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Livro: Pindorama Revisitada
Autor: Nicolau Sevcenko
Editora: Peir�polis
Ano: 2000
N�mero de p�ginas: 120
Sevcenko revisita a Terra dos Buritis
Historiador, em novo estudo, reescreve com brilhantismo aspectos da Hist�ria do Brasil

Ademir Assun��o

N�o � nenhuma novidade que a maioria dos brasileiros desconhece sua (nossa) pr�pria Hist�ria. Sabe Deus e o Diabo quantas raz�es e desraz�es formam o jogo de ocultamento do nosso passado, com reflexos anestesiantes no presente. Mas uma delas parte dos pr�prios livros de Hist�ria, com suas vers�es oficiosas, manipuladoras, chat�rrimas e, ainda por cima, mal escritas. Tamb�m n�o � nenhuma novidade que existem historiadores munidos de um apurado senso de pesquisa, de uma vis�o ampla das movimenta��es sociais e de prop�sitos mais honestos do que aqueles que fixam a eterna vers�o dos vencedores. E h� aqueles que possuem uma aptid�o a mais: sabem escrever. � o caso de Nicolau Sevcenko.
Seu novo livro, Pindorama Revisitada, chama a aten��o pelo texto primoroso. Os quatro ensaios curtos (exceto o �ltimo, que se det�m sobre a cidade de S�o Paulo) e um manifesto possuem uma flu�ncia que valoriza o prazer da leitura. Se a brevidade dos textos deixa escapar detalhes que poderiam ser mais aprofundados, a vis�o aglutinadora capaz de encontrar s�nteses de contextos hist�ricos em poemas, cr�nicas de viagem, pinturas, fotografias e movimentos art�sticos, ampliam a compreens�o da(s) realidade(s) em conflito no tabuleiro da Hist�ria.
No terceiro cap�tulo, Mosaicos Movedi�os - Hist�rias Extraordin�rias das Cidades Brasileiras, por exemplo, Sevcenko recupera um poema de Greg�rio de Matos, escrito em 1680, para sintetizar a total falta de planejamento urbano e a segra��o espacial imposta aos habitantes menos favorecidos da primeira capital brasileira: "� caos confuso, labirinto horrendo,/ Onde n�o topo luz, nem fio amando,/ Lugar de gl�ria, onde estou penando,/ Casa da morte, onde estou vivendo!/ � voz sem distin��o, Babel tremendo,/ Pesada fantasia, sono brando,/ Onde o mesmo, que toco, estou sonhando,/ Onde o pr�prio, que escuto, n�o entendo!"
Nesse mesmo cap�tulo, que explica a forma��o de Canudos a partir do sentimento de um catolicismo de teor epif�nico, apoiado em valores populares de solidariedade, justi�a e eleva��o espiritual, o historiador faz uma h�bil rede de conex�es hist�ricas e busca em um texto de Machado de Assis o fotograma mais contundente da bandalheira especulativa que se espalhou pelo Rio nos primeiros anos da Rep�blica: "Mete dinheiro no bolso. Vende-te bem, n�o compres mal os outros, corrompe e s� corrompido, mas n�o te esque�as do dinheiro, que � com que se compram os mel�es... Make money. E depressa, depressa, antes que o dinheiro acabe." Impressionante como as palavras do velho Machado, escritas h� mais de cem anos, se encaixam como uma luva na realidade atual.
Sevcenko relata como esse contexto de pujan�a econ�mica e exibicionismo das elites, �vida em copiar as modas de Paris e transformar o Rio na fachada de uma capital europ�ia, acabou eclodindo na Revolta da Vacina, em 1904. Obrigada a uma vacina��o compuls�ria contra a var�ola, sem a m�nima explica��o sobre os efeitos colaterais das inje��es, a popula��o revoltada atacou o centro do Rio, destruindo rel�gios, vitrines, bondes e lampi�es de ilumina��o p�blica. A resposta das for�as governamentais, apoiadas em contingentes do Ex�rcito, da Marinha, da Guarda Nacional e at� dos bombeiros, foi sum�ria: "Quem fosse pego pelas ruas e n�o pudesse comprovar endere�o ou emprego fixos, situa��o em que se encontrava a maioria da gente pobre, era preso, desnudado, espancado e lan�ado nos por�es de vapores e, na seq��ncia, sem qualquer julgamento, deportado para os confins da selva amaz�nica, onde era despejado e abandonado � pr�pria sorte", escreve o historiador.
As barbaridades levadas � cabo pelas elites cariocas encontram correspond�ncias na capital paulista. No ensaio S�o Paulo, Laborat�rio Cultural Interdito � enfocada a sucess�o de erros, dem�ncias e grandes jogadas econ�micas que transformou a prov�ncia de pouco mais de 64 mil habitantes, em 1905, na ca�tica metr�pole de quase 22 milh�es de habitantes atualmente. Para as gera��es mais novas � surpreendente acompanhar, inclusive por fotografias, como em pouqu�ssimo tempo os amplos espa�os p�blicos foram sendo destru�dos em favor dos autom�veis, os rios se tornaram esgotos a c�u aberto e a especula��o imobili�ria verticalizou a cidade, trancando a popula��o atr�s de grades, algumas eletrificadas, vigiadas por porteiros e c�meras de v�deo. D�i tamb�m constatar que movimentos art�sticos que movimentaram a capital e introduziram uma linguagem de modernidade, muitas vezes, eram financiados pelas mesmas elites que espoliavam a massa de trabalhadores e miser�veis.
Al�m dos ensaios, Nicolau Sevcenko redige um manifesto em que prop�e um singelo, por�m sincero e generoso, memorial para a constru��o de uma verdadeira cidadania neste pa�s. O texto Jardim de Pindorama: Manifesto para o S�culo 21 recupera a mem�ria ancestral das tribos-p�ssaros e dos povos arco-�ris que aqui habitavam muito antes da chegada dos portugueses e sugere a cria��o de um Jardim Tropical, no centro hist�rico do Rio, onde seriam plantados cem buritis, em c�rculo, cada um representando um ano do novo s�culo. O local seria administrado por ONGs, com custo o mais baixo poss�vel, e independente do dinheiro oficial. Os cem buritis seriam o s�mbolo da vontade de construir, no pr�ximo s�culo, um pa�s realmente justo, com "distribui��o de recursos e oportunidades", "cidadania plena" e "preserva��o das condi��es ambientais". A partir desse memorial simb�lico, as v�rias for�as da sociedade poderiam estabelecer metas para os pr�ximos cem anos, fiscalizar as a��es e cobrar os resultados.
"Pode soar ut�pico, pode parecer simplista, pode ser tido como in�cuo" - escreve Sevcenko. "Mas, se conduzido com determina��o, teria todo o potencial para aglutinar, construir uma figura pol�tica alternativa plena de subst�ncia moral, permitir uma f�cil e l�dica comunicabilidade com a comunidade internacional e proporcionar � popula��o um canal efetivo para deixar sua marca hist�rica de um pa�s que sempre a relegou � sombra e ao sil�ncio."
Em vez de ouvir as idiotices interesseiras de popstars milion�rios seria muito mais proveitoso o Brasil prestar aten��o nos prop�sitos de Sevcenko e das in�meras vozes que est�o relegadas � sombra e ao sil�ncio.
O Estado de S�o Paulo 14/01/2001