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Livro: Ant�nio Vieira, Serm�es
Autor: Alcir P�cora (organizador)
Editora: Hedra
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 663
Palavras que frutificam
A obra do padre Ant�nio Vieira � lan�ada numa edi��o bem cuidada. J� n�o era sem tempo

Por v�rias d�cadas, s� existiram dois caminhos para quem quisesse aprofundar-se na bel�ssima obra do padre Ant�nio Vieira (1608-1697). Um deles era trazer de Portugal a edi��o completa da Lello & Irm�o, cara e em quinze tomos. O outro era contentar-se com livrinhos brasileiros que, quando muito, reproduzem meia d�zia das mais de 200 pe�as de orat�ria escritas pelo jesu�ta. Entre esses dois extremos, nada. Eis agora uma boa nova: a editora Hedra est� lan�ando uma cole��o das obras de Vieira, em quatro volumes. O primeiro (663 p�ginas;) j� est� circulando e traz 25 serm�es importantes. O pr�ximo ter� mais 25 serm�es e os dois seguintes conter�o um material interessante e pouco conhecido: amostras de suas cartas e de seus textos prof�ticos. A organiza��o ficou a cargo de Alcir P�cora, maior especialista brasileiro em Vieira, e a edi��o � caprichada. Traz p�ginas em fac-s�mile, cronologia da vida do autor, tradu��o das cita��es em latim e localiza��o das passagens b�blicas que ele menciona.
Se algu�m por a� duvida que um lan�amento como esse � precioso, vale citar alguns fatos universalmente aceitos a respeito de Ant�nio Vieira. Ele foi um personagem central tanto na cultura quanto na pol�tica do s�culo XVII. Foi emin�ncia parda no reinado de dom Jo�o IV, montou miss�es no Brasil, serviu como diplomata na Holanda, na Fran�a e em Roma, enfrentou os tribunais da Inquisi��o, emprestou seu brilho � corte de Cristina da Su�cia e chegou a receber convite para ser o pregador do papa. Muitos o consideram o maior orador de seu tempo � e ele de fato atra�a enxames de pessoas �s suas missas. Mas, se isso n�o bastar para convencer os incr�dulos, aqui vai uma opini�o de peso, do poeta Fernando Pessoa, a respeito de sua habilidade liter�ria: "Vieira foi o maior artista da l�ngua portuguesa". O homem, em poucas palavras, foi uma das gl�rias do per�odo barroco.
O consenso em torno de Vieira, no entanto, acaba justamente na constata��o de sua grandeza. Depois disso, o que h� � uma multid�o de interpreta��es conflitantes. A tal ponto que se torna divertido comparar a situa��o dos cr�ticos contempor�neos com aquela dos pregadores a quem Vieira ataca em uma de suas obras mais famosas, o Serm�o da Sexag�sima. O serm�o foi proferido em Lisboa, no ano de 1655. Ao seu autor interessava saber o motivo de a prega��o cat�lica estar surtindo pouco efeito entre os crist�os. "Sendo a palavra de Deus t�o eficaz e t�o poderosa", pergunta ele, "como vemos t�o pouco fruto da palavra de Deus?" Depois de muito arrazoar, Vieira conclui que a culpa � dos pr�prios padres. "Eles pregam palavras de Deus, mas n�o pregam a palavra de Deus", afirma. Dito de outra maneira, o jesu�ta reclama daqueles que torcem o texto da B�blia para defender interesses mundanos. Sem tirar nem p�r, a mesma repreens�o poderia ser feita contra aqueles que "semeiam" os textos de Ant�nio Vieira hoje em dia.
O padre parece adaptar-se a todos os gostos. H� um Vieira marxista, um Vieira liberal e at� um Vieira multiculturalista. Os marxistas gostam de citar serm�es como o de Santo Ant�nio (1642), no qual o jesu�ta prega contra os privil�gios da nobreza, e afirmam que ele defendia a id�ia de "justi�a distributiva". Liberais v�em no Serm�o XIV, que fala sobre escravid�o, um ind�cio de que ele foi "o primeiro abolicionista moderno". Finalmente, serm�es sobre os �ndios ou a toler�ncia com os judeus servem para pintar um Vieira "relativista", para quem todas as culturas teriam igual direito � exist�ncia. Mas esses leitores se esquecem das evid�ncias contr�rias �s suas teses. Os marxistas n�o reparam que Vieira subscrevia a "metaf�sica social" de sua �poca, na qual o nobre � sempre nobre, o clero � sempre clero e o povo sempre povo. N�o h� lugar para revolu��es em seu pensamento. J� os que falam em abolicionismo n�o mencionam que no mesmo Serm�o XIV ele justifica o tr�fico negreiro como sendo uma "primeira transmigra��o", que tiraria os africanos do paganismo e os aproximaria da salva��o. Quanto aos multiculturalistas, esquecem-se de que liberdade, para Vieira, era liberdade no interior da Igreja. Ai do �ndio que n�o se convertesse. Seu destino era o inferno. "As pessoas querem salvar Vieira de sua pr�pria �poca, isolando um ou outro aspecto de sua obra. � uma estrat�gia desastrada", diz Alcir P�cora. O estudioso tem se esfor�ado para mostrar que cada texto do jesu�ta forma uma unidade "teol�gico-pol�tico-ret�rica" e � dif�cil n�o simpatizar com seu projeto.
Deve-se reconhecer, por�m, que ler Vieira atentando para todas as nuances teol�gicas e hist�ricas pode causar mais suores do que uma sess�o de "aer�bica do Senhor" com o padre Marcelo Rossi. � tarefa para especialistas. O que � para todos � o prazer de sua leitura. Nos estreitos limites que as regras da orat�ria lhe impunham, ele sabia manipular como ningu�m as refer�ncias b�blicas, trabalhar as imagens e argumenta��es e manter o ritmo musical das frases. Vieira considerava os seus serm�es "choupanas" em vez de "pal�cios". E n�o gostava que fossem lidos de maneira puramente est�tica. Quanto ao primeiro ponto, ele estava errado. Quanto ao segundo, n�o h� pecado em se deleitar com esses textos maravilhosos. Leia Vieira. Suas palavras sempre frutificam.
29/01/2001