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Livro: Villegagnon e a Fran�a Ant�rtica
Autores: Vasco Mariz e Lucien Proven�al
Editora: Nova Fronteira
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 211
O resgate de Nicolas Durand de Villegagnon

Ricardo Cravo Albim

Villegagnon e a Fran�a Ant�rtica, o livro de Vasco Mariz e Lucien Proven�al, editado ao se apagarem as luzes do ano 2000, tem por subt�tulo "Uma reavalia��o". � precisamente isso que o define e o qualifica. Editado em colabora��o com a Biblioteca do Ex�rcito, o simp�tico volume prop�e - e atinge em cheio seu alvo - a recupera��o hist�rica de um dos mais ultrajados personagens do come�o da hist�ria do Rio de Janeiro, o almirante franc�s Nicolas Durand de Villegagnon.
O livro, criado pela compet�ncia do pesquisador e embaixador Vasco Mariz - a quem o pa�s deve robustos ensaios sobre a m�sica brasileira - reafirma verdades que, como todas as verdades institu�das ou formais, precisam ser perfiladas e proclamadas. Especialmente agora, quando j� est�o terminando os t�o tumultuados festejos dos 500 anos do Brasil.
Com efeito, Vasco e seu parceiro franc�s, por sinal almirante da mesma Marinha de Villegagnon, reconstituem uma das mais faiscantes biografias do s�culo XVI. Porque Villegagnon n�o foi apenas interessante por ter participado do come�o da funda��o do Rio. Ele foi muito mais. Foi estadista militar e intelectual de boa cepa que trocava cartas com Ronsard, Montaigne e Calvino, al�m de amigo de tr�s reis de Fran�a. Portanto, a altura pol�tica e os atos her�icos de Villegagnon surpreendem e encantam o leitor. Como, por exemplo, o seq�estro da ainda menina Maria Stuart, retirada das brumas da Esc�cia atrav�s de uma espetacular a��o militar por ele planejada. E realizada com tal sucesso que deixou a j� poderosa armada da Gr�-Bretanha a ver, literalmente, navios.
O epis�dio - que o consagrou em toda a Europa renascentista como um grand chevalier e um estrategista - ocorreu bem antes de sua frustrada empreitada �s margens da ba�a de Guan�-bar�. Pois deste modo � ba�a se referia, em cartas daqui enviadas, o pr�-fundador do Rio, consagrando-lhe pela primeir�ssima vez tanto o nome quanto a pros�dia tupinamb�, que a tornava uma palavra ox�tona. Portanto, e antes de qualquer outra considera��o, a figura de Villegagnon nos ser�, a partir da recupera��o hist�rica que o livro prop�e, objeto de justo orgulho e de absor��o oficial. N�s, cariocas, com certeza, passaremos a lhe dever aten��o e melhor reconhecimento.
Mas, por que, afinal, Villegagnon passou mais de quatrocentos anos no limbo da hist�ria do Rio e do Brasil? Por duas raz�es, que se entrela�am e se co-responsabilizam na trama sibilina do degredo da mem�ria na rolagem dos s�culos. A primeira, � claro, porque a hist�ria oficial � sempre feita pelos vencedores. E os portugueses, que acabaram por destruir Henriville em 1560, quando Villegagnon estava em Paris (� procura de refor�os para sua col�nia carioca) jamais iriam proclamar que o Rio de Janeiro foi pr�-fundado pelos franceses.
A segunda raz�o � porque Villegagnon mereceu cita��o desabonada de Jean de L�ry em todas as m�ltiplas edi��es que se tiraram, nesses quatro s�culos, de seu belo livro, a principal fonte de informa��es sobre o que ocorreu na Fran�a Ant�rtica. Subs�dio secund�rio veio a ser o livro do padre Andr� Thevet, aliado do vice-rei franc�s no Rio. Ele o defendeu com unhas e dentes, apesar de aqui ter permanecido apenas tr�s meses, quando ainda n�o havia por enlamear - e destruir - o primeiro n�cleo civilizat�rio europeu no Rio.
Villegagnon era um austero cat�lico, cavaleiro de Malta, que soube promover entrosamento e parceria com os �ndios do Brasil, especialmente com o lend�rio cacique tupinamb� Cunhambebe. Sempre foi dif�cil para os historiadores aceitarem que seu sonho de instalar nos tr�picos uma p�tria francesa foi frustrado sobretudo pelos embates religiosos, que acabariam por mergulhar a Fran�a - sempre investigadora e propulsora de novas id�ias e ideais - na guerra civil. E que culminariam com a trag�dia que foi a noite de S�o Bartolomeu, menos de 20 anos depois da expedi��o francesa � Guan�-bar�. Mas foi precisamente isso o que ocorreu.
Portanto, com Villegagnon, o Rio nasceu pluralista, universalista, inundado pelos confrontos intelectuais. O Rio nasceu, hel�s!, com uma figura lend�ria da Renascen�a, reconhecido her�i em todas as cortes da Europa. A exce��o, por certo, da corte portuguesa, que nele n�o via - e n�o deveria mesmo ver - nenhuma gra�a. Nem encanto.
O Globo 17/02/2001