Em torno da complexidade do campo historiogr�fico * |
Eleonora Zicari Costa de Brito
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1. Introdu��o: um campo sempre fluido
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"Nunca se est� suficientemente surpreso com a hist�ria."
Krzysztof Pomian
A ep�grafe que abre este texto traduz � perfei��o o que pensa Pomian e grande parte dos historiadores quando colocados frente � diversidade do fazer historiogr�fico: multiplicidade de abordagens, objetos, m�todos e problemas; recortes, ou como diria Paul Veyne, g�neros os mais variados (da hist�ria pol�tica - hoje bastante revista - � hist�ria de car�ter etnogr�fico � moda de Robert Darnton); concep��es muitas vezes conflitantes sobre o que venha a ser o produto final do of�cio (hist�ria como testemunho do que aconteceu ou como registro da forma como a realidade foi concebida/representada por seus personagens?).
Isso ocorre porque sob um mesmo r�tulo reunimos pr�ticas bastante variadas, como bem sinalizou Pomian (1999, p.7-11) ao observar que chamamos de hist�ria a �exerc�cios liter�rios e pesquisas acad�micas, um jornalismo superior e trabalhos de erudi��o, mem�rias na primeira pessoa e tratados que visam a objetividade�. Tamb�m as ��pocas, as l�nguas, os espa�os, os pa�ses, os dom�nios, os documentos e os monumentos por ela estudados� evidenciam a diversidade do of�cio e a aus�ncia de qualquer padr�o capaz de �medir� satisfatoriamente o que vem a ser hist�ria. Tanto isso � uma evid�ncia que, ainda segundo Pomian,
| � primeira vista, percebem-se mal os tra�os comuns a Her�doto, a uma cr�nica da Idade M�dia e a tal obra recente cheia de n�meros e gr�ficos, quando n�o de equa��es. Todos os tr�s, no entanto, pertencem - dizem-nos - � hist�ria. |
Em texto de 1929, o historiador holand�s Johan Huizinga, no intuito de conceber um conceito de hist�ria amplo o suficiente para abarcar as pr�ticas historiogr�ficas desenvolvidas ao longo do tempo - que ele reconhecia como muito diferentes entre si - prop�e que se entenda a hist�ria/conhecimento como fen�meno cultural. Isso se justificaria porque, em seu entendimento, �cada cultura cria e tem necessariamente que criar sua pr�pria forma de Hist�ria. O tipo de cultura determina o que �, para ela, a Hist�ria, e como h� de ser esta� (HUIZINGA, 1994, p.91). Em outras palavras, as varia��es historiogr�ficas nada mais seriam que diferentes formas de entendimento do que seria a hist�ria, fruto de varia��es culturais.
A partir desse princ�pio, Huizinga (1994, p.91) dir� que n�o podemos esperar da hist�ria mais que �uma certa id�ia de um certo passado, uma imagem intelig�vel de um fragmento do passado. N�o � nunca a reconstru��o ou a reprodu��o de um passado. O passado n�o � dado nunca. O �nico dado � a tradi��o�. Com isso ele dava adeus a qualquer pretens�o de alcan�ar um conhecimento calcado num suposto realismo hist�rico, tendo em vista o car�ter pragm�tico constitutivo desse exerc�cio intelectual: responder �s quest�es colocadas por cada cultura, em outras palavras, pelo presente do historiador.
Outro historiador, Jenkins, refletindo sobre a distin��o entre hist�ria-passado e hist�ria-acontecimento, lembra que o passado, objeto de estudo do historiador, � aquilo que j� passou, e a hist�ria � o que os historiadores fazem com ele. Embora o historiador n�o invente hist�rias sobre o passado, o passado sempre nos chega como narrativa �e n�o podemos sair dessas narrativas para verificar se correspondem ao mundo ou ao passado reais [...]� (JENKINS, 2001, p.28) O passado n�o estabelece o tipo de leitura que lhe conv�m. Essa � uma tarefa do historiador.
Esse pre�mbulo - que poderia se estender muito mais em busca de apoio que n�o faltaria - foi estrategicamente concebido como uma forma de registrar a complexidade de se trabalhar a defini��o do campo historiogr�fico. Afinal, como falar de algo t�o fluido, sem m�todo espec�fico e sempre reinventado, dado seu car�ter cultural?
Portanto, o que proponho, reconhecendo a complexidade deste debate, � uma breve reflex�o sobre o esfor�o que h� algum tempo os historiadores t�m feito para enfrentar esse desafio e, tamb�m, sobre a forma como alguns historiadores t�m refletido sobre essas quest�es em nosso tempo. No primeiro caso, historicizar brevemente as propostas de duas escolas historiogr�ficas, pareceu-me uma poss�vel contribui��o para o debate. Refiro-me a escola met�dica e a historicista, duas refer�ncias com as quais continuamos a dialogar. No outro, o objetivo � mostrar como em nosso tempo os historiadores t�m procurado enfrentar impasses colocados por aquelas escolas, avan�ando em algumas de sua �inven��es�, desprezando algumas de suas �verdades� e �reinventando�, � nossa maneira e de acordo com a nossa cultura, as formas de se fazer hist�ria.
Notas
* Este texto serviu de subs�dio � palestra que proferi no UNICEUB, em Bras�lia, em maio de 2002.
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