Atualizado em 25 de mar�o de 2004
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Livros

Livro: Um vision�rio na corte de D. Jo�o V: revolta e milenarismo nas Minas Gerais
Autor(es): Adriana Romeiro
Editora: UFMG
Ano: 2001
Nº de páginas: 290



Em de 21 de junho de 1744, um domingo de sol abrasador, Pedro de Rates Henequim, depois de tr�s anos de c�rcere, desfilou em prociss�o num concorrido auto-da-f� pelas ruas de Lisboa e, como � �ltima hora havia se retratado de suas cren�as her�ticas, foi garroteado, seu corpo queimado e suas cinzas lan�adas no rio Tejo. Durante os vinte anos em que viveu nas Minas Gerais, �descobrira� que o Para�so Terrestre estava localizado na Am�rica portuguesa e que essa vasta regi�o seria o palco do reino milenarista que ent�o se aproximava.


Impregnado por cren�as cabalistas, foi perseguido pela for�a repressora do regime do rei D. Jo�o V e, depois, pela Inquisi��o de Lisboa, j� que se enredara numa conspira��o destinada a aclamar o infante D. Manuel imperador da Am�rica Meridional. � esta trama, em que heresiarca e conspirador se confundem, que este belo livro procura desvendar, reconstituindo a aventura de um homem que teria amea�ado a parte mais rica do imp�rio colonial portugu�s. Com este trabalho, Adriana Romeiro, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, obteve o t�tulo de doutora em Hist�ria pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


A figura de Henequim tem atra�do a aten��o de jovens pesquisadores brasileiros. Tanto que, em 1994, Pl�nio Freire Gomes, que atualmente aguarda o momento de defender sua tese de doutoramento em Floren�a, na It�lia, esmiu�ou com brilhantismo a vida desse personagem singular na Hist�ria de Portugal e do Brasil numa disserta��o de mestrado que defendeu em 1994 na Universidade de S�o Paulo. Nessa disserta��o, que virou o livro "Um herege vai ao para�so: o Brasil e a cosmologia de um ex-colono condenado pela Inquisi��o � 1680-1744", Freire Gomes fascinou-se pelos valores heterodoxos e pela complicad�ssima vis�o de mundo de Henequim.


J� Adriana Romeiro sentiu-se mais atra�da pela mensagem pol�tica do personagem no contexto da crise do Antigo Regime. Henequim, por�m, parece um personagem hist�rico inesgot�vel porque, como os pr�prios historiadores admitem, ainda h� muito coelho a se tirar dessa cartola. At� porque, por falta de documentos, Adriana Romeiro n�o escreveu uma biografia. A sua exaustiva pesquisa � realizada n�o s� em arquivos brasileiros e portugueses � permitiu-lhe fazer de Henequim um guia por uma longa incurs�o no universo pol�tico e cultural do Setecentos, levando-a perscrutar as esperan�as da comunidade judaica de Amsterdam, os sobressaltos da Lisboa joanina ou o clima explosivo das Minas Gerais.


Ao longo do caminho, a historiadora teve de topar tamb�m com quest�es te�ricas e metodol�gicas dif�ceis, al�m de deslindar temas espinhosos que eram centrais na sociedade do Antigo Regime, como a honra e a recompensa. No que respeita � conspira��o urdida contra D. Jo�o V, os resultados, reconhece a pesquisadora, foram escassos e insuficientes.


Mas permitem que se admita que houve uma conspira��o � fracassada, modesta e insana, ainda assim, uma conspira��o, como observa a autora, reconhecendo que, muitas vezes, diante das parcas e m�seras evid�ncias que levantara, indagou-se se aquele punhado de informa��es poderia render afinal uma tese de doutorado. Rendeu, sim. E muito mais: um brilhante e instigante ensaio de hist�ria social das Minas Gerais e da Lisboa da primeira metade do s�culo XVIII. Mais importante: impediu que Henequim voltasse ao limbo da Hist�ria, depois de dois s�culos e meio de sil�ncio sepulcral.


O livro abre com a pris�o de Henequim �s onze horas da noite de 21 de novembro de 1740, ao Rato, quando o desembargador Joaquim Rodrigues Santa Marta Soares se preparava para cumprir a miss�o que lhe passara D. Jo�o V, o Magn�nimo, de prender aquele homem que andava �bastante tempo convidando ao senhor Infante D.Manuel passasse ao Brasil, onde o faria aclamar imperador; e provava que nele se havia de ver o 5� Imp�rio de que fala a Escritura�. Era o fim de um aventureiro que, em Minas Gerais, minerou, leu as Escrituras, conversou com s�bios na mat�ria, sonhou com o Quinto Imp�rio e imaginou o para�so em terras bras�licas.


Antes de cair em desgra�a, Henequim desempenhou as fun��es da Superintend�ncia do rio das Velhas, fazendo apreens�es e confiscos de ouro e mercadorias entradas ilegalmente nas Minas. Compartilhou tamb�m a experi�ncia de uma grande parte da popula��o mineira de origem do Norte de Portugal, testemunhou as desaven�as entre rein�is e paulistas que resultaram na Guerra dos Emboabas e perdeu o cargo no governo. No fim, acumulara vasto cabedal.


Nos pap�is da Inquisi��o, que guarda praticamente o que se sabe de Henequim, v�-se que alegou ter sido descobridor de minas de ouro e diamantes, sentiu-se injusti�ado pela Coroa portuguesa que se negava a reconhec�-lo e condecor�-lo, passando assim a conspirar at� chegar ao extremo de oferecer seus servi�os � Coroa espanhola. Concebeu o plano de coroar o infante D. Manuel, conhecido por sua insatisfa��o, como imperador da Am�rica Meridional, separando assim os brasis de Portugal para �levantar o Quinto Imp�rio�, de que falava o padre Ant�nio Vieira, um de seus inspiradores.


O segredo com que foi preso, naquela noite ao Rato, justificava-se porque Henequim representava algo novo no Antigo Regime: um s�dito que colocava em causa os princ�pios ideol�gicos que legitimavam e justificavam o empreendimento colonial. Por isso, como deduz a historiadora, o seu processo transformou o seu delito contra o Estado em delito religioso, talvez na esperan�a de apagar os vest�gios e soterrar para sempre a experi�ncia de algu�m que tivera a extrema ousadia de conspirar contra o rei.



Adelto Gon�alves


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