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Livro: C�digo Civil e Cidadania
Autora: Keila Grinberg
Editora: Jorge Zahar
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 86
A constru��o da cidadania
Uma hist�ria do C�digo Civil para leigos

Gon�alo J�nior

O s�culo XX marcou para sempre a sociedade brasileira por um processo ainda pouco assimilado fora dos c�rculos jur�dicos: a constru��o da cidadania a partir de uma legisla��o jur�dica. A hist�ria ainda n�o popularizada desse processo que resultou no primeiro C�digo Civil Brasileiro, de 1916, foi das mais fascinantes. Por quase cem anos, essa normatiza��o passou por um lento, pol�mico e �rduo caminho que trouxe uma s�rie de conquistas. Se ainda n�o parece ideal na teoria, atende de forma mais justa �s necessidades institu�das em pa�ses ditos civilizados. Mas n�o demorou para que se come�asse a defender sua urgente atualiza��o. Desde a promulga��o do C�digo Civil, os trabalhadores conquistaram direitos, a mulher se emancipou e a propriedade teve seu conceito ampliado.
A legisla��o civil teve de esperar at� 1975, quando juristas, advogados e pol�ticos deram in�cio � sua revis�o. O novo texto, no entanto, s� foi conclu�do em novembro do ano passado, 25 anos depois, e espera vota��o para entrar em vigor. Demora do Legislativo? Certamente que sim. Dificilmente, por�m, aconteceria de outra forma. A formula��o do c�digo civil de qualquer pa�s sempre ser� complexa e lenta, tamanha sua import�ncia e amplitude, uma vez que trata diretamente do cotidiano e das rela��es entre os cidad�os. 'A pergunta real n�o � por que o C�digo Civil no Brasil demorou tanto para ficar pronto, mas por que ele � t�o tardio, mesmo em rela��o aos vizinhos do continente', diz a doutora em hist�ria Keila Grinberg, que lan�ou C�digo Civil e Cidadania, de Keila Grinberg.
Escrito mais como uma introdu��o ao tema - como prop�e a cole��o 'Descobrindo o Brasil', da qual o volume faz parte -, o livro de Keila traz um saboroso relato para leigos de como vem sendo constru�da a cidadania no Brasil. Talvez por limita��o de abordagem e espa�o, Keila n�o se prop�s a discutir os temas e as modifica��es que vir�o com o novo c�digo. Seu prop�sito foi contar como, durante mais de oito d�cadas, v�rios governante brasileiros, dos dois imperadores aos presidentes da Rep�blica, travaram calorosos debates at� a promulga��o do C�digo de 1916.
A hist�ria do c�digo come�ou em 1823, um ano depois da Independ�ncia, como uma prioridade para o novo pa�s que surgia. As primeiras propostas efetivas s� vieram em 1854, depois da aprova��o do C�digo Comercial, quando o advogado Augusto Teixeira de Freitas foi convocado pelo ministro da Justi�a, Nabuco de Ara�jo, para elaborar uma reda��o e, em seguida, o c�digo. Freitas desistiu, depois de alegar incompatibilidade com o governo imperial. Em 1872, o pr�prio Ara�jo se comprometeu a finalizar o c�digo em cinco anos. N�o conseguiu. Uma �ltima tentativa durante o imp�rio se deu em 1889, com participa��o do pr�prio imperador, dom Pedro II. At�, finalmente, Cl�vis Bevil�qua assumir a miss�o em 1899. Nos 17 anos seguintes, com uma longa interrup��o entre 1905 e 1912, o c�digo seria redigido sob o fogo cruzado de vaidades pessoais e de cr�ticos ferrenhos como Rui Barbosa.
A l�gica da necessidade de um C�digo Civil baseava-se no argumento de que sua cria��o serviria como passo fundamental para a moderniza��o liberal brasileira. Quanto melhores e mais avan�adas as leis, melhor e mais avan�ada a sociedade - um passo adiante no caminho do progresso. At� ent�o, as leis civis derivavam das Ordena��es Filipinas, influenciadas pela legisla��o romana e inadequadas � realidade brasileira. Concluiu-se que sem uma normatiza��o moderna seria imposs�vel legislar sobre rela��es de trabalho, quest�es de heran�a e doa��es de bens. Para piorar, tal c�digo jamais conseguiria abarcar todos os habitantes do pa�s capazes de constituir direitos e obriga��es civis - comprar, vender, trabalhar, casar, fazer testamento, herdar, comparecer em ju�zo como autor, r�u ou testemunha. Ou seja, serem cidad�os. Mas no Brasil do s�culo XIX havia aqueles que tinham obriga��es, s� que eram desprovidos de direitos, como defenderem-se em ju�zo.
Havia outros empecilhos. Como as rela��es patriarcais que ainda imperavam, apesar da aboli��o, al�m da for�a da Igreja Cat�lica, que controlava, na pr�tica, toda a vida civil, do nascimento � morte. Apesar da lei civil do casamento, somente a celebra��o eclesi�stica era considerada leg�tima. De acordo com a tradi��o portuguesa, o Estado brasileiro determinara � Igreja definir o que era legal ou ilegal num ato civil, com poderes at� para decidir sobre bens e propriedades. Essa inger�ncia marginalizava por completo quem n�o fosse cat�lico.
Nesse caldeir�o, se buscava um conceito do que deveria ser cidad�o. Os crit�rios para isso envolviam cor de pele, sexo e religi�o. Num pa�s de diversidade cultural e racial, marcado por quatro s�culos de escravid�o, definir o conceito de cidad�o nunca foi uma tarefa das mais f�ceis. Sem contar a exclus�o pol�tica e de cidadania a que foram submetidas as mulheres por uma sociedade patriarcal - somente em 1930 elas conquistariam o direito de voto e, em 1962, com o Estatuto da Mulher Casada, o direito de n�o pedir autoriza��o ao marido para trabalhar.
Devagar, parte desses obst�culos foi superada at� 1916. E esse processo contribuiu para que outros entraves fossem rompidos ao longo do s�culo XX. Se o novo c�digo que dever� ser votado a partir deste ano no Congresso nascer� 'velho', ainda ser� discutido. Certamente trar� um corpo mais amplo de determina��es que marcam as conquistas do povo brasileiro pela cidadania.
O livro de Keila ati�a a curiosidade no sentido de se conhecer mais sobre o assunto e mostra que a hist�ria do direito, quando tratada numa linguagem mais objetiva e jornal�stica, pode ser fascinante como um bom romance �pico. Que a promulga��o do C�digo Civil do s�culo XXI estimule a vinda de outros relatos sobre o tema.
Gazeta Mercantil 12/04/2001