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Livro: O anjo da fidelidade: a hist�ria sincera de Greg�rio Fortunato
Autor: Francisco Louzeiro
Editora: Francisco Alves
Ano: 2000
N�mero de p�ginas: 550
O pre�o da fidelidade
Obra prop�e mudar a hist�ria de Greg�rio, o guarda-costas de Get�lio

Luc�la Soares

Chefe da guarda pessoal do presidente Get�lio Vargas por dezesseis anos, Greg�rio Fortunato foi um personagem singular. Viveu � sombra do poder e nunca almejou mais que isso, mas acabou atraindo para si todas as aten��es, durante o que foi talvez o epis�dio mais dram�tico da Hist�ria brasileira. A crise explodiu quando Carlos Lacerda, o principal inimigo p�blico de Get�lio na d�cada de 50, sofreu um atentado a bala. Apontado como mandante do crime, Fortunato ganhou enorme notoriedade ao transformar-se em piv� da crise pol�tica que se seguiu, e que culminaria no suic�dio de Vargas, em 1954. Exatamente nesse ano, o jornalista Jos� Louzeiro chegou ao Rio de Janeiro vindo de sua terra natal, o Maranh�o. Interessou-se pela hist�ria daquele homem de mais de 2 metros de altura, apelidado de Anjo Negro. Na �poca, corriam boatos de que os reais articuladores do atentado contra Lacerda eram outros � personagens muito mais poderosos da Rep�blica. Louzeiro registrou essa hist�ria e prometeu que um dia iria investig�-la. O momento s� se apresentou cinco anos atr�s, quando ele finalmente mergulhou no projeto. Sua pesquisa envolveu consultas a mais de 300 livros, jornais e revistas, al�m de dezenas de viagens e entrevistas. O resultado est� em O Anjo da Fidelidade � A Hist�ria Sincera de Greg�rio Fortunato, livro que defende a tese de que o guarda-costas se incriminou para proteger Benjamin Vargas, o Beijo, irm�o ca�ula do presidente.
Jos� Louzeiro traz � luz detalhes fascinantes sobre a vida do Anjo Negro. Filho de escravo alforriado, ele entrou ainda pequeno no c�rculo de influ�ncia dos Vargas, oriundos da cidade de S�o Borja, no Rio Grande do Sul. Antes de se tornar chefe da guarda de Get�lio, ele serviu outros parentes do presidente, com id�ntica efici�ncia e lealdade. No come�o da d�cada de 30, por exemplo, tomou parte numa atrapalhad�ssima tentativa de invas�o do territ�rio argentino tramada e comandada por Beijo. Louzeiro relata ainda v�rios casos de assassinatos cometidos a mando do cl�, nos quais o empregado fiel arcou com uma culpa que n�o lhe cabia. Apelidado de "Nego" pelos Vargas, Fortunato mudou-se para o Rio de Janeiro em 1938 trazido por Beijo, que havia convencido o irm�o presidente da necessidade de uma guarda especial, com estrutura independente do Ex�rcito e da pol�cia. Logo Fortunato tornou-se a sombra de Get�lio. Sua dedica��o era tanta que ele instalou sua fam�lia a apenas tr�s quarteir�es do Pal�cio do Catete, sede do governo, e, ainda assim, passou tr�s anos sem aparecer em casa. Get�lio n�o prescindia do guarda-costas nem em suas escapadas extraconjugais. Fortunato provava a comida do presidente e fazia pessoalmente a finaliza��o de cabelo e barba, que exigiam o manejo mais preciso da navalha. Era dele, tamb�m, o controle da entrada no gabinete presidencial, o que causava a in de muitos poderosos. Certa vez, at� Alzira Vargas, filha dileta e assessora de Get�lio, foi barrada por ele. N�o adiantou gritar � e o presidente deu raz�o ao chefe da guarda.
Toda essa coleta de dados, no entanto, teve como objetivo principal permitir a reconstru��o do atentado a Carlos Lacerda. Nesse particular, a principal fonte de Louzeiro foi Abel Oliveira, filho de Fortunato com uma namorada de juventude, que acabou se tornando muito mais pr�ximo do pai do que os irm�os do casamento oficial. Louzeiro e Oliveira se encontraram para uma s�rie de conversas no Maranh�o, em 1996. Nessa oportunidade, o filho de Fortunato apresentou uma vers�o alternativa para o crime da Rua Toneleros, o nome pelo qual ficou conhecido o ataque a Lacerda. Oliveira, que diz ter ouvido essa hist�ria do pr�prio pai, afirmou que os mandantes do crime foram cinco: o general e ex-prefeito do Rio de Janeiro Angelo Mendes de Moraes, o empres�rio Euvaldo Lodi, o ex-ministro do Trabalho Danton Coelho, Beijo e o deputado Lutero Vargas, filho de Get�lio. Escolhido inicialmente para livrar o quinteto da f�ria verbal de Lacerda, que os atacava diariamente em sua Tribuna da Imprensa, Greg�rio Fortunato n�o aceitou, segundo a vers�o do filho. Alcino do Nascimento, o pistoleiro vesgo que atirou em Lacerda e matou o major Rubens Vaz, foi recrutado por Clim�rio Euribes, membro da guarda pessoal de Get�lio indicado por Beijo. Fortunato s� aceitou a culpa por dever de lealdade ao ca�ula dos Vargas, que lhe teria feito esse apelo pessoalmente.
O Anjo Negro foi condenado com Clim�rio, Alcino e mais seis membros da guarda pessoal. Os cinco que seriam os reais respons�veis pelo atentado n�o foram investigados, embora seus nomes tenham sido citados em depoimentos no inqu�rito aberto para apurar o caso. "Foi mesmo um inqu�rito pol�tico, destinado a atingir Get�lio Vargas", diz o historiador Paulo Brandi, autor do verbete sobre Vargas no Dicion�rio Hist�rico-Biogr�fico Brasileiro. Greg�rio acabou assassinado no pres�dio Frei Caneca, no Rio de Janeiro, em 1962, num epis�dio descrito no livro como queima de arquivo, a eterna suspeita que paira sobre as mortes momentosas da cena pol�tica nacional. "A �nica coisa que sumiu de sua cela foram anota��es que dariam origem a um livro", sustenta Louzeiro. A historiadora Maria Celina Soares d'Ara�jo, da Funda��o Get�lio Vargas, concorda que h� evid�ncias de crime pol�tico. "Ele sabia demais", afirma.
Louzeiro, autor de 36 livros, entre eles A Inf�ncia dos Mortos (que deu origem ao filme Pixote), aposta tudo nessa vers�o sobre a qual sempre se especulou muito � a inoc�ncia de Greg�rio � e nunca se provou nada. O livro constr�i uma trama plaus�vel para banc�-la, mas n�o chega perto de mudar os registros hist�ricos. Em compensa��o, a obra � rica em detalhes que Louzeiro aprendeu a valorizar em sua longa carreira jornal�stica. O resultado � um bom retrato do Brasil de Vargas, um pa�s que tentava se modernizar mas no qual prevaleciam m�todos arcaicos de fazer pol�tica e rela��es patriarcais nos cl�s. S� � poss�vel entender a figura de Greg�rio Fortunato nesse ambiente. Ao mesmo tempo, conhecer melhor o personagem que viveu � sombra do presidente que mais tempo ocupou o poder no Brasil enriquece a hist�ria daquele per�odo. � esse o m�rito de O Anjo da Fidelidade.
19/12/2000