Sai uma biografia de Adam Smith, o pensador que
muitos chefes de Estado adoram citar
Carlos Graieb
Durante o s�culo XX, dois pensadores cl�ssicos dominaram os debates sobre
economia. Karl Marx inspirou os adeptos do comunismo, Keynes foi o her�i dos
social-democratas. S� nas �ltimas d�cadas um terceiro nome voltou a luzir: o
do escoc�s Adam Smith. Nas universidades, Smith nunca havia deixado de ser lido
e respeitado. Afinal, coube a ele transformar a economia numa disciplina aut�noma,
publicando, em 1776, A Riqueza das Na��es. Gostando ou n�o das id�ias desse
livro, sobre a livre concorr�ncia e a "m�o invis�vel" que governa o
mercado, todos os te�ricos que vieram depois tiveram de se haver com elas. Mas
que l�deres mundiais voltassem a mencionar Smith, isso foi uma surpresa. O
americano Ronald Reagan e a inglesa Margaret Thatcher transformaram-no numa esp�cie
de santo padroeiro do neoliberalismo. Depois da queda do Muro de Berlim, at�
governantes do Leste Europeu o invocaram, para aben�oar projetos de
desregulamenta��o da economia. Triunfalmente, Smith retornou ao centro do
palco � posi��o, ali�s, que ele merece.
Adam
Smith, uma Biografia, do canadense Ian Simpson Ross, ajuda a lan�ar luz sobre esse personagem
curioso e fascinante. Smith nasceu em 1723, num vilarejo pr�ximo de Edimburgo,
a capital escocesa. Profundamente introspectivo, cultivou manias, como a de
esfregar vigorosamente a cabe�a contra a parede enquanto ditava a seu secret�rio
as senten�as de A Riqueza das Na��es. Quando sa�a pelas ruas, seu andar era
ziguezagueante e ele movia os l�bios como se falasse com pessoas invis�veis. H�
diversas anedotas sobre sua lend�ria distra��o. Na melhor delas, ele aparece
� mesa, enfiando o p�o com manteiga numa x�cara vazia, acrescentando �gua
fervente e em seguida reclamando do gosto esquisito daquele "novo ch�".
Apesar de tudo isso, Smith n�o era um aleij�o na vida cotidiana. Desenvolveu
uma bem-sucedida carreira na universidade e, mais tarde, teve suas habilidades
administrativas reconhecidas ao assumir um posto como oficial da alf�ndega. Ele
foi presen�a constante nos c�rculos intelectuais e pol�ticos de seu tempo. A
Esc�cia era um dos grandes centros do iluminismo europeu, e um dos m�ritos da
biografia de Ross � fazer justi�a ao pa�s e a personagens como os fil�sofos
Hume e Hutcheson, ambos amigos de Smith. Tamb�m � muito interessante a
demonstra��o de que os comerciantes escoceses influenciaram A Riqueza das Na��es.
Como disse um mercador, as teses de Smith sobre livre com�rcio j� "haviam
circulado com o ponche" em muitas reuni�es.
A
vida amorosa de Smith rende par�grafos magros. Ele morreu no celibato e nem
sequer h� registro de aventuras sexuais. A grande mulher na vida do pensador
foi sua m�e. Em Paris, entre 1764 e 1766, Smith viveu um per�odo de intensa
atividade social, freq�entando os sal�es liter�rios e da nobreza. Ele era
dentu�o, tinha voz desagrad�vel e era distra�do demais para fazer-se
charmoso. Uma dama o descreveu assim: "feio como o diabo". Sua enorme
singeleza, no entanto, parece ter-lhe angariado uma cota de admiradoras. Pelo
menos uma marquesa o assediou, sem ser correspondida. Smith preferia estudar os
impostos franceses. Como ele mesmo disse certa vez, "acredito n�o ter nada
de bonito, a n�o ser minhas obras". E at� uma boa parte desses textos ele
mandou destruir, na ocasi�o de sua morte. Na verdade, Smith s� publicou um
livro al�m de A Riqueza das Na��es. T�tulo que, coincidentemente, tamb�m
est� saindo no Brasil: Teoria dos Sentimentos Morais (tradu��o de Lya Luft; Martins Fontes; 457 p�ginas).
Datada de 1759, a obra fez enorme sucesso e foi inclusive um dos fatores para
que as damas francesas se enternecessem com Smith. Afinal, em sua investiga��o
sobre os fundamentos da sociabilidade humana, o fil�sofo acaba concluindo que o
princ�pio que ordena nossos sentimentos morais � a "simpatia".
Como
notou um contempor�neo de Smith, ele sempre trabalhava para criar sistemas,
assentados sobre umas poucas leis fundamentais. Se no campo da moral o princ�pio
b�sico era a simpatia, no campo das id�ias econ�micas o princ�pio era o da
divis�o de trabalho. Foi a partir desse conceito que Smith estudou "a
natureza e as causas da riqueza das na��es", descrevendo um mercado que
se auto-regula e defendendo a competi��o aberta como meio ideal de promover o
crescimento econ�mico. Mas o culto a Smith hoje em dia n�o lhe faz inteira
justi�a. Muitas vezes, por exemplo, sua id�ia de livre com�rcio � confundida
com a de "laissez-faire", com o vale-tudo. Smith sentia desprezo pelos
muito ambiciosos e dizia que a sede de riqueza e poder � "a mais universal
causa da deprava��o de nossos sentimentos". Acreditava, tamb�m, que raz�es
como a seguran�a p�blica legitimavam a limita��o das liberdades econ�micas
pelo Estado. A biografia de Ross ajuda a ver que o pensamento de Smith n�o �
exatamente aquele que os capitalistas mais afoitos gostariam que fosse. Um livro
�til, no m�nimo para que se fa�a justi�a a esse grande fil�sofo.