Durante o Santo Of�cio brasileiro, o personagem que mais desafiou os dogmas da
Igreja por suas prefer�ncias sexuais foi uma mulher, Filipa de Sousa, que usou
e abusou de sua homossexualidade sendo, em contrapartida, a mais castigada pela
Inquisi��o. Enquanto isso, o padre Ant�nio Vieira, como a maioria dos jesu�tas
da col�nia, condenava a escravid�o ind�gena e defendia, paradoxalmente, a
africana. Os escravos sofriam at� na hora de se vestir, j� que a carta r�gia
de 1696 ao governador do Brasil censurava o luxo dos trajes das escravas. Essas
e centenas de outras curiosidades sobre o per�odo colonial brasileiro fazem
parte do Dicion�rio do Brasil Colonial, obra in�dita na historiografia
nacional, um mosaico dos usos e costumes p�blicos e privados durante os tr�s
primeiros s�culos da hist�ria do Brasil.
Minuciosa
pesquisa do historiador Ronaldo Vainfas e mais cinco especialistas, essa publica��o
vem suprir uma lacuna na bibliografia colonial. Segundo Vainfas, os dicion�rios
hist�ricos editados at� hoje pecam ou por abranger a hist�ria do Brasil como
um todo, ou por abordar aspectos particulares, muito espec�ficos de um dado
momento. Analisando o per�odo que vai de 1500 a 1808, este � o primeiro dicion�rio
cr�tico sobre as ra�zes coloniais brasileiras. Uma edi��o em boa parte
inspirada no que Fran�ois Furet e Mona Ozouf publicaram sobre a Revolu��o de
1789, o Dicion�rio Cr�tico da Revolu��o Francesa.
O
recorte cronol�gico adotado no dicion�rio inicia em 1500 e termina em 1808. No
entanto, � poss�vel encontrar verbetes sobre fatos posteriores a esse ano, j�
que muitos personagens da corte joanina fizeram carreira no Brasil imperial. O
fato de os verbetes se encerrarem no ano de 1808 explica-se, em primeiro lugar,
porque entre 1808-1822 o Brasil passou de Col�nia a Reino (1815). E ainda
porque em 1808 iniciou-se o processo de emancipa��o pol�tica do Brasil �
para alguns estendida at� 1831�, �poca que pertence mais � constru��o do
Imp�rio do Brasil do que � hist�ria colonial propriamente dita. Na verdade,
ap�s 1808, n�o h� mais Brasil Col�nia.
Mesmo
que a op��o tenha sido a de apresentar o Dicion�rio do Brasil Colonial
atrav�s de nominata corrida, dispondo-se os verbetes em ordem alfab�tica,
independente da mat�ria tratada, a equipe respons�vel pela obra operou com
quatro categorias de vocabul�rio:
- Conceitos ou estruturas hist�ricas desde os
mais gerais, a exemplo de mercantilismo ou absolutismo, �queles de perfil mais
espec�fico, como no caso de termos etnogr�ficos (banto, tupinamb�) ou de
express�es que funcionam como "janelas" para flagrar costumes ou
tipos sociais da �poca colonial (c�rcere, supl�cio, cirurgi�es, crist�os
� novos etc).
- Institui��es, sobretudo �s ligadas ao governo secular ou eclesi�stico da
coloniza��o portuguesa, optando-se sempre, para respeitar a inten��o anal�tica
dos verbetes, pelas institui��es mais abrangentes, em vez de adotar a inumer�vel
pulveriza��o de cargos ou inst�ncias administrativas da �poca.
- Eventos, aqui orientados segundo dois principais eixos factuais: os epis�dios
de conflito externo (bem como as rea��es luso-brasileiras); e as tens�es
internas, desde as lutas ind�genas e rebeli�es escravas mais acirradas at� as
inconfid�ncias ou conjura��es de finais do s�culo XVIII, passando por
motins, guerras de fac��es e outros epis�dios que puseram em cena a
"desordem" pol�tica ou social na Col�nia. Foram ainda contemplados
no dicion�rio eventos portugueses diretamente ligados � hist�ria do Brasil,
como a Uni�o Ib�rica (1580) e a Restaura��o (1640).
- Person�lia revela os personagens que direta ou indiretamente atuaram no per�odo
colonial, desde o topo da hierarquia social e pol�tica metropolitana at� os
rebeldes mais desafiadores, como Zumbi dos Palmares. Desfilam pelos verbetes,
invasores, �ndios e quilombolas, religiosos, reis, donat�rios, desbravadores,
poetas e letrados. Figuram, ainda, an�nimos que n�o constam na galeria dos
personagens oficiais: s�o m�sticos, beatas, vision�rios, hereges, sodomitas
� nomes revelados pela pesquisa hist�rica posterior a 1980, que ajudam a
compreender os sentimentos e modos de vida de uma sociedade meio encantada e
meio diab�lica como a era colonial.