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Livro: O poder das bibliotecas: a mem�ria dos livros no Ocidente
Autores: Marc Baratin e Christian Jacob (organizadores)
Editora: EdUFRJ
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 352
O tesouro de Alexandria 
Especialistas falam sobre a hist�ria das bibliotecas, em ensaios que tratam das disputas pelo saber

Marisa Lajolo

Livros e leitura est�o na moda. Duvida, leitor c�tico? D� uma espiadinha em La�os de fam�lia. O caso � que no hor�rio nobre da Globo, entre hospitais e cavalari�as, uma livraria disputa o cen�rio: Toni Ramos comenta e recomenda livros e autores e a emissora jura que n�o � merchandising. Quem diria, n�o � mesmo? Afinal a TV n�o era a vil� da leitura? Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
Digamos ent�o, para temperar a leitura light dos freq�entadores da livraria global, que chega � pra�a o sisudo e elegant�ssimo volume de ensaios O poder das bibliotecas: a mem�ria dos livros no Ocidente, com dire��o de Marc Baratin e Christian Jacob, e tradu��o primorosa de Marcela Mortara, com grife da Editora da UFRJ. Resultado do evento ''Alexandria ou a mem�ria do saber'', que ocorreu na Fran�a em junho de 1993, no livro tem de um tudo, como se diz no interior.
Ao longo de suas quase 350 p�ginas, sucedem-se 14 textos de recorte ensa�stico. Cada um deles tem sempre como tema a biblioteca e seus arredores. Alguns cuidam de bibliotecas espec�ficas, e a de Alexandria rouba a cena das outras. Para pasmo dos desinformados como eu, ficamos sabendo de pr�ticas pouco ortodoxas de montagem de seu acervo, como, por exemplo, o confisco de livros de viajantes.
Outros ensaios ocupam-se de quest�es gerais, abordando desde a historicidade da institui��o biblioteca at� uma instigante leitura da classifica��o de livros como uma esp�cie de taxinomia do conhecimento. Povoam os ensaios personagens t�o austeros quanto Erat�stenes de Cirene, um dos bibliotec�rios da legend�ria Biblioteca de Alexandria, ou o poeta Cal�maco, seu meio colega. Do elenco de estrelas participa tamb�m Gabriel Naud�. Autor de obras de libertinagem erudita, o que o introduz em t�o seleta companhia, no entanto, � seu Advis pour dresser une biblioth�que ( 1627). Neste livro, sensibilizado pela massa de informa��es que a partir da Renascen�a disputava leitores, ele formula uma precoce discuss�o de problemas de biblioteconomia.
O conjunto de ensaios enla�a, em torno da no��o hist�rica e metaf�sica de biblioteca, formula��es de ponta de diferentes disciplinas que est�o hoje na linha de frente dos estudos de humanidades: a hist�ria das mentalidades, a hist�ria do livro, a hist�ria e a sociologia da leitura de seus agentes e de seus rituais, hist�ria e arqueologia das pr�ticas culturais e da escrita. S�o estes saberes espec�ficos que, ao longo dos ensaios, se v�o conjugando para uma vis�o - a meu ver um tantinho otimista demais - do papel da institui��o biblioteca.
Como j� indica o t�tulo da obra, esta colet�nea de ensaios concebe a biblioteca como institui��o-emblema do poder que livros, leituras e leitores foram adquirindo na hist�ria do Ocidente.
Ser� pertinente a pretens�o? Talvez seja. Se n�o verdadeira, a tese � ao menos veross�mil: representaram-na obras da melhor tradi��o ficcional do Ocidente, onde em v�rios momentos a biblioteca � arena de luta. Em 1605, a disputa entre a raz�o e a insanidade de D.Quixote tem por palco a biblioteca do fidalgo, logo depois expurgada pelo zeloso cura. Em 1704, The battle of the books, de J.Swift, encena a disputa das vanguardas pelo poder nas letras em uma biblioteca. E, finalmente, o sinistro Frei Jorge de O nome da Rosa, de nosso contempor�neo Umberto Eco, se n�o � literalmente um bibliotec�rio, � com certeza um zeloso guardi�o de manuscritos.
Mas o caso � que no estudo deste espa�o, concebido como cen�rio privilegiado de constitui��o e disputa de diferentes poderes, h� um grande ausente: o leitor. Aprendemos neste livro que, na Antiguidade, a Biblioteca era local para armazenar e preservar conhecimento (livros) e n�o, como hoje a concebemos, espa�o para sua difus�o. Ou seja, o leitor chegou tarde na hist�ria ... ali�s, em todas as hist�rias, se lembrarmos que s�o muito recentes - datam do final dos anos 60 - os estudos liter�rios incluem em sua formula��o leituras e leitores.
Leitores que, de resto, tamb�m n�o comparecem � j� mencionada novela global, onde os coment�rios e os gestos de leitura restringem-se, quase sempre, aos profissionais dela, isto �, livreiro e revisor. Os quais, se lerem o livro de que aqui se fala, aprender�o que, como figurantes da historia dos livros e da leitura, t�m uma longa trajet�ria que remonta ao tempo do papiro, do pergaminho e do manuscrito. E da biblioteca.
Jornal do Brasil 20/01/2001