Base legal da persegui��o dos imperadores romanos aos crist�os
 

Jos� Geraldo Vidigal de Carvalho
 
P�gina �pica da Hist�ria da Igreja foi o mart�rio dos primeiros crist�os que corajosamente testemunhavam com seu sangue a fidelidade a Cristo.


Aspecto moderno no estudo das persegui��es movidas pelo Imp�rio romano � Igreja � o estudo cient�fico sobre a base legal da atitude dos imperadores contra os disc�pulos de Cristo.


O Estado romano era um Estado de direito, profundamente jur�dico. O Imperador n�o podia agir a n�o ser sob o amparo da lei. A quest�o � justamente esta: que lei facultava ao chefe romano mover o exterm�nio de quem se dizia seguidor do Evangelho?


� certo que havia um fato novo. At� reinava paz religiosa no Imp�rio, no qual proliferavam todos os cultos dos povos vencidos. Os judeus cultuavam Jav�. Os eg�pcios e demais povos orientais possu�am as mais opostas divindades. N�o havia, pois, lei que proibisse o culto de outro deus diferente dos muitos deuses romanos. Como se expressou Boissier, �Roma foi muito tolerante com todos os cultos estrangeiros e deu ampla hospitalidade a todos os deuses do mundo�.(1) � que ao Imp�rio romano interessava o dom�nio pol�tico, o poder sobre as regi�es e n�o lhe importava que algu�m adorasse Serapis ou Mitra, contando que estivesse sob o jugo do Imperador. Assim seu pante�o crescia a cada conquista. Ov�dio afirmou que Roma era lugar digno para todos os deuses: Dignus Roma locus quo deus omnis eat.


Eis que surge o cristianismo. Era uma religi�o exclusivista, pois os crist�os diziam que sua religi�o era a �nica verdadeira e, por princ�pio, n�o aceitavam os deuses e o culto do imp�rio. � claro que logo se formou um ambiente hostil a eles, antipatizados por defenderem, por entre multid�o t�o grande de falsos �dolos, a Verdade. O problema foi bem diagnosticado por Boissier: �a grande originalidade do cristianismo � a de apresentar-se a todas as na��es, de n�o se dirigir a um s� pa�s, sen�o � humanidade inteira. Ao por o reino de Deus fora dos reinos da terra, o cristianismo distinguir a religi�o da nacionalidade que as rep�blicas antigas haviam at� ent�o confundido�.(2)


Em virtude, por�m, de que princ�pio puderam os Imperadores agir contra o cristianismo nascente?


O eminente investigador Le Blant(3) exp�s a seguinte opini�o: aplicavam-se leis penais antigas. Estas leis condenavam a magia e � de se supor que houvesse preconceito contra a nova religi�o, julgando-se que seus sequazes se entregavam a sortil�gio. Havia tamb�m uma lei contra o sacril�gio e como os crist�os se negavam a oferecer v�timas aos deuses eram ent�o julgados como ateus, anti-religiosos. Outra era a lei de lesa majestade contra a p�tria. Ora os crist�os n�o admitiam o culto ao Imperador, considerado o s�mbolo do Estado. Al�m disto, consta que o povo culpava os crist�os por tais crimes.


Entretanto, estudos recentemente revelam que nos processos nunca aparecem tais acusa��es.


Mommsen,(4) grande cultor do direito romano, deu outra solu��o ao problema. Na maioria dos casos, diz ele, o Imperador apelava para o direito de repress�o ou poderes extraordin�rios que possu�am os magistrados romanos. Estes, realmente, possu�am um poder absoluto de vida e de morte nos casos em que julgavam em perigo a ordem p�blica. A grande obje��o que se faz a esta assertiva � que os magistrados romanos colocavam os crist�os na alternativa de apostar para serem absolvidos ou de perseverar na confiss�o da f� e serem punidos. Portanto, se fossem julgados realmente criminosos e perigosos para a ordem p�blica n�o se concebe que apenas com a apostasia fossem absolvidos.


A teoria hoje mais aceita, sobretudo dos estudos acurados de Callewaert, � que o Imperador sancionava uma lei especial para combater os crist�os. O elemento essencial desta lei de exce��o pode ser assim exarado: � proibido ser crist�o ou o cristianismo fica proibido. Assim s� o fato de ser crist�o, nome de Crist�o era castigado por esta lei. Daniel Ruiz Bueno observa que a coincid�ncia verbal dos escritores ao falarem sobra a iliceidade da religi�o crist� � como �eco daquela terr�vel e lac�nica lei que por sua mesma dureza e laconismo se gravou indelevelmente na mem�ria: ut christiani nin sint..(5) Nas atas dos m�rtires se acusa os crist�os precisamente de o serem, e a senten�a contra eles � unicamente por este fato.(6)
Eis a� um cap�tulo moderno da Hist�ria da Igreja.


O certo � que houve quatro terr�veis per�odos de persegui��es com caracter�sticas diferentes e todas as gera��es at� o s�culo 4o viveram sob o signo das mesmas e os crist�os deviam estar preparados para o mart�rio. Hoje n�o se fala mais em dez persegui��es como o fez Santo Agostinho por analogia com as dez pragas do Egito, pois houve imperadores como Trajano e Marco Aur�lio que n�o merecem a pecha de desumanos. N�o obstante, as atrocidades foram da parte dos outros imperadores da mais refinada crueldade. Bueno(7) cita Leclerq que fez uma estat�stica das persegui��es entre os anos 64 e 313, isto � um per�odo de 249 anos e chegou a este resultado:


S�culo I: 6 anos de persegui��o e 28 de toler�ncia.
S�culo II: 86 anos de persegui��o e 14 de toler�ncia.
S�culo III: 24 anos de persegui��o e 76 de toler�ncia.
S�culo IV: 13 anos de persegui��o.
A Igreja conheceu assim 129 anos de persegui��o e gozou de 120 de tranq�ilidade at� o Edito de Mil�o.


Notas

(1) G. Boissier, Le fin du paganisme, II. p.358.

(2) Idem, ibidem, I. p.48.

(3) E. Le Blant, Sur les bases juridiques des poirsuites dirig�es contre les matyres. Paris, Comptes rendus de l�Academie des Insc., 1866. p.358-377.

(4) Diversos, Hist�ria de la Iglesia Cat�lica, Tomo I, Madrid, BAC, MCMLXIV. p.165.

(5) Daniel Ruiz Bueno, Actas de los Marires, Madrid, BAC, MCMLXII. p.86.

(6) Ali�s, Tertuliano em sua Apologia argumenta contra o rescrito de Trajano: �somos atormentados ao confessar nossa f�, somos castigados se perseveramos, porque se combate pelo nome crist�o�. cf Conradus Kirch S.J., Enchiridion Fontium Historicae Ecclesiasticae Antiquae, Barcelona, Editora Herder, 1947. p.101.

(7) Daniel Ruiz Bueno, op. cit. p.101.





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