicava ainda o toque em uma rel�quia (res sacra). Pepino fez entrar na vassalidade condes, magistrados e outros titulares de cargos �ulicos garantindo, por meio de um princ�pio de centraliza��o de poder, a manuten��o territorial e pol�tica do seu imp�rio.
A uni�o entre o juramento de fidelidade e a recomenda��o demonstra a preocupa��o dos senhores em garantir o cumprimento das obriga��es vass�licas. Violar o juramento era considerado perj�rio, um pecado mortal. Assim, a Igreja, definitivamente, v�-se inserida nas cerim�nias do medievo, n�o s� aplicando os paradigmas da mentalidade crist� na un��o do rei, mas, tamb�m, na justifica��o e manuten��o efetiva das mais diversas rela��es sociais, sendo auxiliada pela pol�tica de expans�o do rei Pepino. O aparato do autocontrole mental crist�o, onde o freio das a��es � a consci�ncia e medo de arder eternamente no fogo do inferno, alia-se ao soberano e � disseminado pelos rituais de vassalidade entre os nobres e guerreiros. A Igreja insere sua domina��o ideol�gica nas mentes da classe dominante, ao mesmo tempo em que � inserida em rituais, anteriormente pag�os.
Na sexta feira foram de novo prestadas homenagens ao conde, as quais eram feitas por esta ordem, em express�o de fidelidade e garantia. Primeiro prestaram homenagem desta maneira: o conde perguntou [ao vassalo] se ele desejava tornar-se seu homem, sem reservas, e ele respondeu: �Quero�. Ent�o, tendo junto as m�os (3) , colocou-as entre as m�os do conde e aliaram-se por um beijo. Em segundo lugar, aquele que havia prestado homenagem jurou fidelidade ao porta-voz (4) do conde, com estas palavras: 'Comprometo-me por minha f� a ser fiel daqui por diante ao conde Guilherme e a cumprir integralmente a minha homenagem, de boa f� e sem dolo, contra todos'; e em terceiro lugar jurou o mesmo sobre as rel�quias dos santos. Finalmente com uma varinha que segurava na m�o, o conde deu investidura a todos aqueles que por este fato havia presto lealdade, homenagem e juramento (BRUGENS, 1856, p.591).
A Baviera, regi�o da Alemanha situada entre os Alpes e a Bo�mia, formou um dos mais importantes ducados constituintes do Sacro Imp�rio Romano-Germ�nico. Durante boa parte do s�culo VIII lutaram por sua independ�ncia. A solu��o dada ao lit�gio entre o conde b�varo e o rei franco foi transform�-la em regi�o semi-independente, vinculada ao Imp�rio Franco. Tal fato ocorreu apenas quando Tassilo tornou-se vassalo de Pepino III. No relato abaixo se pode observar a cerim�nia de encomenda��o respons�vel por trazer estabilidade a uma regi�o b�rbara tradicionalmente rebelde:
O rei Pepino tinha a sua corte em compendio com os francos. E a� veio Tassilo, duque dos b�varos, o qual se encomendou a vassalagem pelas m�os (5) , fazendo muitos e inumer�veis juramentos e colocando as m�os nas rel�quias dos santos. E prometeu fidelidade ao rei Pepino e aos supraditos seus filhos, os senhores Carlos e Carlomano, assim como por lei um vassalo de inten��es retas e firme lealdade deve fazer e como um vassalo deve ser para os seus senhores. Tassilo declarou sobre os corpos de S�o Dinis, S�o R�stico, Santo Eleut�rio, S�o germano e S�o Martinho que cumpriria as promessas feitas nos juramentos, todos os dias de sua vida (ANALLES , 1895, p.14) .
O Rei Pepino III vem sendo tratado pela historiografia de forma marginal, sendo citado apenas como o �pai de Carlos Magno�, por�m uma observa��o analiticamente mais aprofundada tr�s a tona um personagem central na consolida��o de diversas estruturas, fundamentais em uma melhor compreens�o do mundo medieval. Pepino utilizou-se das rela��es de vassalidade e do apoio � Igreja na tentativa de ampliar as �reas de influ�ncia franca, n�o s� estruturando a participa��o da Igreja nas rela��es sociais de defesa e produ��o, como garantindo a manuten��o do patrim�nio de S�o Pedro, ao assegurar ao papa e aos seus sucessores as terras dos reinos clericais na pen�nsula it�lica e ao tornar o d�zimo imposto obrigat�rio aos habitantes de seu reino. Dessa forma, o imp�rio de Pepino III torna-se, por meio da Igreja e das rela��es vass�licas, respons�vel pelo advento de um grande reino crist�o, que ser� estruturado efetivamente por seu filho Carlos Magno.
Notas
(1)Pepino teve esse ep�teto, n�o por um curto reinado, pois ficou no trono franco cerca de 15 anos, mas, segundo a tradi��o, devido a um torneio cavalheiresco, onde cortou com um s� golpe a cabe�a de um le�o e de um touro selvagem, pela rapidez do combate foi chamado de �o breve�.
(2) Eram auxiliares na administra��o r�gia, respons�veis pelos neg�cios de Estado e pelas guerras.
(3) O futuro vassalo colocava as m�os juntas nas m�os do futuro senhor, que fechava as suas m�os sobre o futuro vassalo. Esse gesto era indispens�vel para que houvesse a recomenda��o sendo acompanhada por uma declara��o de vontade de se firmar o v�nculo: o juramento de fidelidade.
(4)Prolocutor, em latim. Este porta-voz deveria servir de int�rprete, por o conde n�o conhecer a l�ngua flamenga.
(5) Mais uma vez as m�os est�o presentes no ritual.
Bibliografia
ANALLES regni Francorum. ed. F. Kurze, Berlim: [s.n], 1895. p.14.
ANDERSON, Perry. Passagem da Antiguidade ao Feudalismo. S�o Paulo: Brasiliense, 1987.
BRUGENS, Galbertus. Vita Karoli Comitis Flandriae. In: Monumenta Germaniae Hist�rica � Scriptores. Hannover: [s.n], 1856. p. 591. T. XII.
GANSHOE, F. L. O que � feudalismo?. [S.l.]: Publica��es Europa-Am�rica, [19-].
LE GOFF, Jacques. A Civiliza��o do Ocidente Medieval. Lisboa: Estampa, [19-].
LOYN, Henry. Dicion�rio da Idade M�dia. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.