Por que o marxismo n�o aconteceu? |
Carlos Fernando Canellas
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Qual a sensa��o que voc� sente ao ouvir algu�m pronunciar o termo marxismo? A imagem que muito provavelmente vem � sua cabe�a � de, por exemplo, a URSS e a sua terr�vel ditadura como representa��o m�xima do Muro de Berlim ou �muro da vergonha�, ou ainda poderia surgir Cuba, com a pesad�ssima m�o de Fidel Castro esmagando o povo cubano, ou provavelmente Mao Ts�-Tung, com a sua filosofia de �cada andorinha que come um gr�o, � um chin�s que passa fome�, dentre outras mais.
Pois bem. Motivos n�o faltam para acreditarmos que o marxismo, ou melhor dizendo, Karl Marx foi o precursor de uma filosofia que tende � uma perversa ditadura, repressora, no qual covardemente roubava a propriedade privada, com o discurso da coletiviza��o. Lutas terr�veis foram travadas contra este dem�nio que assombrava a vida de qualquer indiv�duo das sociedades capitalistas. Marx j� prenunciava, em 1848: �Um espectro ronda a Europa � o espectro do comunismo. Todas as pot�ncias da velha Europa uniram-se numa santa ca�ada a esse espectro: o papa, o czar, Metternich e Guizot, radicais franceses e policiais alem�es�. O marxismo sempre foi um motivo para a preocupa��o geral, pois atacava diretamente a liberdade de cada um: a liberdade de ir e de vir, a liberdade de pensar, a liberdade de compra. Esta �ltima seria sim, o grande estandarte dos governos capitalistas contra os famigerados e pervertidos comunistas, que possu�am como dieta b�sica o h�bito de comer criancinhas...
Nascido em Treves, prov�ncia alem�, em 05 de maio de 1818, Karl Marx foi o fil�sofo mais importante e influente do s�culo XIX, trazendo uma concep��o de hist�ria diferenciada e inovadora do que muitos de seus antecessores e contempor�neos: Hegel, Kant, Conte, Feuerbach, etc. O marxismo � pronunciado e utilizado por diversos intelectuais da filosofia e da pol�tica, independente de seus posicionamentos e ideais e do que fizeram com suas id�ias. Isso nos mostra a import�ncia do legado filos�fico e cultural deixado por Marx, tornando-se um dos personagens mais importantes de nossa era. Morreu em 14 de mar�o de 1883, em Londres.
Um dos mais importantes momentos de sua vida foi quando conheceu Friederich Engels, filho de um industrial ingl�s, que trazia uma vis�o mais cr�tica e realista da situa��o social dos oper�rios. Por vezes, Engels ajudou Marx financeiramente, ainda trabalhando em conjunto para a publica��o de A Ideologia Alem� (1845/46) e o Manifesto do Partido Comunista (1848), e O Capital (1867) vindo a responsabilidade recair sobre Engels para o t�rmino da obra, pois Marx morreu antes de o fazer. Respectivamente estas obras representam, a profundidade do pensamento de Marx, o panfleto da convocat�ria popular: �Proletariado do mundo, uni-vos�, e um dos maiores tratados econ�micos do mundo.
Para a compreens�o deste abstrato fragmento da hist�ria �recente� da humanidade (digo recente pois este mundo que conhecemos j� fora vislumbrado pela genialidade da filosofia de Marx), devemos entender o quadro s�cial, pol�tico e econ�mico da Europa a partir da Revolu��o Industrial no s�culo XVIII at� o s�culo XIX.
Relembremos. A Revolu��o Industrial aconteceu na Inglaterra, marcando o surgimento e a ascens�o das ind�strias, gerando assim, uma nova mentalidade econ�mica. O que o pequeno artes�o produzia em uma semana, a f�brica fazia em um dia inteiro de trabalho, por um pre�o muito mais acess�vel, assim, este indiv�duo n�o conseguia fazer frente ao poderio das f�bricas, sendo obrigado a vender a sua for�a de trabalho para essas empresas, ou seja, o surgimento da mais-valia. Surge ent�o, uma nova classe dentro da sociedade europ�ia: o operariado. As p�ssimas condi��es de trabalho somadas aos baixos sal�rios faziam com que as diferen�as sociais, t�picas do capitalismo, estivessem latentes, nesta nova fase econ�mica do mundo. O n�mero constantemente alto de desempregados fazia com que as lutas sociais se agravassem cada dia mais. Os bairros oper�rios cresciam de maneira desenfreada. Surgiram ent�o as primeiras manifesta��es oper�rias, caracterizadas pelas greves, e em situa��es mais radicais, na destrui��o das f�bricas e das m�quinas pelos pr�prios oper�rios. Este embrion�rio modo de fazer economia j� estava destinado a viver em uma constante luta contra ele mesmo. Enquanto a filosofia do trabalho vigorava, o sistema capitalista, contraditoriamente, exclu�a este mesmo indiv�duo da for�a de produ��o.
� neste quadro ca�tico vivenciado pela Europa nos s�culos XVIII e XIX, que temos as primeiras produ��es de �certo car�ter socialista�. Ser�o intituladas, posteriormente, de socialistas ut�picos, pois n�o haviam definido �cientificamente� como o proletariado poderia, algum dia, chegar a inverter o quadro en que vivia. Pior, n�o haviam analisado o capitalismo de um ponto de vista hist�rico. �Assim, a primeira coisa a fazer em qualquer concep��o de hist�ria � observar este fato fundamental em todo o seu significado e em toda a sua dimens�o, e atribuir-lhe a import�ncia que lhe � devida�. N�o estudaram as origens do capitalismo, como sendo uma resposta a uma necessidade. Uma revolu��o. Como diria Marx, �A revolu��o traz o novo�. A antiga sociedade feudal n�o conseguia mais suprir suas necessidades. Precisava de algo mais para sua sustenta��o, para sua liberta��o rumo a uma nova condi��o econ�mica:
| [...] n�o � poss�vel conseguir uma liberta��o real a n�o ser no mundo real e com meios reais; de que n�o se pode abolir a escravatura sem a m�quina a vapor e a mule-jenny, nem a servid�o sem uma agricultura aperfei�oada, de que de modo nenhum se pode libertar os homens enquanto estes estiverem em condi��es de adquirir comida e bebida, habita��o e vestu�rio na qualidade e na quantidade perfeitas. |
Observamos, ent�o, que estamos tratando de hist�ria propriamente dita: a concep��o marxista de hist�ria com o conceito de pr�xis, como ele vai analisar os modos de produ��o, como este modo de produ��o vai interferir nas rela��es sociais, gerando assim a luta de classes.
Esta concep��o traz a hist�ria como portadora do novo, transformadora e em constante movimento, sendo o primeiro ato hist�rico da humanidade a pr�xis, ou seja, a transforma��o da natureza pelo homem. Esta transforma��o age simultaneamente com o indiv�duo, onde fica latente o materialismo dial�tico da concep��o marxista. A pr�xis �, portanto, a a��o concreta do homem, onde sujeito e objeto est�o incondicionalmente unidos. Ent�o, Marx contrap�e a sugest�o de Kant, que o sujeito e o objeto est�o separados. Ao unir objeto e sujeito, Marx assume o conceito de que ambos est�o ligados desde o princ�pio, e desde ent�o, o homem tem que modificar a natureza para atender suas necessidades, mas num movimento dial�tico isso cria novas necessidades, fazendo o homem buscar mais solu��es e t�cnicas diversificadas. �A hist�ria de toda a sociedade � a hist�ria de lutas de classes. Homem Livre e escravo, patr�cio e plebeu, bar�o e servo, mestres e companheiros [...]�. Ao observar estas palavras, notamos que o motor da hist�ria � a luta de classes, nas suas diversas rela��es. Aqui, encontramos uma contraposi��o a Hegel, que diz que �a raz�o � o motor da hist�ria�. Marx comprova, que o que impulsiona a hist�ria s�o as diferen�as sociais entre os homens, sendo tudo fruto destas rela��es sociais conflitantes e que s�o determinadas pelo modo que estes est�o produzindo, que acaba por causar as diferen�as que impulsionam as mudan�as das estruturas. Estes modos de produ��o pertencem � infra-estrutura. Estes est�o sendo transformados conforme a necessidade da �poca em que o indiv�duo est� inserido: modo de produ��o primitivo coletivo, asi�tico, feudal, escravista, capitalista, etc. Infra-estrutura, ent�o, � a base material de um modo de produ��o, como os recursos naturais, meios e rela��es de produ��o, determinando, ent�o, a superestrutura, que s�o as normas determinadas pela sociedade: direito, religi�o, cultura.
Marx n�o lida apenas com o aparato econ�mico da hist�ria: ele apresenta cientificamente todos os processos acima, num movimento constante, t�nue e ardiloso, propondo uma nova maneira de estudarmos a humanidade atrav�s das suas constru��es. Enquanto os historiadores do XIX discutiam os feitos do aristocrata, Marx estudava como as rela��es sociais se deram para um determinado indiv�duo ser um aristocrata e como se davam as rela��es dele com as demais camadas formadoras de determinada sociedade.
Sendo assim, percebemos que ao convocarmos o termo �marxismo� estamos lidando com uma das filosofias mais avan�adas do s�culo XIX, ao passo que sua leitura nos dias de hoje, apresenta-se extremamente atual.
N�o podemos nos esquecer de que esta filosofia foi uma cria��o humana, estando � merc� de interpreta��es: L�nin, Stalin, Mao, Poe-Pout, Fidel. Arrisca-se aqui uma compara��o com o cristianismo, e com as v�rias interpreta��es existentes da filosofia crist�, da B�blia e as correntes que da� surgiram: catolicismo, protestantismo, ortodoxos. Acredito que tanto Cristo quanto Marx lamentariam a maneira como foram interpretadas suas filosofias. Apresentaram solu��es, n�o as impuseram. Indicaram os caminhos para a implanta��o das mesmas, por�m, o fator humano de seus sucessores e receptores estava presente. Al�m do pr�prio fator humano de Marx e Cristo deve ser levado em considera��o. N�o foi poss�vel materializar a ideologia e a filosofia e faz�-la governar.
N�o temos agora um comunismo puro, como pensado por Marx. A Uni�o das Rep�blicas Socialistas Sovi�ticas (URSS) fragmentou-se tragicamente, devido � corrup��o e aos seus tiranos governantes; a China � um pais de car�ter comunista, por�m est� abrindo suas portas para o mercado internacional; n�o sabemos o que vai acontecer com Cuba com a morte de Fidel Castro e, com a visita de v�rios presidentes da Am�rica e de um governador norte-americano, tornou-se ainda mais turva qualquer previs�o que se possa fazer.
Nenhum dos dois sistemas pol�ticos sobreviventes no p�s-guerra apresentou uma solu��o plaus�vel para os diversos problemas que rodeiam o mundo proveniente do capitalismo e do comunismo. A classe oper�ria dentro da URSS foi t�o ou mais oprimida que nos pa�ses capitalistas com sua terr�vel explora��o da mais-valia.
O marxismo tem que ser repensado sim. Tem que se adequar ao mundo atual que � diferente do s�culo XIX. O capitalismo mudou nestes �ltimos 151 anos, por�m, a cada mudan�a, se torna mais feroz e violento, gerando cada vez mais riqueza, mas para poucos, ou seja, aumentando a popula��o que se encontra no limiar da pobreza. Os sobreviventes precisam se adequar, pois sempre haver�o crises dentro do capitalismo e enquanto o comunismo n�o for revisto, ser� sempre pensado como um sistema pol�tico morto e descartado, devido ao seu insucesso na URSS.
Nos �ltimos anos, estamos assistindo a constantes altos e baixos do sistema atual. Assim, se faz cada vez mais necess�rio, pensarmos uma solu��o para as contradi��es latentes do capitalismo. Por�m, s�o vis�veis os debates e quest�es que est�o sendo levantadas n�o somente ao marxismo, mas tamb�m ao mundo como um todo, neste quase s�culo XXI. Acredito que, dentro em breve, estaremos assistindo o surgimento do neomarxismo. Afinal, acredito que o marxismo n�o aconteceu em sua verdadeira e ampla proposta.
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