Obra rev� hist�ria a partir de ilustres
homossexuais, assumidos ou n�o
D�bora Guterman
O
historiador Amilcar Torr�o Filho sabe que a hist�ria da homossexualidade vai
muito al�m de um estudo sobre comportamento sexual. No livro Tr�bades
Galantes, Fanchonos Militantes, mais que revelar os homossexuais
famosos da hist�ria, ele tra�a a evolu��o - ou n�o - da pr�tica social e
cultural do Brasil e do mundo em rela��o � tem�tica, em diversos per�odos
hist�ricos.
A tese faz um contraponto ao que Amilcar chama de "vis�o negativa dos
homossexuais na m�dia". Com isso, quer dizer que, principalmente no
Brasil, h� um limite para a conviv�ncia pac�fica. Da� podem ser arquitetos,
cabelereiros e artistas - n�o gal�s -, mas a sociedade dificilmente aceitaria
que fossem engenheiros, m�dicos ou pol�ticos.
Mas
essa postura vem mudando, diz o historiador, que ilustra sua opini�o com um
caso recente: a condena��o, dia 15, de dois "skinheads" pelo
assassinato de Edson N�ris da Silva, morto por andar de m�os dadas com outro
homem. A justi�a qualificou a causa do homic�dio - a op��o sexual de Edson -
como f�til.
O
livro pode n�o ser definitivo sobre o assunto, mas corrige lacunas da
historiografia oficial. Isso porque, aliado � omiss�o do comportamento por
escritores e pol�ticos, em raz�o da intoler�ncia social, est� o
"pudor" ou a homofobia de historiadores. Amilcar comenta que teve
acesso ao mesmo material usado por Gilberto Freyre em sua pesquisa sobre o per�odo
da inquisi��o. Parte dos documentos fala sobre a sodomia, masculina e
feminina. Mas o autor de "Casa Grande e Senzala" deixou de lado a
segunda parte. Outro exemplo � a cole��o francesa "Hist�ria das
Mulheres". Em seus cinco tomos, apenas trecho de um cap�tulo refere-se ao
lesbianismo.
A
decis�o de esconder a homossexualidade vem do s�culo XIX. Henrique III, por
exemplo, usava o termo favoritos para falar de seus amantes - eram tr�s,
Joyeuse, Maugeron e Saint-M�grin - e seus bi�grafos fizeram quest�o de
explicar que ele remetia a amigos, bons amigos. At� Freud ignorou o assunto ao
fazer a teoria de �dipo. Amilcar relata que os gregos costumavam criar mitos
para explicar a origem de institui��es e comportamentos, como o homossexual.
"O 'criador' desse 'h�bito' teria sido o rei tebano Laio, pai de �dipo,
que teria raptado o jovem e belo Cr�sipo para compartilhar seu amor; este teria
sido, para a tradi��o, o primeiro casal homossexual da Gr�cia". O epis�dio
� t�o importante quanto o de �dipo ter matado seu pai e casado com sua m�e.
O
livro vai da Antig�idade aos dias de hoje, passando pela Gr�cia cl�ssica,
pelo Imp�rio Romano, pelo Renascimento e pela Revolu��o Francesa. Por mais
que o termo homossexualismo tenha sido cunhado por um m�dico alem�o, no s�culo
XIX, Amilcar usa gays e l�sbicas por todo o livro ao abordar as pessoas que
tinham relacionamentos, com tra�o de erotismo, com outras do mesmo sexo. A id�ia
de pecado associada � homossexualidade se delineou na sociedade a partir do s�culo
XIII, quando S�o Tom�s de Aquino exigiu mais rigorosamente o celibato,
escrevendo um tratado sobre a homossexualidade entre os padres.
Em
geral, famosos que assumiram o comportamento n�o perderam popularidade. Amilcar
lembra Ricardo Cora��o de Le�o e Eduardo II, os reis mais idolatrados na
Inglaterra, sendo que Eduardo II quase foi santificado. No campo das artes,
entretanto, esbo�a uma rea��o social negativa. Oscar Wilde era um d�ndi a
criticar a Inglaterra vitoriana moralista com roupas extravagantes e com a
literatura: seu romance "O Retrato de Dorian Gray", de 1890, s�culo
depois virou �cone da cultura homossexual. Wilde casou-se com uma mulher, mas
ao conhecer o lorde Alfred Douglas, que chamava de Bosie, assumiu com ele um
romance p�blico. Mas o pai de seu amante, marqu�s de Queensbery, processou o
escritor, acusando-o de sodomia. Na pris�o, foi abandonado pelos amigos e pela
esposa. Ao ser libertado, viveu ainda tr�s meses com Bosie, em Paris, sob o
nome de Sebastian Melmoth. Morreu num quarto de hotel, de meningite.
Nas
�ltimas d�cadas, a homossexualidade tem sido revelada tamb�m com os casos de
aids. O fato gerou um problema, exposto pelo historiador Richard A. Isay. A
maior parte dos �dolos jovens era aid�tica e a sociedade americana passou a
ligar a homossexualidade � doen�a e � morte. No Brasil, o mesmo n�o ocorreu
quando Cazuza ou Renato Russo assumiram-se gays, porque no pa�s � mais
importante a afirma��o dos pap�is sexuais - ser o "macho" da rela��o
- que as identidades sexuais - ser homo, bi ou heterossexual. O que n�o implica
maior toler�ncia: em 1999 mais de cem pessoas foram assassinadas, no Brasil,
por ser homossexuais.
Talvez
com o avan�o das pesquisas na �rea da gen�tica, o preconceito diminua.
Estudos t�m discutido a amplitude do componente gen�tico na defini��o da
homossexualidade. Se for provado que ela � definida por um gene, assim como �
o fato de um pessoa ser destra ou canhota, governos conservadores e igreja ter�o
de rever seus dogmas. Apesar de, atenta Amilcar, primeiro mudar a lei; depois a
percep��o.