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Livro: A idade do ouro do Brasil
Autor: Charles Boxer
Editora: Nova Fronteira
Ano: 2000
N�mero de p�ginas: 406
Boxer, o pai dos brasilianistas, abriu caminhos para a Hist�ria do pa�s

Francisco Carlos Teixeira da Silva

A Nova Fronteira oferece na comemora��o dos 500 anos uma obra seminal da historiografia sobre o Brasil colonial, o livro de Charles Boxer, "A idade do ouro do Brasil". Trata-se de uma necess�ria reedi��o - a primeira foi em 1962 - de um cl�ssico sobre a forma��o do Brasil escrito por uma figura singular. Charles Boxer (1904-2000) foi um genial oficial do Imp�rio Brit�nico, com grande viv�ncia no mundo colonial, especialista em idiomas e capaz de se mover com eleg�ncia e respeito em diversas culturas, algo nem sempre comum nos brasilianistas.
Com esta experi�ncia voltou-se, desde 1947, ao ocupar a c�tedra Cam�es do King's College, de Londres, para o estudo do Imp�rio Portugu�s e sua maior col�nia. A import�ncia da obra de Boxer pode ser, com algum risco de simplifica��o, apontada em dois eixos fortemente. De um lado, a inser��o do Brasil (de 1700 a 1750) no imp�rio atl�ntico portugu�s, nas novas condi��es decorrentes da perda por Portugal do Oriente, bem como da descoberta do ouro de Minas Gerais e da retomada da expans�o agr�cola no fim do s�culo XVII. Eis aqui um dos eixos da obra de Boxer, que marca sua originalidade ao apontar o papel dominante da col�nia no Atl�ntico Sul, com grande impacto sobre as rela��es internacionais no quadro do Imp�rio Portugu�s (o que talvez tenha sido mais f�cil de perceber para Boxer devido � sua experi�ncia como oficial num imp�rio em crise).
Um segundo eixo realiza a conex�o do quadro atl�ntico com as diversas regi�es - o que j� se chamou de arquip�lago Brasil - que surgem no alvorecer do s�culo XVIII enquanto uma persistente paisagem brasileira de ilhas - as regi�es - que se tocam por rotas e portos.
Boxer abandona a periodiza��o velha e for�ada que desde Roberto Simonsen - influenciado por Jo�o L�cio de Azevedo - dividia a Hist�ria do Brasil em ciclos econ�micos (pau-brasil, a��car, ouro etc.) como se fossem atividades ou �pocas sucessivas que apontavam para a industrializa��o vindoura, numa t�pica utopia paulista.
Para Boxer o recurso narrativo b�sico reside na emerg�ncia das regi�es - inclusive incorporando �reas ausentes ou frias na historiografia corriqueira, como os campos do Sul ou a Floresta Amaz�nica vistas hoje como cen�rios ricos em Hist�ria - onde se d� a concomit�ncia das atividades econ�micas, desenhando as regi�es atrav�s dos seus produtos, da organiza��o do trabalho, da posse e do uso da terra, deixando entrever as bases de um viver ainda existente.
Tudo isso - o quadro atl�ntico e as diversas regi�es - � conectado por um intenso burburinho, um ir e vir constante de mascates, mulatos e judeus; pelo trabalho escravo, a arte barroca, a autoridade abusiva, moldando uma sociedade original no trato dos grupos sociais e �tnicos. E aqui Boxer, um sahib brit�nico nas �ndias, que viveu entre cipaios e as castas impuras, contribui outra vez, destacando as regras sociais, vis�veis e invis�veis, erguidas sobre o sangue, a cor e o nascimento.
A reedi��o de seu livro, num ano de tantas comemora��es - devidas ou indevidas - � oportuna, particularmente frente � pobreza, paradoxal, de t�tulos publicados sobre a �poca colonial. Mas devemos reconhecer que o livro possui certas marcas reconhec�veis, n�o s� do tempo, como do tipo de historiografia ao qual se vincula. Se tomarmos os dois principais t�tulos surgidos recentemente sobre o mesmo per�odo, o bel�ssimo livro de Luis Filipe Alencastro, "O trato dos viventes", e o importante "Dicion�rio do Brasil Colonial", dirigido por Ronaldo Vainfas, sentimos as diferen�as, bem como o vigoroso crescimento da historiografia brasileira - para qual muito contribuiu Boxer. Dos dois casos, "O trato dos viventes" guarda maior proximidade com a tem�tica de Boxer, posto a explicar a col�nia a partir de uma quadro maior, atl�ntico e africano, consolidado na rica figura de linguagem com que Alencastro batiza o Atl�ntico portugu�s: o anel do atol colonial, trazendo a �frica para o cora��o da Hist�ria do Brasil. Assim, trabalhos como os de Pierre Chaunu, Frederic Mauro e Charles Boxer - os historiadores do mar - frutificam na obra de Alencastro.
Ao compararmos a obra de Boxer face � abund�ncia de fontes, inclusive de novo tipo, e um vigoroso aporte te�rico herdado da antropologia e da Escola dos Anais, ambas as obras parecem mais musculosas que o trabalho de Boxer. Talvez. Talvez apenas uma quest�o de estilo, cultura e tradi��o. Na obra de Boxer, que nesse sentido � profundamente inglesa, as institui��es, as hierarquias e os cargos encontram papel central, muitas vezes explicando uma cultura e um modo de ser. Nem por isso, minhotos, minas e mulatos est�o ausentes ou esquecidos. Ao contr�rio, as quest�es raciais, as no��es de prest�gio e as parentelas desempenham papel central. Como Hist�ria do Brasil e como parte da hist�ria da Hist�ria do Brasil, o relan�amento enriquece o cen�rio editorial e torna-se uma chance para quem n�o leu o pai dos brasilianistas.
O Globo 21/10/2000