Livro: A
na��o como artefato: os deputados do Brasil nas Cortes
Portuguesas (1821-1822)
Autor: M�rcia
Regina Berbel
Editora: Hucitec-Fapesp
Ano: 2000
N�mero de p�ginas: 206
Os deputados brasileiros em Lisboa e a
independ�ncia
Historiadora mostra que a bancada brasileira na
Corte estava longe de ser uma representa��o coesa ou de carregar algum
exacerbado sentimento nacionalista
Adelto Gon�alves
�s v�speras da proclama��o da independ�ncia do Brasil em 1822, 45
deputados, eleitos por v�rias regi�es brasileiras, reuniram-se nas Cortes de
Lisboa com outros cem, escolhidos em Portugal, para discutir a organiza��o do
Estado luso-brasileiro. O que aqueles 45 parlamentares defenderam e propuseram
sempre foi pouco conhecido e pesquisado, at� porque as an�lises dos nossos
historiadores trataram de privilegiar um tema mais amplo, a pr�pria independ�ncia
brasileira.
Do lado portugu�s, a revolu��o do Porto de 1820 sempre constituiu uma grande
�rea de estudos e, portanto, as pesquisas, como seria de se esperar,
concentraram-se notadamente sobre a atua��o dos deputados lusos, ponto de
partida para a hist�ria do pensamento liberal em Portugal. Para corrigir esse
descompasso, M�rcia Regina Berbel, professora da Universidade Estadual Paulista
(Unesp), campus de Mar�lia, escreveu A na��o como artefato: os deputados
do Brasil nas Cortes Portuguesas (1821-1822), sua tese de doutoramento em
Hist�ria Econ�mica pela Universidade de S�o Paulo (USP).
Reconstituindo
os discursos e as lutas pol�ticas travadas naqueles dias, por meio de consulta
ao "Di�rio das Cortes Constituintes", na Biblioteca Nacional de
Lisboa, a historiadora mostrou que a bancada brasileira estava longe de ser uma
representa��o coesa ou mesmo de carregar de antem�o algum exacerbado
sentimento nacionalista. Pelo contr�rio. Baianos e pernambucanos defenderam
suas "p�trias", ou seja, as regi�es que representavam, mas nunca
propuseram que se transformassem em corpos aut�nomos, pois acreditavam que
deveriam continuar a fazer parte da na��o portuguesa.
J�
os paulistas - Diogo Ant�nio Feij�, Ant�nio Carlos de Andrada e Silva e
Nicolau Campos Vergueiro, principalmente -, mais ativos, apresentaram um
programa de defesa do Reino Unido, mas que, na pr�tica, previa a organiza��o
dos dois reinos separadamente e que o pr�ncipe herdeiro permanecesse no Brasil.
Como representavam os interesses de grandes fazendeiros e daqueles que se
beneficiavam do tr�fico de escravos, o que estava por tr�s era tamb�m a
manuten��o do sistema escravocrata no Brasil. Afinal, num reino uno, como
explicar que a escravid�o fosse legal numa parte e ilegal em outra?
J� os deputados do Rio de Janeiro, Par� e Maranh�o
aliaram-se �s propostas integracionistas dos parlamentares lusos que, ancoradas
na hist�ria e na tradi��o, defendiam uma esp�cie de retorno id�lico ao s�culo
XVIII, quando Portugal era o senhor absoluto de suas possess�es ultramarinas. E
que inclu�am tamb�m a volta do pr�ncipe regente a Portugal.
Para os l�deres da revolu��o do Porto de 1820 -
os chamados vintistas -, o importante, depois de superadas as interven��es
francesa e inglesa, era resgatar a dignidade da na��o portuguesa, pois, a
rigor, depois da partida de D. Jo�o VI e da fam�lia real para o Rio de Janeiro
em 1807, os pap�is se haviam invertido: Portugal passara a col�nia, enquanto o
Brasil assumira como cabe�a do Reino e de todas as possess�es ultramarinas.
Por isso, para os vintistas, os portugueses do
Brasil s� poderiam ser aceitos se estivessem ligados aos de Portugal mediante v�nculos
pol�tico-administrativos ou econ�micos e impedidos de ter preponder�ncia na
monarquia, como assinala M�rcia Berbel em suas conclus�es. S� que, para fazer
valer essas id�ias, Portugal n�o dispunha de um argumento de for�a.
O l�der dos vintistas, o deputado Fernandes Tom�s,
admitia que, se os brasileiros n�o quisessem se submeter � "vontade
geral" expressa nas Cortes, seria prefer�vel o seu desligamento da
monarquia lusa. Portanto, para ele, se a preserva��o dos dom�nios coloniais
chegasse a comprometer a soberania do Congresso, melhor seria perd�-los.
Diante disso, parecia claro que aos portugueses do
outro lado do Atl�ntico s� restava costurar uma articula��o que garantisse a
ades�o daquelas capitanias, transformadas em prov�ncias, que ainda se
mantinham estreitamente vinculadas a Portugal, como o Par�, por exemplo. Foi o
que se deu em agosto de 1822, depois que as Cortes de Lisboa n�o quiseram
reconhecer a Assembl�ia Constituinte institu�da no Brasil.
Mesmo assim, os discursos dos deputados do Brasil
clamaram pela uni�o com Portugal at� o �ltimo momento, mas sem nunca abdicar
da defesa da unidade federativa do imp�rio luso-brasileiro proposta pelos
paulistas e, depois, aceita por baianos e pernambucanos.
Para a maioria dos parlamentares portugueses, por�m,
a id�ia da organiza��o pol�tica do Brasil como reino era inadmiss�vel, pois
contrariava as concep��es integracionistas do radical Fernandes Tom�s e do
moderado Borges Carneiro, especialmente porque n�o contemplava as Cortes de
Lisboa como �rg�o soberano, inclusive, acima do pr�ncipe regente.
Para os portugueses, aceitar a proposta
significava colocar-se de joelhos diante do pr�ncipe regente e admitir uma
volta ao antigo regime. Por isso, inconseq�entemente, acabaram por provocar a
ruptura. Constitu�am a parte mais fraca e menos essencial da monarquia, como
dissera o ministro dom Rodrigo de Sousa Coutinho, o conde de Linhares, j� em
1797.