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Livro: Os Donos do Poder: Forma��o do Patronato Pol�tico Brasileiro
Autor: Raymundo Faoro
Editora: Globo
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 913
Do inferno ao altar
Atacado em sua apari��o, o cl�ssico Os Donos do Poder volta � cena em nova edi��o e se mant�m entre as grandes obras da interpreta��o do Brasil

Jadyr Pav�o

Nunca � demais lembrar que algumas obras precisam da ajuda do tempo para ser digeridas e apreciadas: ele rebaixa excessos e ilumina situa��es. Publicado em 1958, o livro Os Donos do Poder - Forma��o do Patronato Pol�tico Brasileiro percorreu uma trajet�ria ins�lita logo ap�s o lan�amento. De sa�da, vagou entre o anonimato e rajadas de cr�ticas. Fato raro, reuniu contra si a indigna��o de militantes de esquerda e de direita. Depois, com o golpe militar de 1964, foi elevado � categoria de prof�tico e, pouco a pouco, ganhou moldura de cl�ssico para o entendimento do Brasil. Em 1975, o autor, Raymundo Faoro, hoje com 76 anos, engordou o texto para clarear a compreens�o, estabelecendo a vers�o em dois volumes e mais de 700 p�ginas. O livro chega agora � terceira edi��o, revisada e unificada em um tomo, acrescido de �ndice remissivo.
A indigna��o pr�-64 que partiu de todos os lados se explica. Viajando por seis s�culos (entre o fortalecimento do Estado portugu�s e a apari��o de Get�lio Vargas), o livro afirma que os donos do poder no Brasil s�o uma s� camada social: o 'estamento burocr�tico'. Esse grupo se destacaria do vulgo n�o pela posse de riquezas, mas pelo prest�gio proveniente da intimidade com o poder. Em suma, esses burocratas teriam se apropriado do Estado. A contrapartida, diz Faoro, � clara: alijado o povo do poder, n�o haveria cidadania; a democracia seria um castelo de cartas. O estamento daria ao pa�s o futuro que lhe conviesse para n�o se desgarrar do poder, at� mesmo suprimir a democracia. Os fatos de 1964 viriam a dar raz�o ao autor e fazer os opositores pensar. 'O livro mostra que a mola que impulsiona a sociedade estava emperrada, o que impede a expans�o do Estado de Direito', afirma o cientista pol�tico Gabriel Cohn. 'Revela ainda que a pol�tica tem din�mica pr�pria'.
A direita considerou o autor retr�grado. A esquerda, blasfemo. Na euforia dos anos JK, os primeiros diziam que a democracia era uma catedral e a pujan�a econ�mica um fato. J� a esquerda cobrava da obra a presen�a da luta de classes do marxismo. Entre os cr�ticos, havia nomes como o do historiador S�rgio Buarque de Holanda (1902-1982). 'Ele n�o aceitava a id�ia do estamento', diz Faoro.
Houve, por�m, quem trabalhasse a favor do desconhecido e t�mido advogado. Nascido em Vacaria, no Rio Grande do Sul, em 1925, Faoro s� se mudaria em 1951 para o Rio, centro intelectual de ent�o. O escritor �rico Ver�ssimo (1905-1975) foi o primeiro a ajud�-lo. Ao receber pela Editora Globo as provas de A Forma��o do Patronato Pol�tico Brasileiro - t�tulo original da obra-, sugeriu a publica��o. De quebra, deu-lhe o nome incisivo: Os Donos do Poder. 'S� fiquei sabendo disso pelos jornais pouco antes de �rico morrer', lembra Faoro.
A primeira resposta �s id�ias de Faoro deu-se na academia, nos anos 60. 'Na universidade, apenas Florestan Fernandes (1920-1995) o citava', diz o historiador Carlos Guilherme Mota, outro divulgador do livro, mas nos anos 70. �quela altura, percebia-se que a democracia n�o era uma fortaleza e que se deveria atentar para a exist�ncia do tal estamento. O nome do autor, por�m, s� se disseminaria quando ele ocupou a presid�ncia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre 1977 e 1979, no auge da redemocratiza��o, da qual foi ator importante. Algumas teses de Os Donos do Poder ainda causam pol�mica. A obra, de qualquer forma, juntou-se �s provocantes interpreta��es do pa�s. '� como um espinho', compara Gabriel Cohn.
�poca 23/07/2001