Livro: Homens de Neg�cios: a interioriza��o da metr�pole e do com�rcio nas Minas Setecentistas
Autora: J�nia Ferreira
Furtado
Editora: Hucitec
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 289
Como enriquecer com os neg�cios nas Minas dos
setecentos
Na col�nia, onde as rela��es se assentavam
na depend�ncia e favorecimento, era vital para quem quisesse ascender
socialmente conhecer quem tivesse influ�ncia na Corte
Adelto Gon�alves
Sem imprensa - que era proibida -, o Brasil colonial informava-se por
meio da rede de correspond�ncias que os homens de neg�cio estabeleciam para
fazer as suas transa��es e aumentar seus cabedais. Com isso, os indiv�duos
tornaram-se muito mais atentos ao cotidiano e, com as cartas que trocavam,
acabaram produzindo, sem o saber, um testemunho precioso dos costumes e da vida
social de seu tempo.
O m�rito de J�nia Ferreira Furtado, professora de Hist�ria da Universidade
Federal de Minas Gerais, foi resgatar essas informa��es que jaziam nos
arquivos e restabelecer os fios da mem�ria para tra�ar um extenso painel sobre
como pensavam e agiam os comerciantes do s�culo 18 que viveram em Minas Gerais,
sempre na depend�ncia de suas boas rela��es com a metr�pole.
Para
tanto, J�nia Furtado partiu do estudo da correspond�ncia trocada entre
Francisco Pinheiro, grande comerciante portugu�s, e seus agentes comerciais nas
Minas, entre 1712 e 1744, que Lu�s Lisanti F. j� havia publicado em Neg�cios
Coloniais: Uma Correspond�ncia Comercial do S�culo XVIII, com base em
documenta��o do Arquivo do Hospital de S�o Jos�, antigo Hospital Real de
Todos os Santos de Lisboa. Em 1994 essa documenta��o foi transferida para o
Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Ao
confrontar essas cartas j� publicadas com invent�rios e testamentos
localizados no Arquivo P�blico Mineiro, na Casa Borba Gato, anexo do Museu do
Ouro de Sabar�, na Casa do Pilar do Museu da Inconfid�ncia, de Ouro Preto, e
na Casa Setecentista de Mariana e ainda os invent�rios de bens confiscados de
crist�os-novos por Anita Novinsky em Crist�os-Novos na Bahia,
J�nia Furtado conseguiu com Homens de Neg�cios: a Interioriza��o da Metr�pole
e do Com�rcio nas Minas Setecentistas resgatar o perfil perdido desses
negociantes, especialmente o modo como agiam e estabeleciam as redes de
compadrio que garantiam o sucesso de seus neg�cios.
Francisco
Pinheiro, a figura central da documenta��o, era comerciante que sempre viveu
em Lisboa e fez do tr�fico de influ�ncia na Corte o motor da fortuna que
amealhou. Ainda que fosse analfabeto, manteve farta correspond�ncia - com
certeza escrita por outrem - com seus intermedi�rios comerciais, os comiss�rios,
que manteve no Norte da Europa, �frica e Brasil. Enriqueceu com os neg�cios
coloniais, especialmente durante a febre do ouro e dos diamantes em Minas na
primeira metade do s�culo 18. Seus comiss�rios eram pessoas de absoluta
confian�a, geralmente familiares, que mantinham com ele rela��es de total
subservi�ncia.
Na
col�nia, onde as rela��es se assentavam na depend�ncia e favorecimento, era
vital para quem quisesse ascender socialmente conhecer quem tivesse grande influ�ncia
na Corte. Como os cargos administrativos eram fonte segura de rendimento
financeiro e, mais que isso, uma forma de garantir a participa��o no poder, os
candidatos a homens bons dependiam umbilicalmente daqueles que tinham acesso
direto ao rei ou seus ministros ou ao Conselho Ultramarino. Foi dentro desse esp�rito
que Francisco Pinheiro arrematou v�rios of�cios para seus agentes. �s vezes,
at� adiantava dinheiro para garantir o cargo para o apaniguado, sempre de olho
nos rendimentos e nos neg�cios que adviriam daquele posto.
A introdu��o de irm�os, sobrinhos e afilhados nos neg�cios era a maneira que
o grande negociante de Lisboa encontrara de ajudar a fam�lia e amigos,
promovendo a abertura de oportunidades nas col�nias e, ao mesmo tempo,
estendendo a sua rede de influ�ncia e neg�cios. Como as rela��es financeiras
eram extremamente pessoais, essa era tamb�m uma forma de garantir a fidelidade
necess�ria para que os la�os comerciais fossem cada vez mais fortes. Sem
contar que aquele que fraudasse a confian�a do grande comerciante de Lisboa
poderia ter definitivamente fechadas todas as portas de ascens�o social.
Como
os cargos eram comprados, ficava impl�cito que ao comprador o que interessava
era mesmo o rendimento que poderia tirar dele em benef�cio pr�prio.
Estabeleciam-se assim redes de corrup��o em que a Coroa sempre sa�a lesada.
Por for�a desse esquema, tais cargos muitas vezes ca�am nas m�os de pessoas
despreparadas para a fun��o e at� sem tempo para exerc�-los devido aos pr�prios
compromissos comerciais, o que significava dificuldades para o funcionamento da
m�quina burocr�tica.
Os
ouvidores, por exemplo, em tese s� perdiam em poder para os capit�es-generais
e governadores, mas quase nada podiam fazer contra esses subordinados, at�
porque viviam, muitas vezes, na depend�ncia econ�mica desses comerciantes.
Como a sua estada na col�nia era sempre tempor�ria, os ouvidores acabavam
aceitando a situa��o sem reclamar, at� porque tinham outras preocupa��es,
pois tratavam igualmente de garantir um bom cabedal para levar de volta ao
Reino. Assim, era comum que o ouvidor fosse um homem mais pobre do que o seu
escriv�o, ainda que mais nobilitado pela import�ncia de seu cargo e por seus
estudos em Coimbra.
Autora
de outro trabalho fundamental para quem quer compreender o s�culo 18 mineiro (O
Livro da Capa Verde: A Vida no Distrito Diamantino no Per�odo da Real Extra��o),
J�nia Furtado, com seu novo estudo, estabelece tamb�m que os candidatos a
comerciantes que chegavam do Reino provinham geralmente do Norte de Portugal,
especialmente das regi�es dos rios Minho e Douro. Eram, em sua maioria,
solteiros, sem grandes v�nculos familiares. Muitas vezes, n�o chegavam a casar
na col�nia, mas quase sempre deixavam extensas proles de filhos bastardos,
geralmente com negras, muitas delas alforriadas em testamento.
Esses
homens, uma vez nas Gerais, procuravam inserir-se na sociedade local. Depois que
enriqueciam e ganhavam alguma proje��o social, tratavam de lutar por cargos
administrativos para que se notabilizassem. Ao mesmo tempo, diversificavam seus
investimentos em terras, escravos e lavras, sempre em busca de s�mbolos de
dignifica��o.
Nem sempre, por�m, esses senhores do grosso trato foram bem vistos. Com sua
forma de viver valorizava extremamente o lucro e a usura, costumavam despertar a
aten��o da Inquisi��o. Como a maioria era formada por crist�os-novos,
tornavam-se vulner�veis �s investidas inquisitoriais. Sem contar que o seu
enriquecimento desmedido amea�ava tamb�m a sociedade esclerosada que vivia na
metr�pole. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 1789, quando grandes
comerciantes, descontentes com a forma como passaram a ser tratados pela Coroa,
imaginaram a Conjura��o de Minas Gerais. Mas esta � outra hist�ria.