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Livro: Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independ�ncia (1821-1823)
Autor: Isabel Lustosa
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2000
N�mero de p�ginas: 497
O papel da imprensa na independ�ncia
A leitura dos jornais da �poca, como em Insultos Impressos, de Isabel Lustosa, serve para refor�ar a tese de que o grito de d. Pedro �s margens do Ipiranga, n�o passou de um exagero

Adelto Gon�alves

Para quem leu A na��o como artefato: deputados do Brasil nas Cortes Portuguesas (1821-1822), de M�rcia Regina Berbel, Insultos Impressos: a Guerra dos Jornalistas na Independ�ncia (1821-1823), de Isabel Lustosa, � um complemento necess�rio para a compreens�o definitiva das raz�es que levaram ao esfacelamento do Reino Unido de Brasil e Portugal.
Se o primeiro livro trata de como foi a atua��o dos deputados escolhidos nas diversas regi�es da chamada Am�rica portuguesa que se juntaram aos outros 100, eleitos em Portugal, para discutir a organiza��o do Estado luso-brasileiro, �s v�speras da proclama��o da Independ�ncia, o segundo mostra a a��o da ainda incipiente imprensa brasileira funcionando como retaguarda para aqueles parlamentares que defenderam nas Cortes em Lisboa a unidade e a autonomia do Brasil.
Enquanto Berbel valeu-se dos debates registrados na cole��o dos Di�rios das Cortes Constituintes, constante do acervo da Biblioteca Nacional de Lisboa, Lustosa tomou como base para seu trabalho uma pesquisa entre os mais de 30 jornais ef�meros que circularam notadamente no Rio de Janeiro entre 1821 e 1823, al�m de panfletos e manifestos.
Se alguma ressalva se pode fazer ao trabalho de Lustosa � o fato de ter recorrido a fontes impressas que j� n�o s�o muito dignas de cr�dito. Talvez por isso a autora cite � p�gina 73 que a Oficina do Arco do Cego foi incorporada � Imprensa R�gia em princ�pios de 1801, o que n�o � correto. � de 7/12/1801 o decreto que suprimiu a Oficina e organizou a Impress�o R�gia, como se pode constatar na Gazeta de Lisboa de 20/1/1802.
Lustosa teria produzido um trabalho mais completo se tivesse inclu�do em sua bibliografia o indispens�vel Os Sentidos do Imp�rio, de Valentim Alexandre (Edi��es Afrontamento, Porto, 1992), que fez trabalho semelhante, mas consultando os jornais mais diretamente ligados aos interesses da antiga metr�pole, como O Investigador Portugu�s, O Portugu�s e, mais tarde, O Campe�o Portugu�s e outros, que defendiam a introdu��o de reformas no sistema imperial. Da bibliografia arrolada por Alexandre, constam mais de 80 peri�dicos n�o s� publicados em Lisboa, Porto e Coimbra como em Londres e Paris.
A leitura selecionada dos jornais brasileiros da �poca da Independ�ncia serve para refor�ar o que j� � quase consenso entre os historiadores mais atilados: o grito que Dom Pedro deu �s margens do riacho do Ipiranga, a 7 de setembro de 1822, n�o passou de um exagero. Uma figura de ret�rica. Afinal, do outro lado, como pretensa amea�a, o que havia era um pa�s em frangalhos, incapaz de se organizar e sem recursos materiais para sequer cogitar o envio de alguma tropa que pudesse reverter o quadro.
Fazer o Brasil retornar � situa��o de submiss�o como � �poca do marqu�s de Pombal n�o passava de um sonho de ver�o de alguns deputados lusos de vis�o estreita, como Fernandes Tom�s e Borges Carneiro, cujas carreiras estavam ligadas � vida interna portuguesa, sem a vis�o imperial, por exemplo, da gera��o anterior de l�deres portugueses, como Lu�s Pinto de Sousa, Dom Rodrigo de Sousa Coutinho e Ara�jo de Azevedo, que haviam ascendido aos mais altos postos a partir de carreiras diplom�ticas ou coloniais.
Al�m disso, n�o esque�amos que Portugal era ao final do s�culo XVIII um dos pa�ses mais atrasados da Europa � como mostram os relatos de v�rios viajantes estrangeiros (Link, William Beckford, Demouriez, Ruders, Murphy e Southey), todos un�nimes em apontar a imund�cie em que Lisboa, uma cidade sem esgotos, vivia imersa. Duas d�cadas depois, com Portugal saqueado pelas tropas de Junot e, em seguida, humilhado n�o s� pela condi��o de protetorado da Inglaterra, sob as botas de Beresford, como a de col�nia do Brasil � onde, afinal, desde 1808, estava a Corte �, � de imaginar que a situa��o fosse ainda pior, como se pode concluir das motiva��es daqueles que fizeram a revolu��o do Porto. Basta ler o manifesto dos revoltosos de 1820, pois l� est� expl�cito o seu inconformismo com a posi��o subalterna a que o pa�s estava relegado.
A amea�a que existia estava mesmo deste lado do Atl�ntico: eram aqueles que, por uma ou outra raz�o, podiam ficar ao lado de Portugal, como as tropas sob o comando do general Jorge Avilez, que teve de receber um ultimato de Dom Pedro para que se retirasse. E, ainda assim, se D. Pedro teve a coragem de executar o gesto, � porque tinha o respaldo de for�as em condi��es superiores. Outra amea�a seria o inconformismo de setores conservadores da Bahia ou do Par�, prov�ncias que sempre estiveram muito mais ligadas por raz�es econ�micas a Portugal do que ao Rio de Janeiro.
S� a dist�ncia e o desconhecimento da realidade portuguesa poderiam levar aqueles que estavam no Rio de Janeiro a temer uma repres�lia. O receio maior era mesmo a fragmenta��o da Am�rica portuguesa, com a ascens�o de caudilhos locais, a exemplo do que ocorria na Am�rica espanhola. Por isso, a perman�ncia de D. Pedro era t�o importante � n�o porque se tratasse de um estadista, antes pelo contr�rio. � que em sua figura p�blica � e na tradi��o que representava � se baseava a integridade do Brasil como na��o. Foi a sorte.
Afastado o perigo de maiores repres�lias, desde cedo � ou mesmo antes da independ�ncia formal �, como se v� pelo livro de Lustosa, a luta se limitava a questi�nculas palacianas. De um lado, Jos� Bonif�cio e seus irm�os, com seu radicalismo e mesmo despotismo em rela��o �s publica��es dos advers�rios � talvez inevit�veis naquelas circunst�ncias � e, de outro, Gon�alves Ledo e seus seguidores da ma�onaria. Em faixa pr�pria, corria o visconde de Cairu, sempre fiel ao trono e adepto de uma volta ao absolutismo.
Era nesse contexto que a imprensa tinha grande relev�ncia porque refletia as posi��es das fac��es em luta. Sem regras, sem leis, os primeiros jornalistas � nada mais do que panflet�rios � fizeram dos seus peri�dicos de ocasi�o trincheiras para atacar e insultar opositores. At� o jovem D. Pedro n�o hesitou em descer do trono para, atr�s de um pseud�nimo, atacar violentamente um desafeto que o criticara e, ainda n�o satisfeito e irritado com a r�plica, mandar que lhe dessem uma surra. N�o � uma hist�ria muito dignificante para o nosso primeiro imperador, mas, vista de perto, n�o � de hoje que a pol�tica cheira mal.
Jornal da Tarde 04/11/2000