Villegagnon
e a Fran�a Ant�rtica, o livro de Vasco Mariz e Lucien Proven�al,
editado ao se apagarem as luzes do ano 2000, tem por subt�tulo "Uma
reavalia��o". � precisamente isso que o define e o qualifica. Editado em
colabora��o com a Biblioteca do Ex�rcito, o simp�tico volume prop�e - e
atinge em cheio seu alvo - a recupera��o hist�rica de um dos mais ultrajados
personagens do come�o da hist�ria do Rio de Janeiro, o almirante franc�s
Nicolas Durand de Villegagnon.
O livro, criado pela compet�ncia do pesquisador e embaixador Vasco Mariz - a
quem o pa�s deve robustos ensaios sobre a m�sica brasileira - reafirma
verdades que, como todas as verdades institu�das ou formais, precisam ser
perfiladas e proclamadas. Especialmente agora, quando j� est�o terminando os t�o
tumultuados festejos dos 500 anos do Brasil.
Com
efeito, Vasco e seu parceiro franc�s, por sinal almirante da mesma Marinha de
Villegagnon, reconstituem uma das mais faiscantes biografias do s�culo XVI.
Porque Villegagnon n�o foi apenas interessante por ter participado do come�o
da funda��o do Rio. Ele foi muito mais. Foi estadista militar e intelectual de
boa cepa que trocava cartas com Ronsard, Montaigne e Calvino, al�m de amigo de
tr�s reis de Fran�a. Portanto, a altura pol�tica e os atos her�icos de
Villegagnon surpreendem e encantam o leitor. Como, por exemplo, o seq�estro da
ainda menina Maria Stuart, retirada das brumas da Esc�cia atrav�s de uma
espetacular a��o militar por ele planejada. E realizada com tal sucesso que
deixou a j� poderosa armada da Gr�-Bretanha a ver, literalmente, navios.
O
epis�dio - que o consagrou em toda a Europa renascentista como um grand
chevalier e um estrategista - ocorreu bem antes de sua frustrada empreitada �s
margens da ba�a de Guan�-bar�. Pois deste modo � ba�a se referia, em cartas
daqui enviadas, o pr�-fundador do Rio, consagrando-lhe pela primeir�ssima vez
tanto o nome quanto a pros�dia tupinamb�, que a tornava uma palavra ox�tona.
Portanto, e antes de qualquer outra considera��o, a figura de Villegagnon nos
ser�, a partir da recupera��o hist�rica que o livro prop�e, objeto de justo
orgulho e de absor��o oficial. N�s, cariocas, com certeza, passaremos a lhe
dever aten��o e melhor reconhecimento.
Mas,
por que, afinal, Villegagnon passou mais de quatrocentos anos no limbo da hist�ria
do Rio e do Brasil? Por duas raz�es, que se entrela�am e se co-responsabilizam
na trama sibilina do degredo da mem�ria na rolagem dos s�culos. A primeira, �
claro, porque a hist�ria oficial � sempre feita pelos vencedores. E os
portugueses, que acabaram por destruir Henriville em 1560, quando Villegagnon
estava em Paris (� procura de refor�os para sua col�nia carioca) jamais iriam
proclamar que o Rio de Janeiro foi pr�-fundado pelos franceses.
A
segunda raz�o � porque Villegagnon mereceu cita��o desabonada de Jean de L�ry
em todas as m�ltiplas edi��es que se tiraram, nesses quatro s�culos, de seu
belo livro, a principal fonte de informa��es sobre o que ocorreu na Fran�a
Ant�rtica. Subs�dio secund�rio veio a ser o livro do padre Andr� Thevet,
aliado do vice-rei franc�s no Rio. Ele o defendeu com unhas e dentes, apesar de
aqui ter permanecido apenas tr�s meses, quando ainda n�o havia por enlamear -
e destruir - o primeiro n�cleo civilizat�rio europeu no Rio.
Villegagnon
era um austero cat�lico, cavaleiro de Malta, que soube promover entrosamento e
parceria com os �ndios do Brasil, especialmente com o lend�rio cacique
tupinamb� Cunhambebe. Sempre foi dif�cil para os historiadores aceitarem que
seu sonho de instalar nos tr�picos uma p�tria francesa foi frustrado sobretudo
pelos embates religiosos, que acabariam por mergulhar a Fran�a - sempre
investigadora e propulsora de novas id�ias e ideais - na guerra civil. E que
culminariam com a trag�dia que foi a noite de S�o Bartolomeu, menos de 20 anos
depois da expedi��o francesa � Guan�-bar�. Mas foi precisamente isso o que
ocorreu.
Portanto,
com Villegagnon, o Rio nasceu pluralista, universalista, inundado pelos
confrontos intelectuais. O Rio nasceu, hel�s!, com uma figura lend�ria da
Renascen�a, reconhecido her�i em todas as cortes da Europa. A exce��o, por
certo, da corte portuguesa, que nele n�o via - e n�o deveria mesmo ver -
nenhuma gra�a. Nem encanto.