Atualizado em 14 de maio de 2004
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Ensaios e Artigos

A pesquisa na Universidade brasileira: desafios e perspectivas *


Pedro Paulo A. Funari

A Universidade n�o pode ser concebida sem a pesquisa, elemento essencial para a sua pr�pria defini��o. �Pesquisa� � uma palavra que se liga � no��o de �busca aprofundada� mas, busca de qu�? Naturalmente, do conhecimento, da ci�ncia que permite compreender o universo, scientia vinces, �com o conhecimento se vence a ignor�ncia�, como no lema da Universidade de S�o Paulo. Pesquisa � a quintess�ncia da Universidade e, como bem lembrava Marilena Chau�, ela �, por defini��o, cr�tica: �por pesquisa entendemos a investiga��o de algo que nos lan�a na interroga��o, que nos pede reflex�o, cr�tica, enfrentamento com o institu�do, descoberta, inven��o e cria��o, o trabalho do pensamento e da linguagem para pensar e dizer o que ainda n�o foi pensado nem dito�. Deve concordar-se com Milton Santos que o dever de of�cio da Universidade � a cr�tica, ess�ncia da busca empreendida pela pesquisa acad�mica. Nem toda produ��o intelectual � resultado de pesquisa nem, por isso mesmo, possui um car�ter cr�tico. Pode produzir-se um discurso acad�mico que apenas confirme o senso comum, transcrevendo as id�ias correntes em forma de defini��es cient�ficas. Tanto maior ser� a possibilidade de aceita��o desse discurso quanto mais ele se ativer aos rigores formais da ci�ncia. J� a verdadeira pesquisa, aquela que rompe com a falsa obviedade e com a aparente neutralidade do senso comum acad�mico sempre corre o risco de parecer o resultado de um ato arbitr�rio e ser acusado, at� mesmo, de manipular os dados para que justifiquem uma posi��o pr�via, ideologicamente fundamentada. Na Hist�ria da Ci�ncia os exemplos s�o muitos, de Cop�rnico a Galileu, cujas pesquisas contradiziam o senso comum acad�mico de sua �poca. Em nossa �poca, talvez o mais c�lebre exemplo esteja, ao contr�rio, nos louros conferidos ao bi�logo Trofim Lyssenko por dar foros de cientificidade �s id�ias dominantes na Uni�o Sovi�tica � �poca de Stalin. A verdadeira pesquisa, assim, aquela que deve definir a Universidade e que nos deve preocupar, como cientistas e cidad�os, em geral, � a busca aprofundada e cr�tica do conhecimento.


Por seu car�ter cr�tico, a pesquisa implica em abnega��o. Estamos acostumados a reconhecer no pesquisador um homem de posses modestas, cujos sal�rios s�o, na melhor das hip�teses, moderados. Isto � verdade tanto no Brasil como no mundo, em geral, pois os pesquisadores universit�rios em toda parte s�o pouco remunerados. Um pesquisador brit�nico, cujo sal�rio anual gira em torno de dezessete mil libras, ganha por m�s uns R$ 4.500,00, pouco mais do que um empregado manual. No Brasil, tampouco se ganha dinheiro pesquisando. Um professor de escolas m�dias privadas pode ganhar de tr�s a quatro vezes mais do que um pesquisador. Al�m disso, se a verdadeira pesquisa � cr�tica, ela n�o ser�, necessariamente, bem recebida, nem oportunidades s�o muito freq�entes de ofertas de boas remunera��es, com a not�vel exce��o da pesquisa aplicada. No geral, contudo, continua v�lida a observa��o do soci�logo alem�o Max Weber de que a pesquisa exige paix�o intensa, sincera e profunda. Isto n�o apenas pela remunera��o como, principalmente, pela dedica��o que ela exige e que s� se torna poss�vel com a paix�o. Como estaria, neste caso, o Brasil no quadro internacional? Segundo um estudo recente, na Universidade o interesse priorit�rio pela pesquisa cient�fica concerne 39% dos docentes, mais do que nos Estados Unidos (37%), M�xico (35%) ou o Chile (33%), mas bem menos do que no Jap�o (72%), Alemanha (66%) ou Israel (62%). Outro indicador relevante para determinar o grau de dedica��o � pesquisa refere-se � percentagem de professores universit�rios que consideram importante a disciplina cient�fica a que se dedica. Neste caso, os brasileiros destacam-se, pois 95% consideram-na muito importante, em primeiro lugar em um total de 13 pa�ses investigados, enquanto na Alemanha (62%), no Jap�o (69%) e nos Estados Unidos (77%) essa identifica��o dos investigadores com sua ci�ncia � bem menos marcada. O contraste entre os dados referentes ao interesse pela pesquisa e a import�ncia atribu�da � ci�ncia demonstra, no que se refere ao Brasil, que deve haver motivos muito concretos que fazem com que 95% de docentes se interessem por sua ci�ncia, mas apenas 39% d�em prioridade � pesquisa.


Uma explica��o deve encontrar-se na precariedade das condi��es de apoio � pesquisa. As condi��es materiais s�o, muitas vezes, insatisfat�rias e prec�rias, as bibliotecas e os laborat�rios pouco equipados, os gabinetes de trabalho, quando existentes, desaparelhados e infensos ao trabalho intelectual. Nas institui��es privadas, raramente se paga pela pesquisa e, nas p�blicas, remunera-se o docente mas, freq�entemente, n�o h� infra-estrutura para permitir sua execu��o minimamente adequada. As autoridades sempre ressaltam que o pa�s � pobre e, por isso, n�o se poderia dispensar verbas substanciais para pesquisa. Contudo, outros pa�ses aplicam em pesquisa, percentualmente, muito mais do que o Brasil. Talvez ainda mais importante, seja a pr�pria concep��o de que a precariedade � natural que deva ser questionada. Afinal, para que serve um pesquisador, sem condi��es de pesquisar? Em outros termos, haveria que dar condi��es m�nimas para que os docentes pudessem pesquisar. Em termos institucionais, as funda��es estaduais de amparo � pesquisa t�m tido um papel de destaque, tendo � frente a FAPESP, no sentido de financiar a investiga��o acad�mica a partir de crit�rios de m�rito e com fundos ingentes. No entanto, na maioria dos Estados da federa��o isso n�o ocorre, seja pela debilidade da economia local, seja, principalmente, pela n�o libera��o dos recursos or�ament�rios que deveriam ser destinados � Funda��o Estadual. Os �rg�os federais, por sua parte, nem sempre se guiam por crit�rios cient�ficos nas concess�es e possuem, ainda, pol�ticas muito t�midas naquilo que deveria ser sua principal miss�o: a diminui��o das diferen�as entre as unidades da Federa��o. A voca��o das institui��es federais est� em programas como os Mestrados Interinstitucionais, que visam a titula��o e est�mulo � pesquisa nas universidade perif�ricas. Em 1997, 55% das bolsas de p�s-gradua��o do CNPq n�o resultaram em defesas de teses, pois o controle das bolsas n�o se dava com a necess�ria proximidade e rigor. Esse desperd�cio de recursos p�e em risco a pr�pria dedica��o � pesquisa e a solu��o, como tudo que se refere � pesquisa, est� em tornar priorit�rio o julgamento de m�rito. Fundamento da dedica��o � a certeza de que h� igualdade de oportunidades e de condi��es, como lembra Chau�, algo que n�o ocorre hoje.


Para que isto ocorra, al�m de Funda��es Estaduais fortes, aut�nomas e baseadas em crit�rios de m�rito, de Institui��es federais que, al�m disso, se voltem para a diminui��o das desigualdades regionais, h� que incrementar os fundos de apoio � pesquisa em cada Universidade. Este apoio n�o se restringe � infra-estrutura, t�o prec�ria em toda parte, nem aos projetos espec�ficos, mas deve abranger o universo dos jovens pesquisadores em forma��o. Embora as pesquisas de Inicia��o Cient�fica, Mestrado e Doutorado tenham aumentado de forma espetacular, em todo o Brasil, ainda haveria que expandir muito a forma��o de pesquisadores. A maior universidade do pa�s, a Universidade de S�o Paulo, teve 1.276 teses de doutoramento defendidas em 1997, com um total de 8.990 doutorandos, no mesmo ano. N�o s�o n�meros pequenos, mas seria poss�vel expandir muito, se considerarmos que havia 3,9 graduandos por doutorando, enquanto na UNICAMP, por exemplo, havia 2.,6 graduandos por doutorando; na UNESP havia 7,6 graduandos por doutorando. Se este � o quadro nas universidades que mais pesquisam no pa�s, pode-se supor que alhures a situa��o seja menos favor�vel.


Os jovens pesquisadores necessitam de bolsas. Ao contr�rio do que dizem os que defendem a privatiza��o das universidades p�blicas, seus alunos n�o s�o ricos. Em 1998, constatou-se, ap�s um estudo coordenado por Carlos Jos� de Lima sobre o perfil socioecon�mico dos alunos das Institui��es Federais de Ensino Superior (IFES), que a maioria n�o poderia arcar com uma mensalidade, por menor que fosse. Nas Universidades mais concorridas, como a USP e a UNICAMP, o quadro n�o � muito diferente. Nesta �ltima, com o maior n�mero de candidatos por vaga, em 1999, 52,8% dos ingressantes provinham de fam�lias com renda at� R$ 2.600,00, sendo que 7,3% viviam em fam�lias com renda familiar entre R$ 130,00 e R$ 650,00. Neste contexto, a viabiliza��o das voca��es para a pesquisa passa, necessariamente, pela bolsa de Inicia��o Cient�fica e, depois, de P�s-Gradua��o. Um papel de destaque, neste contexto, tem o programa do CNPq/PIBIC, ao permitir a pesquisa j� na gradua��o. Neste sentido, a pol�tica das ag�ncias financiadoras de limitarem o valor das bolsas e, ao mesmo tempo, exigirem dedica��o exclusiva tem sido questionada por diversos analistas. O Professor J�lio C�sar Voltarelli (Cl�nica M�dica, USP de Ribeir�o Preto) defendia, j� em 1997, que houvesse a permiss�o da concomit�ncia de outras fun��es remuneradas. A pesquisa, se analisada pelo m�rito apenas, n�o poderia exigir do bolsista dedica��o exclusiva, pois os resultados objetivos deveriam bastar para avaliar se a concess�o da bolsa est� sendo pertinente. N�o � � toa que bolsas sem um sistema de avalia��o eficaz, mas com exig�ncia de dedica��o integral, n�o resultem em teses, como vimos acima, enquanto muitas teses s�o defendidas por pesquisadores que recebem remunera��o. Isto se explica, justamente, porque � a dedica��o do pesquisador que gera resultados e, muitas vezes, as atividades remuneradas contribuem para que o pesquisador adquira conhecimentos mais amplos e que poder�o ser �teis, ainda que indiretamente, para sua pesquisa.


El�i Garcia, da Academia Brasileira de Ci�ncias, ressaltava, h� pouco, que pa�ses que negligenciam a import�ncia do investimento em pesquisa amargam uma perene condi��o perif�rica. O Brasil j� tem sofrido, como outros pa�ses em situa��o semelhante, um brain drain, com a perda de grandes pesquisadores que se instalam no exterior. Como j� se disse, n�o s�o tanto os sal�rios a atrair nossos pesquisadores, mas as condi��es de trabalho. O futuro da na��o depende, tamb�m, da exist�ncia de uma pesquisa que esteja em condi��es de integrar-se �quela universal. Tampouco podemos nos contentar com um arremedo de pesquisa, �descobrindo a p�lvora�, como se existisse uma pesquisa de ponta que pudesse prescindir da inser��o na ci�ncia internacional. Paroquialismo n�o se coaduna com pesquisa: se italianos ou japoneses t�m que publicar e, at� mesmo, apresentar seus projetos de pesquisa, em seus pa�ses, em ingl�s, n�o h� porque ser diferente no Brasil. Os desafios da pesquisa universit�ria no Brasil s�o, pois, muitos. A reflex�o cr�tica, a dedica��o � ci�ncia, a luta por mais adequadas condi��es de trabalho s�o tarefas mais necess�rias do que nunca, mas o essencial j� possu�mos: a paix�o.



Notas

*Texto publicado na Revista Adusp, 19, mar�o de 2000, p. 30-33.

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