Livro: A negocia��o da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no Brasil
Autor: Jeffrey Lesser
Editora: Unesp
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 346
Brasil, mostra a tua cara
Jeffrey Lesser estuda como imigrantes n�o-europeus
conquistaram seu espa�o no pa�s
Renata Saraiva
A
tradicional aula de hist�ria sobre a miscigena��o entre brancos, negros e �ndios
dever� em breve ser acrescida de uma nova vis�o sobre a identidade brasileira.
Com o livro A
Negocia��o da Identidade Nacional - Imigrantes, Minorias e a Luta pela
Etnicidade no Brasil, o historiador americano Jeffrey Lesser atualiza a
quest�o.
Analisando como grupos n�o-europeus conquistaram uma identidade brasileira sem
perder suas caracter�sticas �tnicas, Lesser d� subs�dios para a compreens�o
de cenas vistas em cidades como S�o Paulo, onde se pode encontrar card�pios
escritos em portugu�s, coreano e hebreu e o bairro da Liberdade mant�m
fachadas arquitet�nicas japonesas tradicionais. "Em qualquer pa�s, um
grupo de imigrantes tem de negociar sua identidade. E existe uma tens�o entre
ser um grupo indistinto e encontrar sua pr�pria etnicidade dentro da
nacionalidade", diz Lesser. "Na minha vis�o, � normal que um indiv�duo
seja as duas coisas ao mesmo tempo: �tnico e nacional."
A
ambival�ncia, conforme seu estudo mostra, j� estava presente na imagem que se
fez do imigrante chin�s no s�culo XIX. Em 1845, com a aprova��o da Lei
Aberdeen, que permitia � marinha brit�nica tratar como navios piratas as
embarca��es do tr�fico negreiro, as elites brasileiras come�aram a pensar em
alternativas para substituir a m�o-de-obra escrava oriunda da �frica. Alguns
apostaram em trabalhadores livres europeus e outros acreditaram que esses grupos
seriam resistentes, pois temeriam ser tratados como escravos - o que em muitos
locais realmente aconteceu.
O
segundo grupo adotou a id�ia de promover uma imigra��o chinesa em massa, o
que daria continuidade a um fasc�nio pela China herdado dos portugueses desde o
tempo da coloniza��o. "O fato � que o chin�s foi visto como uma ponte
entre o escravo e o trabalhador livre", afirma Lesser. Para os partid�rios
dessa id�ia, os chineses seriam d�ceis mesmo sendo mal pagos, o que j�
ocorrera em col�nias inglesas, como os Estados Unidos e o Canad�. "O
projeto n�o deu certo justamente porque outra parcela da elite achava que a
cultura chinesa poluiria a brasileira", diz ele. Esse preconceito era s� o
mais radical em rela��o aos chineses. Mesmo os que defendiam sua imigra��o o
faziam porque acreditavam na escala de beleza racial/f�sica de Blumenbach,
segundo a qual os asi�ticos estavam bem abaixo dos europeus, mas bem acima dos
africanos.
Paradoxalmente,
os japoneses n�o receberam o mesmo tratamento. "� importante lembrar que
o que pensamos hoje sobre os asi�ticos � bem diferente do que pensavam os
brasileiros no passado", diz Lesser. "Hoje, consideramos vietnamitas,
japoneses e chineses todos membros de um grupo chamado asi�tico. Mas,
principalmente depois da metade do s�culo XIX, os japoneses eram vistos como
imigrantes que ajudariam o Brasil a se tornar um pa�s desenvolvido, j� que o
seu pa�s tinha se desenvolvido tanto quanto pa�ses europeus", diz o
brasilianista. Eram os "brancos" da �sia, conforme palavras de Sho
Nemoto, enviado especial do Jap�o que desembarcou no porto de Santos em 1894,
com a miss�o de estabelecer contratos de migra��o entre seu pa�s e o Brasil.
Quinze anos ap�s a sua visita, entre 1908 e 1941, cerca de 189 mil japoneses se
estabeleceram no Brasil, quase todos contando com algum tipo de subs�dio.
"Os
japoneses vieram para o Brasil como imigrantes privilegiados", diz Lesser.
O privil�gio foi tal que, em 1910, enquanto o or�amento federal exclu�a
verbas de subs�dio para imigrantes asi�ticos e aplicava aos japoneses estere�tipos
negativos associados aos chineses (que eram "inassimil�veis" e
"viciados em �pio"), diplomatas brasileiros conseguiram arrancar do
governo a promessa de que os japoneses seriam exclu�dos da "categoria de
asi�ticos" e, antes de a lei ser promulgada, as palavras ofensivas contra
o povo nip�nico foram retiradas.
A
facilidade, por�m, n�o permitiu aos japoneses renunciar a negocia��o por sua
identidade. Para Lesser, at� a Shindo Renmei, organiza��o secreta terrorista
japonesa, retratada recentemente pelo jornalista Fernando Morais no livro Cora��es
Sujos, fez parte de uma seq��ncia
de a��es por meio das quais os imigrantes nip�nicos lutaram para manter sua
etnicidade no Brasil. Surgida em 45, ap�s a derrocada do Estado Novo, a Shindo
Renmei era composta por japoneses que consideraram a not�cia de que o Jap�o
tinha perdido a Segunda Guerra Mundial uma fraude. Em poucos meses, 80% da col�na
nip�nica de S�o Paulo era partid�ria dessa id�ia e o interior do Estado
viveu um verdadeiro derramamento de sangue, em que japoneses ou descendentes que
aceitaram a vit�ria dos Aliados sobre os pa�ses do Eixo (Alemanha, It�lia e
Jap�o) eram mortos ou sofriam atentados por terem tra�do a na��o japonesa.
"Quem
comparar a maneira como eu retrato a Shindo Renmei com o livro de Fernando
Morais pensar� que estamos falando de assuntos completamente diferentes",
diverte-se Lesser. De fato � assim. Enquanto o livro de Morais mostra min�cias
dos acontecimentos provocados pela Shindo Renmei, � no livro de Lesser que se
encontra o contexto em que o movimento se formou. Como ele demonstra, a organiza��o
n�o foi a �nica, mas a mais importante feita pelos imigrantes japoneses desde
que o governo de Get�lio Vargas declarou guerra ao Eixo e a col�nia nip�nica
virou uma esp�cie de "inimigo interno" no Brasil. "� claro que
� uma loucura imaginar que algu�m n�o acreditava na derrota no Jap�o logo ap�s
a Segunda Guerra", diz Lesser. Mas, como ele mostra no livro, havia
problemas s�rios de comunica��o no interior do Estado e os japoneses vinham h�
tempos imbu�dos da id�ia de manter suas ra�zes e seu nacionalismo - muitos n�o
falavam o portugu�s e mantinham seus filhos em escolas de ensino japon�s
tradicional.
Enquanto
a imigra��o japonesa foi estimulada por meio de subs�dios, a entrada de
homens e mulheres vindos de pa�ses �rabes ocorreu quase que de forma
despercebida por parte das autoridades brasileiras. "As leis de imigra��o
n�o falavam nada sobre �rabes", comenta Lesser. Assim, na d�cada de
1920, havia cerca de 130 mil imigrantes s�rios e libaneses em S�o Paulo e em
Santos, 20 mil no Paran�, 15 mil no Rio de Janeiro, 14 mil no Rio Grande do Sul
e mais de 12 mil na Bahia. Sem falar no primeiro grupo significativo, que chegou
� Amaz�nia na d�cada de 1880.
"Os
imigrantes �rabes foram respons�veis pela forma��o de uma economia mercantil
no Brasil, mas nem por isso sua perman�ncia aqui foi f�cil, pois houve todo o
esfor�o de trazer os produtos para c�", diz Lesser. A imigra��o de s�rios
e libaneses foi a mais at�pica, segundo ele. Foi muito din�mica, com fam�lias
que vinham para c� e voltavam para seu pa�s de origem sistematicamente - a
ponto de Beirute, capital do L�bano, ter ganhado a sua pr�pria Avenida Brasil.
O saldo disso tudo? Lesser responde: "Que ser brasileiro de ascend�ncia �rabe
� diferente de ser brasileiro de ascend�ncia japonesa, portuguesa, italiana e
assim por diante. Ou seja: ser brasileiro � ser muitas coisas."