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Livro: Tr�bades Galantes, Fanchonos Militantes
Autor: Amilcar Torr�o Filho
Editora: Summus
Ano: 2000
N�mero de p�ginas: 296
Obra rev� hist�ria a partir de ilustres homossexuais, assumidos ou n�o

D�bora Guterman

O historiador Amilcar Torr�o Filho sabe que a hist�ria da homossexualidade vai muito al�m de um estudo sobre comportamento sexual. No livro Tr�bades Galantes, Fanchonos Militantes, mais que revelar os homossexuais famosos da hist�ria, ele tra�a a evolu��o - ou n�o - da pr�tica social e cultural do Brasil e do mundo em rela��o � tem�tica, em diversos per�odos hist�ricos.
A tese faz um contraponto ao que Amilcar chama de "vis�o negativa dos homossexuais na m�dia". Com isso, quer dizer que, principalmente no Brasil, h� um limite para a conviv�ncia pac�fica. Da� podem ser arquitetos, cabelereiros e artistas - n�o gal�s -, mas a sociedade dificilmente aceitaria que fossem engenheiros, m�dicos ou pol�ticos.
Mas essa postura vem mudando, diz o historiador, que ilustra sua opini�o com um caso recente: a condena��o, dia 15, de dois "skinheads" pelo assassinato de Edson N�ris da Silva, morto por andar de m�os dadas com outro homem. A justi�a qualificou a causa do homic�dio - a op��o sexual de Edson - como f�til.
O livro pode n�o ser definitivo sobre o assunto, mas corrige lacunas da historiografia oficial. Isso porque, aliado � omiss�o do comportamento por escritores e pol�ticos, em raz�o da intoler�ncia social, est� o "pudor" ou a homofobia de historiadores. Amilcar comenta que teve acesso ao mesmo material usado por Gilberto Freyre em sua pesquisa sobre o per�odo da inquisi��o. Parte dos documentos fala sobre a sodomia, masculina e feminina. Mas o autor de "Casa Grande e Senzala" deixou de lado a segunda parte. Outro exemplo � a cole��o francesa "Hist�ria das Mulheres". Em seus cinco tomos, apenas trecho de um cap�tulo refere-se ao lesbianismo.
A decis�o de esconder a homossexualidade vem do s�culo XIX. Henrique III, por exemplo, usava o termo favoritos para falar de seus amantes - eram tr�s, Joyeuse, Maugeron e Saint-M�grin - e seus bi�grafos fizeram quest�o de explicar que ele remetia a amigos, bons amigos. At� Freud ignorou o assunto ao fazer a teoria de �dipo. Amilcar relata que os gregos costumavam criar mitos para explicar a origem de institui��es e comportamentos, como o homossexual. "O 'criador' desse 'h�bito' teria sido o rei tebano Laio, pai de �dipo, que teria raptado o jovem e belo Cr�sipo para compartilhar seu amor; este teria sido, para a tradi��o, o primeiro casal homossexual da Gr�cia". O epis�dio � t�o importante quanto o de �dipo ter matado seu pai e casado com sua m�e.
O livro vai da Antig�idade aos dias de hoje, passando pela Gr�cia cl�ssica, pelo Imp�rio Romano, pelo Renascimento e pela Revolu��o Francesa. Por mais que o termo homossexualismo tenha sido cunhado por um m�dico alem�o, no s�culo XIX, Amilcar usa gays e l�sbicas por todo o livro ao abordar as pessoas que tinham relacionamentos, com tra�o de erotismo, com outras do mesmo sexo. A id�ia de pecado associada � homossexualidade se delineou na sociedade a partir do s�culo XIII, quando S�o Tom�s de Aquino exigiu mais rigorosamente o celibato, escrevendo um tratado sobre a homossexualidade entre os padres.
Em geral, famosos que assumiram o comportamento n�o perderam popularidade. Amilcar lembra Ricardo Cora��o de Le�o e Eduardo II, os reis mais idolatrados na Inglaterra, sendo que Eduardo II quase foi santificado. No campo das artes, entretanto, esbo�a uma rea��o social negativa. Oscar Wilde era um d�ndi a criticar a Inglaterra vitoriana moralista com roupas extravagantes e com a literatura: seu romance "O Retrato de Dorian Gray", de 1890, s�culo depois virou �cone da cultura homossexual. Wilde casou-se com uma mulher, mas ao conhecer o lorde Alfred Douglas, que chamava de Bosie, assumiu com ele um romance p�blico. Mas o pai de seu amante, marqu�s de Queensbery, processou o escritor, acusando-o de sodomia. Na pris�o, foi abandonado pelos amigos e pela esposa. Ao ser libertado, viveu ainda tr�s meses com Bosie, em Paris, sob o nome de Sebastian Melmoth. Morreu num quarto de hotel, de meningite.
Nas �ltimas d�cadas, a homossexualidade tem sido revelada tamb�m com os casos de aids. O fato gerou um problema, exposto pelo historiador Richard A. Isay. A maior parte dos �dolos jovens era aid�tica e a sociedade americana passou a ligar a homossexualidade � doen�a e � morte. No Brasil, o mesmo n�o ocorreu quando Cazuza ou Renato Russo assumiram-se gays, porque no pa�s � mais importante a afirma��o dos pap�is sexuais - ser o "macho" da rela��o - que as identidades sexuais - ser homo, bi ou heterossexual. O que n�o implica maior toler�ncia: em 1999 mais de cem pessoas foram assassinadas, no Brasil, por ser homossexuais.
Talvez com o avan�o das pesquisas na �rea da gen�tica, o preconceito diminua. Estudos t�m discutido a amplitude do componente gen�tico na defini��o da homossexualidade. Se for provado que ela � definida por um gene, assim como � o fato de um pessoa ser destra ou canhota, governos conservadores e igreja ter�o de rever seus dogmas. Apesar de, atenta Amilcar, primeiro mudar a lei; depois a percep��o.
Valor Econ�mico 22/02/2001