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Livro: |
O rei no espelho: a monarquia portuguesa e a coloniza��o da Am�rica (1640-1720) |
Autor(es): |
Rodrigo Bentes Monteiro |
Editora: |
Hucitec, Fapesp e Instituto Cam�es |
Ano: |
2002 |
Nº de páginas: |
345 |
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A dom Jo�o V, que teve um dos mais longos reinados da Hist�ria (1706-1750), acusa-se de ter passado o tempo a mirar-se na exuber�ncia dos pal�cios, conventos e igrejas constru�dos � sua �poca com o ouro e diamantes que vinham das Minas, esquecendo-se de preparar o Reino para o futuro, com a abertura de estradas e caminhos, como faziam outros monarcas europeus seus contempor�neos. Talvez imaginasse que as minas fossem eternas como os diamantes.
H� quem diga tamb�m, como Jos� Hermano Saraiva, que dom Jo�o V nunca conseguiu impor uma m�quina administrativa e que passou muitos apertos financeiros porque, apesar dos enormes recursos da Coroa, o dinheiro escorria por "ralos" antes de chegar ao cofre real. Havia, por�m, um outro espelho em que o monarca se mirava com freq��ncia: a Am�rica portuguesa. � deste olhar do monarca em dire��o aos colonos que trata este livro, "O Rei no Espelho: a Monarquia Portuguesa e a Coloniza��o da Am�rica (1640-1720)", de Rodrigo Bentes Monteiro, originalmente uma tese de doutorado que o autor defendeu em 1999 junto ao programa de Hist�ria Social da Universidade de S�o Paulo.
Sempre foram conflituosas as rela��es da monarquia com os seus colonos, que, t�o distantes, n�o poucas vezes alimentaram cavilosamente o anseio de romper com o Reino. A historiografia oficial, por�m, sempre se preocupou em mascarar esses conflitos. Nem poderia ser diferente, levando-se em conta os tempos. Um epis�dio de duvidosa veracidade escrito por escribas oficiais que Bentes Monteiro recupera neste livro � o da aclama��o em S�o Paulo, em abril de 1641, de Amador Bueno da Ribeira, "o homem que n�o quis ser rei", epis�dio outrora t�o exaltado como exemplo de lealdade � dinastia dos Bragan�as, mas que tem sido negligenciado em estudos mais recentes.
Mesmo sem documenta��o suficiente, o autor recupera o epis�dio para contestar uma das muitas farsas montadas em s�culo posterior, principalmente por Frei Gaspar da Madre de Deus (1715-1800), em suas "Mem�rias para a Hist�ria da Capitania de S�o Vicente", e seu primo Pedro Taques (1714-1777), autor de "Nobiliarquia Paulistana", que colocaram aquela hist�ria a andar, sem que at� hoje tenha sido devidamente vasculhada.
Frei Gaspar dizia que a recusa de Amador Bueno da Ribeira de liderar uma revolta contra Lisboa havia sido um duro golpe para os espanh�is que se achavam estabelecidos e casados na vila de S�o Paulo, vindos da Europa e das �ndias Ocidentais. Eles desejariam conservar as povoa��es das chamadas "capitanias de baixo" na obedi�ncia a Castela e, "n�o se atrevendo a manifestar seu intento, por conhecerem que seriam v�timas sacrificadas � c�lera dos paulistas, [...] resolveram entre si usar de artif�cio". Teriam, portanto, tentado atrair Amador Bueno para uma conjura, encontrando por parte do paulista forte repulsa.
At� aqui as pe�as se encaixam. Bem pouco cr�vel, por�m, � que um paulista tivesse qualquer sentimento de lealdade aos Bragan�as numa �poca em que o poder mon�rquico portugu�s era muito fraco, com s�rios problemas a resolver numa guerra contra a Espanha. Ora, se o suposto ato de Amador Bueno da Ribeira deu-se a abril de 1641, haviam-se transcorrido apenas quatro meses desde que em dezembro de 1640 Portugal fizera a restaura��o.
A essa �poca, a nova dinastia r�gia ainda batalhava em cen�rio europeu e mundial para se afirmar, lutando pela sua pr�pria sobreviv�ncia pol�tica. Pensando assim, � bem prov�vel que essa tradi��o paulista tenha sido inventada, como tantas outras na Hist�ria, n�o j� tivesse o historiador Charles R. Boxer afirmado em "Salvador de S� e a luta pelo Brasil e Angola(1602-1686)", de 1952, que os brasileiros haviam vertido muita tinta num epis�dio de pouca import�ncia.
Bentes Monteiro mostra que a aclama��o de Amador Bueno e a do Prior do Crato, quase contempor�neas, tinham pontos em comum: "Nos dois casos, ante circunst�ncia adversa, escolhia-se algu�m mais afinado com os interesses locais". Se Amador Bueno n�o quis empalmar o poder na capitania de S�o Paulo, com certeza, o foi por outros motivos que a alegada lealdade aos Bragan�as, embora dom Pedro I (o IV de Portugal), em 1823, com os la�os entre Brasil e Portugal j� rompidos, tenha citado em sua primeira fala do trono o "fidel�ssimo e nunca assaz louvado Amador Bueno da Ribeira".
N�o foi s� para contestar uma hist�ria sem p� nem cabe�a ainda contada em livros did�ticos de Hist�ria no Brasil com foros de verdade que o autor escreveu esta tese. Em "O Rei no Espelho", Bentes Monteiro, de 37 anos, da nova gera��o de historiadores brasileiros que nasceram sob a orienta��o da professora Laura de Mello e Souza, da Universidade de S�o Paulo, os chamados "filhos de Laura", apresenta uma vis�o interpretativa da Am�rica portuguesa, tratando de reconstruir as rela��es de poder tal como elas eram concebidas no Antigo Regime, sem se apegar �s motiva��es econ�micas, pol�ticas e morais pr�prias da racionalidade de nossa �poca, como observa na apresenta��o o professor Pedro Cardim, da Universidade Nova de Lisboa.
Adelto Gon�alves
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