A lepra na Europa Medieval
 

Jos� P. S. J�nior
 
�O Senhor disse a Mois�s e a Aar�o: � Quando um homem tiver um tumor, uma inflama��o ou uma mancha branca na pele de seu corpo, e esta se tornar em sua pele uma chaga de lepra, ele ser� levado � Aar�o, ao sacerdote ou a um de seus filhos. O sacerdote examinar� o mal que houver na pele do corpo: se o cabelo se tornou branco naquele lugar, e a chaga parecer mais funda que a pele, ser� uma chaga de lepra. O sacerdote verificar� o fato e declarar� impuro o homem.� �
(Lv. 13 , 1-3)


Os estudos epidemiol�gicos em rela��o � Idade M�dia concentraram-se muito acerca da Peste Negra, devido �s conseq��ncias sociais e econ�micas que causou e � repercuss�o que teve na Europa. Assim, os historiadores deixaram espa�o a serem preenchidos para o estudo de outras doen�as que tamb�m tiveram relev�ncia dentro da sociedade europ�ia no per�odo medieval. Uma dessas doen�as � a lepra, que, al�m dos danos f�sicos, causava desordens na mentalidade coletiva e submetia as suas v�timas � marginaliza��o na sociedade.


� sabido que a Mycobacterium leprae, descoberta por Hansen em 1871 � um parasita que causa danos � humanidade h� milhares de anos, afetando a pele, nervos e ossos. A forma de cont�gio ainda n�o est� totalmente esclarecida, mas o consenso entre os especialistas � que, na maioria dos casos, a transmiss�o se d� por vias respirat�rias entre uma pessoa contaminada, e n�o tratada, e outra que tenha contato constante com o enfermo. Pelos estudos paleopatol�gicos n�o foram encontrados tra�os da doen�a entre os americanos pr�-colombianos, sendo bem prov�vel que a mesma tenha sido trazida pelos colonizadores, juntamente com outras enfermidades. J� no Oriente, h� v�rios escritos chineses e indianos que fazem refer�ncias � doen�as que os historiadores acreditam ser a lepra, pois os sintomas descritos s�o similares, apesar das designa��es serem diferentes. A hansen�ase(1) tamb�m � mencionada em manuscritos mesopot�micos e no Lev�tico, quando Deus instru�ra Mois�s de como reconhecer e tratar a mol�stia leprosa, sendo necess�rio a presen�a de um sacerdote, o qual seria o respons�vel pelo diagn�stico do enfermo.


A Peste Negra mereceu aten��o dos historiadores mais do que qualquer outra doen�a devido �s conseq��ncias demogr�ficas e econ�micas, relativamente r�pida, que causou na Europa medieval. Em contrapartida, a lepra, por ter uma incuba��o lenta, matava aos poucos e ainda era uma mol�stia que incomodava aos olhos dos homens s�os. Ao mesmo tempo que a enfermidade causava exclus�o social de suas v�timas, criavam-se, em torno dela, mitos decorrentes das cr�nicas escritas na �poca, nas quais os enfermos eram colocados em posi��o que o afastava da sociedade ou, por outro lado, engrandecia algum her�i, quando este fazia o papel de bom samaritano, ajudando os gafos(2) em suas vidas horrendas e desamparadas. Muitas vezes tamb�m, as cr�nicas relatavam casos em que reis privilegiavam gafarias(3) em seus testamentos, deixando bens que eram destinados ao tratamento de enfermos.


Um dos aspectos mais interessantes na an�lise dos escritos medievais pertinentes � lepra � que enquanto por um lado o leproso era colocado � margem da sociedade, devido ao medo que causava, por outro lado o contato de uma pessoa s� com um gafo a transformava, tanto nas cr�nicas como na mentalidade coletiva, em her�i, devido � sua grande demonstra��o de virtude.(4) Essa epidemia ideol�gica se estendia at� na rela��o que era feita entre a lepra e o judeu, pois ambos simbolizavam uma amea�a � comunidade cat�lica, sendo que muitas vezes a primeira era considerada a c�lera divina, enquanto o segundo, o causador.


Em Portugal, o desenvolvimento da lepra n�o fugiu � regra do restante da Europa, visto que existem fontes escritas sobre o assunto nos arquivos portugueses e que est�o sendo analisadas por estudiosos que j� publicaram algumas obras iniciais sobre a hansen�ase em Portugal, no per�odo medieval.


Como em outras regi�es europ�ias, a pessoa que contra�sse a doen�a, era afastada da sociedade e encaminhada �s gafarias, que n�o tinham car�ter hospitalar, pois era desconhecido qualquer tratamento eficaz que curasse o enfermo. Ao ser encaminhado �s gafarias, o doente entregava parte de seus bens a estes estabelecimentos, quando possu�a fam�lia ou, caso contr�rio, confiscavam-lhe tudo que possu�sse. Esse aspecto fazia da posse de gafarias um grande neg�cio para quem as possu�a. E al�m dos bens dos leprosos, as gafarias constantemente recebiam doa��es de nobres em seus testamentos, pois afinal eram �institui��es filantr�picas�.


Os lepros�rios, pela complexidade que foram ganhando, sentiram a necessidade de melhores mecanismos que administrassem adequadamente os estabelecimentos. Da�, na maioria deles, foram criados estatutos que regulamentavam a vida dos internos e dos funcion�rios. Nesses regulamentos estavam previstas puni��es (geralmente priva��o de ra��o, no caso dos internos) a quem as desrespeitassem. Tamb�m era punido aquele que simulasse a enfermidade, para que fosse acolhido pelos estabelecimentos, pois sabia que neles n�o lhe faltaria nem alimento nem abrigo, ou seja, tudo que os miser�veis careciam na sociedade em que viviam.


Os estudos da lepra em Portugal s�o de suma import�ncia para o Brasil, pelo fato do pa�s ter herdado dos colonizadores, n�o apenas o idioma e boa parte da cultura, como tamb�m a hansen�ase e v�rias outras doen�as. E, ainda, pelo fato do Brasil ser hoje o segundo maior pa�s end�mico de casos em todo o mundo, atr�s apenas da �ndia(5).



Notas

(1) Hansen�ase: nome dado � lepra em homenagem a Hansen, descobridor do parasita causador da mol�stia.

(2) Gafos: enfermos.

(3) Gafarias: estabelecimentos para onde os leprosos eram encaminhados ao se constatar a enfermidade.

(4) Citado por Ivone Marques Dias em �Alguns Aspectos Sobre a Lepra em Portugal.�. RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. A Vida na Idade M�dia. Bras�lia: UnB, 1997.

(5) Indicadores de Dados B�sicos � Brasil/1998 retirado da p�gina do Minist�rio da Sa�de. Dispon�vel em: http://www.saude.gov.br.





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