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Livro: |
A manilha e o libambo: a �frica e a escravid�o, de 1500 a 1700 |
Autor(es): |
Alberto da Costa e Silva |
Editora: |
Nova Fronteira |
Ano: |
2002 |
Nº de páginas: |
1072 |
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Manilha � uma bra�adeira ou tornozeleira, geralmente de cobre ou ferro, prata e ouro, que era utilizada como moeda na �frica antes da chegada dos europeus e que foi copiada pelos colonizadores. J� libambo significa uma corrente que era atada ao pesco�o dos negros cativos, geralmente utilizada nos deslocamentos, e n�o raro tamb�m unida �s m�os j� atadas.
Com a manilha e o libambo, Alberto da Costa e Silva criou uma met�fora para explicar num extenso ensaio o que foi a �frica colonial: a escravid�o sustentando o desenvolvimento de uma economia que, descoberta e explorada pelos europeus, expandiu-se e serviu para acelerar o crescimento de outras regi�es do mundo, especialmente do Brasil, cuja hist�ria � insepar�vel da hist�ria africana.
Com este volume de "A manilha e o libambo: a �frica e a escravid�o, de 1500 a 1700", de mais de mil p�ginas, Costa e Silva, autor de "A enxada e a lan�a: a �frica antes dos portugueses" (1992) e de "As rela��es entre o Brasil e a �frica Negra, de 1822 � I Guerra Mundial" (1996), retoma um tema que o consagrou como historiador e african�logo.
De in�cio, vira do avesso um argumento de Karl Jacoby - repetido mais recentemente por David Brion Davis - de que a domestica��o de ovelhas, cabras, porcos, bois, cavalos e outros animais, durante o Neol�tico, teria servido de modelo para a escravid�o de seres humanos. E prop�e o inverso: que a experi�ncia de escravizar homens tenha sido aplicada na domestica��o dos animais, sem recusar que os dois processos, em algumas culturas, tenham andado de m�os dadas. Para o autor, � mais prov�vel que o homem tenha colocado a corda no pesco�o de outro homem e o fez trabalhar para si muito antes de colocar um animal a seu servi�o, exceto talvez o c�o.
Desde as ra�zes no Egito fara�nico, passando pela Gr�cia antiga e alastrando-se com a expans�o do Isl�, que carecia de m�o-de-obra e via na pr�tica uma maneira leg�tima de expiar a culpa dos �mpios, a escravid�o � analisada por Costa e Silva como um fen�meno econ�mico que, posteriormente, derivou em a��es de discrimina��o racial. Na sua longa e bem fundamentada pesquisa, ele deixa isso claro recorrendo a relatos de divis�es negras dos ex�rcitos, aos manuais de avalia��o de temperamento dos cativos e mesmo �s diferen�as na emascula��o de soldados: os eunucos brancos tinham apenas o saco escrotal extirpado, enquanto os negros eram decepados rente ao abd�men.
Costa e Silva explica que os que defendem a tese de que o com�rcio de escravos � dist�ncia foi respons�vel pelas transforma��es que sofreu na �frica a escravid�o lembram que o escravismo em grande escala se verificou sobretudo em sociedades ligadas ao tr�fico transaariano e, mais tarde, ao transatl�ntico. Ou a ambos. E apresentam exemplos de povos que sequer conheciam a escravatura, mas acabaram por adot�-la, por press�o externa, como os diolas da Casamansa, que s� se fizeram senhores de escravos no decorrer do s�culo XIX.
Para Costa e Silva, � poss�vel argumentar que o desenvolvimento da escravid�o na Eti�pia e na N�bia tenha tido por est�mulo as transa��es com seres humanos - mulheres, rapazolas e eunucos - que, desde tempos imemoriais, se faziam pelo mar Vermelho e a descer o Nilo. Mas, retruca, � poss�vel tamb�m sustentar que foi em Axum e na N�bia que a Ar�bia recolheu incentivos para ampliar o uso de escravos.
Fosse como fosse, o certo � que, na �frica de terras extensas e dotada de instrumentos de trabalho muito rudimentares, era mais rico quem conseguisse multiplicar o n�mero de homens e mulheres sob suas ordens. Era a posse do trabalho de outrem que garantia a expans�o das riquezas. E era mais poderoso quem tivesse sob suas ordens grande quantidade de homens e armas.
Foi essa situa��o que os europeus encontraram na �frica. N�o inventaram o com�rcio de escravos, mas s� se aproveitaram de um estado de coisas que vinha de tempos remotos. Como explica o autor, os escravos eram disputados por pelo menos tr�s grandes mercados: o local, o inter-regional e o oce�nico, fosse atl�ntico ou �ndico, neste se incluindo o mar Vermelho.
Por quase toda a parte, os europeus e seus prepostos tinham de apresentar-se com as melhores condi��es de compra do que as vigentes nas feiras vizinhas e do que as oferecidas pelos mercadores mu�ulmanos. Tantos eles quanto os islamitas tinham de propor aos r�gulos, chefes e homens fortes da terra compensa��es suficientemente atrativas para convenc�-los a se desfazerem de um bem pelo qual se media a riqueza e o poder.
Segundo as pesquisas de Costa e Silva, nos s�culos XVI e XVII, a maior parte dos cativos produzidos pelas guerras, pelas razias, pelos seq�estros e pelas senten�as penais n�o era vendida �s c�filas nem �s caravelas, mas ficava mesmo como escravo na �frica. Os chefes n�o se alienavam sen�o de uma fra��o, embora grande, conservando os que se tinham por melhores ou mais adapt�veis. Entre guardar jovens adultos ou crian�as, estas eram preferidas porque mais f�ceis de se incorporarem � comunidade. Preferia-se vender um homem a uma mulher, porque esta, al�m de gerar mais gente para o grupo, podia ser mais produtiva como agricultora, oleira ou tecel�.
Ler este livro de Costa e Silva � desfazer um sem n�mero de mitos e preconceitos em rela��o � escravid�o. � saber, por exemplo, que, embora importante para as elites de algumas comunidades, o com�rcio de gente n�o representava mais do que uma parcela �nfima das economias africanas. E que o africano, sempre que p�de, impediu que os europeus chegassem �s fontes de suas riquezas - �s minas de ouro e de cobre, por exemplo - ou controlassem um pouco que fosse das produ��es da terra.
Com as exce��es em Angola, no Cabo da Boa Esperan�a e em Mo�ambique, ele n�o permitiu que, descidos em terra, os brancos fechassem espa�os para suas planta��es ou sa�ssem a pastorear gado. At� mesmo num enclave como o de Luanda, com os estabelecimentos que dela dependiam, diz o autor, seria necess�rio distinguir entre o poder nominal portugu�s e a hegemonia real africana. Eram os africanos que controlavam as feiras no interior e a circula��o das mulheres, que comandavam os rios e os caminhos do sert�o e que regulavam os pre�os e o com�rcio. Eram as suas moedas que movimentavam as trocas, e n�o as de Portugal, que quase sempre tiveram de ser impostas � for�a.
A prosa rica e o estilo conciso e elegante deste livro, em meio a cita��es em abund�ncia, t�m uma raz�o: Alberto da Costa e Silva � tamb�m um fino poeta, um artes�o do verso. Servem de complemento para uma obra atual�ssima que, desde j�, merece lugar cativo nas estantes dos historiadores da escravid�o. Embaixador do Brasil em Portugal de 1986 a 1990, na Rep�blica de Benim e na Nig�ria, o autor serviu na �frica em v�rias oportunidades, o que, a par da sabedoria livresca, lhe deu o conhecimento da terra e dos costumes de um continente t�o m�ltiplo. Tudo isso nos permite consider�-lo, hoje, sem d�vida, o maior african�logo da L�ngua Portuguesa, embora afirma��es categ�ricas n�o sejam caminhos de convic��o mas de pol�mica. Deste seu antol�gico e exemplar livro, por�m, para se repetir o que Agostinho da Silva disse da obra anterior, pode-se afirmar que � a continua��o da �b�blia da terra�.
Adelto Gon�alves
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