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Livro: A Conspira��o da P�lvora
Autora: Antonia Fraser
Editora: Record
Ano: 2000
N�mero de p�ginas: 392
Imbr�glio e repress�o na corte
"A Conspira��o da P�lvora" narra de modo tenso e rigoroso um epis�dio decisivo da hist�ria da Inglaterra

Manolo Florentino

N�o era nada f�cil ser cat�lico na Inglaterra elisabetana (1558-1603). Legalmente n�o se podia celebrar missa -assistir a uma acarretava pesadas multas e pris�o. Um padre podia ser preso e, se acusado de trai��o, a morte era certa. Todos com mais de 16 anos deviam frequentar a igreja protestante aos domingos e dias santos e receber a comunh�o ao menos duas vezes por ano. Os recalcitrantes pagavam um xelim semanal de multa, o que n�o era pouco (considerava-se um pequeno propriet�rio rural aquele que dispusesse de 40 xelins anuais). Os cat�licos n�o podiam batizar seus filhos na igreja de Pedro, e a ningu�m era permitido casar segundo os ritos dela. Na hora da verdade era-lhes negado o sacramento da extrema-un��o. Apesar dos acenos de maior toler�ncia futura, calculadamente distribu�dos para dentro e para fora da Inglaterra antes de sua entroniza��o, nada mudou com Jaime 1� (1603-1625).
Por tudo isso, n�o surpreende que no rastro da pris�o de um certo Johnson, na noite de 5 de novembro de 1605, tenham sido encontrados 36 barris de p�lvora na galeria inferior do Parlamento. A id�ia era mandar pelos ares o rei, sua fam�lia e todo o governo. Apenas a pequena Elisabeth deveria sobreviver para, educada na f� cat�lica, suceder ao pai e p�r termo �s persegui��es aos 35 mil cat�licos ingleses. A posteridade eternizou o epis�dio como a Conspira��o da P�lvora, e William Shakespeare, contempor�neo dos fatos, inspirou-se no malogrado atentado para escrever algumas passagens de "Macbeth". Ainda hoje o 5 de novembro � das mais not�veis festas nacionais inglesas, quando bonecos e cruzes s�o queimados por todas as ruas do pa�s.
Antonia Fraser � a mais recente autora a debru�ar-se sobre os acontecimentos que marcaram t�o profundamente a hist�ria da Inglaterra. O seu "A Conspira��o da P�lvora" esclarece aspectos factuais imprescind�veis � compreens�o do drama cat�lico, por meio de um tratamento quase policial dado a toda a trama. De acordo com ela, repress�o, frustra��o e voluntarismo estiveram no centro dos acontecimentos que envolveram pouco mais de uma dezena de pessoas. Origin�rias de diversas fra��es sociais, elas traziam a marca da resist�ncia �s persegui��es -o parentesco-, j� que as fam�lias cat�licas tendiam a casar entre si. Traziam tamb�m o imponder�vel, pois quando o l�der do movimento, Robert Catesby, relatou os planos dos conspiradores ao padre Tesimond, n�o sabia que este, igualmente sob o sigilo do confession�rio, passaria aflito as novas ao padre Henri Garnet. Embora em v�o procurasse dissuadir os cat�licos, mas sem trair seu voto, Garnet acabou enforcado como c�mplice de todo o imbr�glio.
Uma carta an�nima acabou com a festa (Antonia Fraser finamente indica o autor). Da malograda tentativa aproveitou-se a fra��o pol�tica que gravitava ao redor do rei, capitaneada pelo conde de Salisbury, e consolidou o seu poder. F�-lo -�bvio- mediante o aumento da repress�o aos cat�licos. N�o que Jaime fosse, ele mesmo, intolerante. Gay do tipo depreciador de mulheres, adorava contudo a esposa Ana, com quem chegou a ter oito filhos em apenas 11 anos. Criado para aderir �s rigorosas doutrinas calvinistas escocesas (pa�s onde era rei Jaime 6�, no trono desde 1567), no entanto compartilhava seu c�rculo �ntimo com cat�licos de variados escal�es, a come�ar pela pr�pria esposa, cuja religi�o julgava um exemplo de aberra��o feminina.
Verdadeiramente tolerante Jaime 1� o era -desde que sua seguran�a pessoal n�o estivesse em jogo. Por isso, a partir do momento em que soube que poderia ter ido pelos ares, ele se tornou um algoz implac�vel. Acompanhou pessoalmente alguns interrogat�rios e determinou a utiliza��o de torturas. De uma sala secreta, de onde podia ver sem ser visto, observou os condenados exibidos em um andaime especial no Westminster Hall das oito da manh� �s sete da noite. Cada enforcado teve as partes �ntimas cortadas e queimadas, os intestinos e o cora��o extirpados e cortada a cabe�a. Depois de tudo, as partes do corpo de cada um tornaram-se presas das aves. Afortunado mesmo foi Catesby, cabe�a do movimento: morreu em fuga, abra�ado a um quadro da Virgem Maria.
Suprema ironia: ao dar entrada no dep�sito real, constatou-se que a p�lvora que destruiria Sua Majestade e todo o governo estava deteriorada -isto �, n�o faria nem sequer o estrondo que qualquer cabe�a-de-negro � capaz de produzir. Um prato cheio para o marido de Antonia Fraser, o dramaturgo Harold Pinter.
Folha de S�o Paulo 21/01/2001