Historiador desfaz
as brumas que envolvem os m�sticos monges-guerreiros que protegiam os
peregrinos cat�licos na Idade M�dia
Francisco Jos� P. N. Vieira
"Trabalho numa editora e numa editora aparecem s�bios e loucos. � fun��o
do redator reconhecer os loucos num golpe de vista. Quando algu�m aparece com
essa dos templ�rios � quase sempre um louco'', dizia aquele personagem de O p�ndulo
de Foucault, de Umberto Eco. Apesar de tratar de templ�rios, a obra de Piers
Paul Read n�o pode ser considerada como mais uma loucura. Formado em Hist�ria
pela Universidade de Cambridge, autor de romances e ganhador de importantes pr�mios
liter�rios, Read nos apresenta uma interessante obra sobre os cavaleiros guardi�es
do Templo de Salom�o, em Jerusal�m.
O assunto, como caricaturou Eco, j� foi muit�ssimo explorado e raro � aquele
que, possuidor de um cultura mediana, n�o tenha ouvido falar nos templ�rios. O
nome soa sempre misterioso, m�stico, cheio de refer�ncias fantasiosas a
Cruzadas, fogueiras, cavaleiros andantes e heresias - clich�s que povoam o
imagin�rio ligado � Idade M�dia. Muito se escreveu a respeito dos templ�rios,
explorando misticismos e esoterismos inexistentes, o que ajudou a confundir mais
do que explicar. Aqui estamos diante de um trabalho s�rio que procura ''limpar
o terreno'', sem pretens�es maiores do que relatar cronologicamente a hist�ria
da Ordem dos Cavaleiros do Templo, que existiu oficialmente entre 1119 e 1314.
Baseado em obras cl�ssicas da historiografia medieval, sobretudo inglesa, Read
n�o prop�e uma tese original nem apresenta mais uma nova vers�o para o
destino dos templ�rios. O valor deste livro de agrad�vel e f�cil leitura est�
justamente na sua capacidade de se ater aos fatos, permitindo ao leitor
acompanhar a trajet�ria dessa ordem religiosa composta de guerreiros e que em
determinado momento foi uma corpora��o multinacional poderosa, riqu�ssima e
que influiu nos destinos dos reinos medievais e que ao longo do tempo, ficou t�o
envolta em mist�rios e lendas.
A
obra se divide em tr�s partes. Na primeira, encontramos uma s�ntese hist�rica
das tr�s religi�es que disputariam ao longo do tempo o Templo de Salom�o, ou
seja, o juda�smo, o cristianismo e o islamismo. Apresenta um resumo da hist�ria
do Oriente M�dio, e sobretudo de Jerusal�m, desde as origens judaicas,
passando pelas conquistas romanas, �rabes e finalmente chegando �s Cruzadas
empreendidas pelos crist�os europeus para libertar os lugares santos.
A
segunda parte do livro relata a cria��o da Ordem do Templo e sua atua��o.
Fundado o reino crist�o de Jerusal�m, estendendo-se de Beirute a Gaza, seus
governantes europeus viviam na inseguran�a, assim como os peregrinos que se
dirigiam aos locais santos. Desta forma, o rei e o patriarca de Jerusal�m
aprovaram os estatutos da ordem dos ''Pobres Soldados de Jesus Cristo'', que
garantiria a seguran�a dos crist�os. Como o rei instalara os monges-guerreiros
no pr�prio pal�cio real, localizado na mesquita conquistada de al-Aqsa, na
borda sul do monte do Templo de Salom�o, os cavaleiros da ordem ficariam
conhecidos como os Cavaleiros do Templo, ou simplesmente os templ�rios. Sua
constitui��o sofreu forte influ�ncia do monaquismo de Cluny e pobreza,
castidade e obedi�ncia faziam parte de sua regra, n�o impedindo que a ordem
acumulasse riquezas, terras e prest�gio. Logo ela se tornaria uma for�a
militar de monges guerreiros, �nica na hist�ria das institui��es crist�s,
al�m de constituir o primeiro ex�rcito permanente uniformizado do mundo
ocidental.
Os
monges administravam uma grande quantidade de propriedades e realizavam opera��es
banc�rias internacionais, visto o lastro que possu�am e a seguran�a no
transporte de valores, num momento de extrema inseguran�a nas estradas. Dentre
seus devedores estavam os principais soberanos do mundo ocidental. Contavam com
cerca de 50 comunidades e castelos em meados do s�culo 12 na Europa Ocidental e
dentre eles o castelo de Tomar, que mais tarde abrigaria a Ordem de Cristo,
sucessora em Portugal da Ordem do Templo depois que esta foi extinta. O que mais
fascina e d� margem a muitas hist�rias fantasiosas � a possibilidade de os
templ�rios terem deixado Jerusal�m, depois desta ter sido reconquistada pelos
�rabes, levando os tesouros do Templo de Salom�o que inclu�am o Santo Graal -
para uns o c�lice onde Jos� de Arimat�ia teria recolhido o sangue do Cristo,
para outros o c�lice da �ltima ceia de Cristo.
A
terceira e �ltima parte da obra enfoca a queda dos cavaleiros do Templo.
Poderosa demais, numa Europa que come�ava a perder suas caracter�sticas
feudais e esbo�ava os primeiros passos em dire��o � forma��o dos Estados
nacionais, a Ordem do Templo constitu�a uma amea�a aos soberanos endividados.
A queda teve in�cio com as derrotas no Oriente, mas tamb�m se deveu ao fato de
a Ordem ficar restrita ao mundo ocidental europeu. E seu golpe mortal viria da
Fran�a, dado pelo rei Felipe o Belo, que conseguiu junto � Igreja a abertura
de um processo contra os monges, agora acusados de blasf�mias, heresia e
sodomia. �ltimo gr�o-mestre da ordem, Tiago de Molay, foi queimado vivo na
ilha de S�o Lu�s, Paris, depois de sofrer terr�veis torturas. A Ordem dos
Templ�rios foi extinta pelo papa Clemente V em 1312 e seus bens, que n�o eram
poucos, foram entregues � Coroa.
Tudo
isso pode parecer muito distante, envolto nas brumas medievais. No entanto, esse
livro nos fala da regi�o que hoje ainda vive conflitos de dif�cil solu��o,
marcada pelas disputas pelos mesmos lugares santos do tempo das Cruzadas. Parece
que essa hist�ria iniciada h� s�culos ainda n�o acabou no Oriente M�dio.
Basta lembrar que foi a visita do pol�tico israelense Ariel Sharon, l�der do
Likud, em setembro de 2000, � mesquita de al-Aqsa, no Templo de Salom�o (sede
dos templ�rios), o estopim dos recentes confrontos violentos entre palestinos e
judeus.
Inevit�vel,
ao se ler o hist�rico dessa regi�o, pensar como esse local � marcado por
guerras, e talvez ser� sempre motivo de disputa entre as tr�s grandes religi�es
monote�stas.
Certamente
esse � um livro destinado �queles que, neste ver�o carioca, com Rock in Rio
acontecendo, n�o se importam de serem reconhecidos como loucos por ainda se
interessarem pelos templ�rios.