"A
Conspira��o da P�lvora" narra de modo tenso e rigoroso um epis�dio
decisivo da hist�ria da Inglaterra
Manolo Florentino
N�o era nada f�cil ser cat�lico na Inglaterra elisabetana (1558-1603).
Legalmente n�o se podia celebrar missa -assistir a uma acarretava pesadas
multas e pris�o. Um padre podia ser preso e, se acusado de trai��o, a morte
era certa. Todos com mais de 16 anos deviam frequentar a igreja protestante aos
domingos e dias santos e receber a comunh�o ao menos duas vezes por ano. Os
recalcitrantes pagavam um xelim semanal de multa, o que n�o era pouco
(considerava-se um pequeno propriet�rio rural aquele que dispusesse de 40
xelins anuais). Os cat�licos n�o podiam batizar seus filhos na igreja de
Pedro, e a ningu�m era permitido casar segundo os ritos dela. Na hora da
verdade era-lhes negado o sacramento da extrema-un��o. Apesar dos acenos de
maior toler�ncia futura, calculadamente distribu�dos para dentro e para fora
da Inglaterra antes de sua entroniza��o, nada mudou com Jaime 1� (1603-1625).
Por tudo isso, n�o surpreende que no rastro da pris�o de um certo Johnson, na
noite de 5 de novembro de 1605, tenham sido encontrados 36 barris de p�lvora na
galeria inferior do Parlamento. A id�ia era mandar pelos ares o rei, sua
fam�lia e todo o governo. Apenas a pequena Elisabeth deveria sobreviver para,
educada na f� cat�lica, suceder ao pai e p�r termo �s persegui��es aos 35
mil cat�licos ingleses. A posteridade eternizou o epis�dio como a
Conspira��o da P�lvora, e William Shakespeare, contempor�neo dos fatos,
inspirou-se no malogrado atentado para escrever algumas passagens de
"Macbeth". Ainda hoje o 5 de novembro � das mais not�veis festas
nacionais inglesas, quando bonecos e cruzes s�o queimados por todas as ruas do
pa�s.
Antonia
Fraser � a mais recente autora a debru�ar-se sobre os acontecimentos que
marcaram t�o profundamente a hist�ria da Inglaterra. O seu "A
Conspira��o da P�lvora" esclarece aspectos factuais imprescind�veis
� compreens�o do drama cat�lico, por meio de um tratamento quase policial
dado a toda a trama. De acordo com ela, repress�o, frustra��o e voluntarismo
estiveram no centro dos acontecimentos que envolveram pouco mais de uma dezena
de pessoas. Origin�rias de diversas fra��es sociais, elas traziam a marca da
resist�ncia �s persegui��es -o parentesco-, j� que as fam�lias cat�licas
tendiam a casar entre si. Traziam tamb�m o imponder�vel, pois quando o l�der
do movimento, Robert Catesby, relatou os planos dos conspiradores ao padre
Tesimond, n�o sabia que este, igualmente sob o sigilo do confession�rio,
passaria aflito as novas ao padre Henri Garnet. Embora em v�o procurasse
dissuadir os cat�licos, mas sem trair seu voto, Garnet acabou enforcado como
c�mplice de todo o imbr�glio.
Uma
carta an�nima acabou com a festa (Antonia Fraser finamente indica o autor). Da
malograda tentativa aproveitou-se a fra��o pol�tica que gravitava ao redor do
rei, capitaneada pelo conde de Salisbury, e consolidou o seu poder. F�-lo
-�bvio- mediante o aumento da repress�o aos cat�licos. N�o que Jaime fosse,
ele mesmo, intolerante. Gay do tipo depreciador de mulheres, adorava contudo a
esposa Ana, com quem chegou a ter oito filhos em apenas 11 anos. Criado para
aderir �s rigorosas doutrinas calvinistas escocesas (pa�s onde era rei Jaime
6�, no trono desde 1567), no entanto compartilhava seu c�rculo �ntimo com
cat�licos de variados escal�es, a come�ar pela pr�pria esposa, cuja
religi�o julgava um exemplo de aberra��o feminina.
Verdadeiramente
tolerante Jaime 1� o era -desde que sua seguran�a pessoal n�o estivesse em
jogo. Por isso, a partir do momento em que soube que poderia ter ido pelos ares,
ele se tornou um algoz implac�vel. Acompanhou pessoalmente alguns
interrogat�rios e determinou a utiliza��o de torturas. De uma sala secreta,
de onde podia ver sem ser visto, observou os condenados exibidos em um andaime
especial no Westminster Hall das oito da manh� �s sete da noite. Cada
enforcado teve as partes �ntimas cortadas e queimadas, os intestinos e o
cora��o extirpados e cortada a cabe�a. Depois de tudo, as partes do corpo de
cada um tornaram-se presas das aves. Afortunado mesmo foi Catesby, cabe�a do
movimento: morreu em fuga, abra�ado a um quadro da Virgem Maria.
Suprema
ironia: ao dar entrada no dep�sito real, constatou-se que a p�lvora que
destruiria Sua Majestade e todo o governo estava deteriorada -isto �, n�o
faria nem sequer o estrondo que qualquer cabe�a-de-negro � capaz de produzir.
Um prato cheio para o marido de Antonia Fraser, o dramaturgo Harold Pinter.