Livro: O
�ndio brasileiro e a Revolu��o Francesa: as origens brasileiras
da teoria da bondade natural
Autor: Afonso
Arinos de Melo Franco
Editora: Topbooks
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 318
O �ndio e as virtudes revolucion�rias
Livro esgotado h� 25 anos, agora reeditado,
mostra o quanto ensaios filos�ficos e narrativas liter�rias, inspirados no �ndio
brasileiro, influenciaram os revolucion�rios do s�culo XVIII
Edson Luiz Andr� de Sousa
O livro de Afonso Arinos O
�ndio brasileiro e a Revolu��o Francesa desenha a genealogia de uma
na��o que vai se construindo por meio das palavras e imagens geradas no
encontro do sonho europeu com a pot�ncia da natureza tropical . O leitor �
convidado a viajar em in�meros textos, desde os cl�ssicos relatos de viagem
(Hans Staden, Andr� Thevet, Jean de Lery) �s obras filos�ficas de dezenas de
fil�sofos europeus que viam no Brasil uma inspira��o e confirma��o para
suas teses sobre a natureza do esp�rito humano. N�o podemos esquecer que a
realidade da qual somos ainda hoje tribut�rios � resultado destes infind�veis
tr�nsitos de id�ias, de resist�ncias, de decep��es e de esperan�as
tra�ados por sobre o Atl�ntico. O autor mostra o quanto ensaios filos�ficos e
narrativas liter�rias, inspirados no �ndio brasileiro, influenciaram o
esp�rito dos revolucion�rios franceses do s�culo XVIII.
Livro esgotado h� quase 25 anos, esta obra encontra agora sua terceira
edi��o; a primeira data de 1937. Foram necess�rios 40 anos para uma segunda
edi��o. Estes longos intervalos dizem bem de uma certa cegueira que constitui
a cultura e o mercado editorial brasileiro. Tamb�m � preciso sublinhar a
cegueira europ�ia e particularmente a francesa, pois � inconceb�vel que um
livro de qualidade como este ainda n�o tenha tradu��o em franc�s.
Trata-se
de uma obra ambiciosa, pois percorre as influ�ncias que o �ndio brasileiro
gerou em tr�s s�culos de pensamento filos�fico. O s�culo XVI cunhou uma
palavra que d� forma a um dos paradigmas mais essenciais da vida humana, tanto
na sua esfera privada como no la�o social compartilhado: a utopia. Afonso
Arinos transita pela obra de Thomas Morus Utopia, publicada em 1516, mostrando
as influ�ncias que este texto sofreu das cartas de Am�rico Vesp�cio. A utopia
foi ent�o inspirada em grande parte no Brasil, indicando o lugar preciso em que
nosso pa�s foi tomado pelos fil�sofos idealistas europeus.
Uma
parte do pensamento europeu encontrava nestas terras uma renova��o da vida e
um novo discurso sobre as virtudes da natureza. Esta teoria da raz�o natural,
que estar� presente de forma marcante at� o s�culo XVIII, poderia ser
resumida em duas afirma��es presentes no texto de Thomas Morus: "a
virtude consiste em se viver segundo a natureza" e "quem obedece a
raz�o escuta a voz da natureza" (p. 142).
Um
exemplo contundente e que foi muito bem explorado por Afonso Arinos diz respeito
a quest�o do aleitamento materno. Este h�bito comum �s �ndias brasileiras
n�o tinha boa acolhida na Europa. As mulheres das classes abastadas costumavam
entregar seus filhos a amas de leite, pagas para esta fun��o. Encontraremos
rea��es a esta pr�tica na Utopia de Morus, nos textos de Erasmo e, sobretudo,
no cl�ssico Em�lio, de Jean Jacques Rousseau. Afonso Arinos revela que a obra
que motivou a reda��o deste livro foi o hist�rico ensaio de Montaigne sobre
os canibais. E podemos mesmo perceber que a espinha dorsal do seu texto �
justamente mostrar os ecos que Montaigne vem provocar na reflex�es de
Jean-Jacques Rousseau.
Ao
mergulhar na hist�ria de vida e das id�ias de Montaigne, o leitor se confronta
a uma s�rie de detalhes e observa��es cuidadosamente descritos por Arinos e
que fazem com que o texto fil�sofico possa ser lido com outras lentes.
Montaigne era filho de uma portuguesa judia e � surpreendente constatar que
todo seu humanismo, cultura e raz�o n�o o impediram de sucumbir ao males que
ele tanto denunciava. Montaigne chega a revelar em seus ensaios ter perdido um
certo n�mero de filhos pequeninos, sem que se lembre ao certo o n�mero deles.
Afonso Arinos, neste ponto, aproveita para alfinetar este abismo, as vezes t�o
recorrente, entre vida e obra: "-se por esse simples e terr�vel
exemplo a que ponto de desumanidade natural a filosofia chegava a levar um
humanista te�rico" (p. 188).
A
an�lise das id�ias do s�culo XVIII � mais sucinta, pois Arinos o situa em
sua argumenta��o como um s�culo de tr�nsito, em que se consolida o rigor
cient�fico e no qual "come�a a grande era da l�gica e da exata
raz�o" (p. 217). O autor percorre alguns textos importantes tentando
buscar sempre o fio condutor das id�ias pelas conex�es entre textos e
leitores. Por exemplo: encontra na Tempestade, de Shakespeare, a leitura que
este fez dos ensaios sobre os canibais de Montaigne. Calib�, o homem americano
shakespeareano, est� longe de representar a bondade natural. Este cap�tulo
finaliza com uma curiosa hist�ria de papagaio, considerada a primeira anedota
de papagaio no Brasil, contada por John Locke em seu famoso texto Ensaio
filos�fico sobre o entendimento humano. Afonso Arinos percebe a� a simbologia
que aos poucos ia se criando acerca do que ele nomeia como a "matreirice
mesti�a" (p. 214).
O
cap�tulo sobre a influ�ncia do �ndio brasileiro nas id�ias do s�culo XVIII
� um dos pontos altos deste livro. Partindo da trilogia b�sica da Revolu��o
Francesa - liberdade, igualdade, fraternidade -, � que Afonso Arinos enfatiza a
liga��o �ntima com a teoria da bondade natural do homem, teoria grandemente
influenciada pela figura mitol�gica do �ndio brasileiro.
Documenta
sua tese percorrendo com cuidado e eleg�ncia estil�stica as obras de
fil�sofos como Montesquieu, Voltaire, Diderot, Rousseau. � na obra deste
�ltimo que se pode ver o tr�nsito da id�ia de bondade natural em tr�s
momentos distintos: como princ�pio filos�fico e moral (s�c. XVI), como
doutrina jur�dica (s�c. XVII) e como teoria pol�tica (s�c. XVIII). Ao
percorrer o universo de Rousseau sobre as teses da bondade natural, percebe-se a
tens�o tr�gica em sua vida entre o romantismo fervoroso e a estagna��o
melanc�lica.
O
leitor percorre uma hist�ria das id�ias como se estivesse lendo um romance,
pois Afonso Arinos consegue associar rigor conceitual com um estilo ousado. Em
muitos momentos somos presenteados com um pequeno detalhe que ilumina a cena que
ele analisa. � espetacular a descri��o que faz do desfile dos �ndios em
Rouan, em 1550, na c�lebre cena brasileira oferecida ao rei Henrique II e sua
esposa Catarina de M�dicis. A hist�ria deste grande teatro de rua - que teve
muita repercuss�o na Europa - nos esclarece sobre o lugar que o mito do bom
selvagem exercia nos esp�ritos europeus.
Afonso
Arinos escreveu este texto entre os 29 e 31 anos de idade. Esta "obra de
mocidade", como ele mesmo a nomeia, � pe�a fundamental da maturidade da
reflex�o brasileira. Leitura necess�ria para que o Brasil possa conhecer mais
o Brasil.