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Livro: Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial
Autor: Nestor Goulart Reis Filho
Editora: Edusp
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 414
Marcos da hist�ria urban�stica do Brasil Colonial
Livro resgata atividade urbana na vida social local do Brasil nos tempos do dom�nio portugu�s, aspecto at� aqui obscurecido por an�lises que privilegiaram a vida rural

Heitor Furg�li J�nior.

Dentre os mais variados eventos e produtos culturais que v�m marcando a celebra��o e a reflex�o cr�tica sobre o Brasil em seu 5� Centen�rio, com certeza pode-se destacar o rec�m-publicado trabalho do arquiteto e historiador Nestor Goulart Reis, fruto de 40 anos de pesquisa � Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial �, cujo vasto e precioso material iconogr�fico � centenas de desenhos, gravuras e plantas coletados em bibliotecas e arquivos no Brasil, Portugal, Holanda, Fran�a e Espanha � evidencia a necessidade de uma reavalia��o hist�rica do desenvolvimento urbano do pa�s ao longo da Col�nia.
Tal revis�o dessa �poca � luz de uma perspectiva espacial e urbana se justifica porque, segundo o autor, os documentos administrativos portugueses, que servem de base para muitos historiadores, s�o em geral indiferentes ou mesmo ignoram muitos aspectos relevantes da vida social local da Col�nia. Al�m disso, consolidou-se nas an�lises uma valoriza��o quase absoluta da vida rural sobre a urbana, o que em suma obscurece uma vis�o e compreens�o mais claras de atividades econ�micas tipicamente urbanas tamb�m existentes no per�odo � como com�rcio, servi�os, constru��o civil, artesanato e produ��o cultural �, sem falar de um forte preconceito sobre o urbanismo colonial, j� que Reis busca comprovar �a exist�ncia de uma atividade planejadora regular do mundo luso-brasileiro� (p. 9-11).
Dessa forma, o livro n�o somente desperta interesses diversificados � no campo da hist�ria, da arquitetura, das ci�ncias sociais, da cartografia � como tamb�m permite variadas interpreta��es, cabendo aqui alguns coment�rios que n�o pretendem esgotar sua complexidade.
� impressionante a quantidade de registros geogr�ficos dos s�culo XVI e parte do XVII, movidos pela necessidade estrat�gica de ocupar e proteger o territ�rio � no caso dos portugueses � ou de invadi-lo � mormente no caso da ocupa��o holandesa nordestina. A maioria dos desenhos, nesse caso, � das costas litor�neas na perspectiva dos navegantes, esquadrinhando seus sistemas de defesa (ver as partes dedicadas a Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Santos e S�o Vicente, entre outras).
Destaca-se especialmente a produ��o holandesa relativa a Pernambuco, com realce, al�m dos mapas � como o plano de desenvolvimento para Recife, provavelmente de 1642 (p. 86) �, para gravuras de Olinda e Recife, como a de Claes Visscher, de 1630 (p. 80), al�m das bel�ssimas obras de Frans Post � que permaneceu no Brasil entre 1637 e 1644 �, cuja �Mauritiopolis� (p. 85), com vista panor�mica sobre Recife, constitui �um dos melhores e mais importantes documentos sobre a apar�ncia das vilas e cidades do Brasil, no s�culo XVII� (p. 336). Nem tudo, entretanto, � propriamente �progressista�: a gravura �Olinda� (p. 89), de Post (1647), documenta conventos em ru�nas e aus�ncia de fortifica��es e de edifica��es particulares em torno das constru��es religiosas, muito provavelmente em decorr�ncia do inc�ndio da cidade em 1631, deliberado pelos pr�prios holandeses.
Merece men��o especial a produ��o do s�culo XVIII, per�odo em que se firmou a atividade de profissionais portugueses � principalmente engenheiros militares � que gradativamente �se deslocou no tempo, de uma atividade puramente militar e defensiva, para um campo de a��o especificamente urban�stico� (p. 13), principalmente sob as determina��es do poderoso primeiro-ministro portugu�s Marqu�s de Pombal, quando foram definidos certos padr�es nos arruamentos e edifica��es de muitas cidades brasileiras.
Numa linha mais abrangente, o leitor encontrar�, ao longo da parte dedicada ao Rio de Janeiro (p. 154-187), desenhos cujas seq��ncias cronol�gicas permitem uma reconstitui��o de dados urban�sticos significativos num largo per�odo de tempo � de 1579 a 1819 �, assim como na an�lise dedicada a Vila Rica, hoje Ouro Preto (p. 215-216), � poss�vel avaliar como, malgrado receber menor aten��o militar por estar afastada do litoral, sua �rea central era dotada de forte disciplina urban�stica. Quanto �s a��es ligadas ao per�odo das reformas pombalinas, deve-se salientar em especial o caso de Vila Bela, no Mato Grosso (p. 259-261), de Vila de Barcelos, antiga capital do Amazonas (p. 298-302) e de Bel�m (p. 266-279), espa�os destinados � utiliza��o do �urbanismo como uma forma de afirma��o da presen�a portuguesa� (p. 401), sem falar de primorosas panor�micas da �Viagem Filos�fica� dirigida pelo naturalista Alexandre Ferreira no final do s�culo XVIII, enfocando locais como Cuiab� (p. 254) e Bel�m (p. 275), entre outras.
Finalizando, aspectos sociol�gicos que chamam a aten��o e que mereceriam futuras investiga��es aparecem num conjunto de desenhos esparsos que mostram a tentativa, ao longo do s�culo XVIII, de incorpora��o em �reas urbanas, de forma segregada e controlada, de popula��es marginalizadas. � o caso da pol�tica de integra��o ind�gena presente no plano de Vila Vi�osa, em Porto Seguro de 1769, que anexou � cidade uma aldeia ind�gena, sujeita a partir de ent�o a um arruamento geom�trico (p. 59); na incorpora��o de Vila Maria do Paraguay, habitada por �ndios e portugueses, em casas padronizadas com regularidade geom�trica, em C�ceres, Mato Grosso, em 1790 (p. 265); na constru��o em 1765 da Aldeia de S�o Miguel, Rond�nia, em moldes semelhantes a acampamentos militares, para abrigar �ndios antes pr�ximos � fronteira (p. 296); curiosamente, o quilombo Buraco do Tatu, na Bahia (1764), apresentava tamb�m arruamentos regulares, semelhantes aos modelos portugueses de ent�o (p. 54).
Em recente entrevista, o autor afirmou que as pol�ticas urbanas iluministas pensavam o espa�o de cada segmento social na cidade para melhor exercer seu controle, ao passo que uma marca do fen�meno urbano contempor�neo seria a indiferen�a para com os mais pobres. Diante da inten��o de Reis, de que o planejamento urbano colonial esteja mais presente nos cursos de arquitetura, est� tamb�m dada a oportunidade para se refletir sobre a dif�cil inser��o dos marginalizados nas cidades de ontem e de hoje.
Jornal da Tarde 07/04/2001