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Livro: A saga de Pero do Campo Tourinho, o primeiro processo da Inquisi��o no Brasil
Autora: Rossana G. Brito
Editora: Vozes
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 247
O primeiro passo da Inquisi��o no Brasil
Capit�o donat�rio, Pero do Campo Tourinho foi preso sob acusa��o de blasf�mia contra Igreja e deportado para Portugal

Jo�lle Rouchou

Num dos armaz�ns do cais do Porto, no Rio de Janeiro, repousam - nem sempre em paz - milhares de teses e disserta��es defendidas por pesquisadores do Brasil inteiro. Trabalhos interessantes, originais, provocativos, mas em sua maioria destinados a permanecer naquelas prateleiras cobertas por uma cortina de pl�stico grosso. Boa parte dessas pesquisas deveria ser editada em formatos baratos para que outros estudiosos pudessem utilizar-se dos resultados.
Algumas editoras apostam e publicam ensaios acad�micos. Desta vez a editora Vozes lan�a A saga de Pero do Campo Tourinho, o primeiro processo da Inquisi��o no Brasil. O livro � a disserta��o de mestrado em Hist�ria de Rossana G. Brito e apresenta com detalhes o primeiro morador do Brasil que foi enviado a ferros para Portugal, processado pelo Santo Of�cio de Lisboa, acusado de blasf�mias e heresias na capitania de Porto Seguro.
Tourinho foi um dos primeiros capit�es donat�rios a se instalar no Brasil, em Porto Seguro, em 1530, doa��o recebida de D. Jo�o III. Ele veio com parentes da cidade de Viana do Castelo, onde era muito bem conceituado, vindo de uma fam�lia aristocr�tica. Propriet�rio de terras, Tourinho era um comerciante com neg�cios ligados ao norte da Europa. Chegou em Porto Seguro com a esposa, os filhos, parentes, agricultores e pescadores. Uma expedi��o com quatro barcos, segundo a autora somando 600 pessoas.
Em Porto Seguro, Pero distribuiu terras e conquistou seus espa�os utilizando m�o-de-obra ind�gena nas atividades que iam desde a cana-de-a��car e o algod�o, al�m do plantio de alimentos. A prosperidade durou pouco: eclesi�sticos e oficiais administrativos articularam um movimento contra o donat�rio, acusando-o de blasf�mias e abomina��es contra Deus e a Santa Madre Igreja.
O processo inquisitorial contra Tourinho come�ou em 1546, quando ele foi preso, at� 1550, j� em Portugal, onde ainda respondia a interrogat�rios. O mais interessante na pesquisa de Rossana s�o as declara��es das testemunhas � inquiri��o. Os documentos foram levantados na Torre do Tombo em Lisboa com os autos do processo, em ricos detalhes que s�o analisados e que v�o apresentar o imagin�rio da �poca.
A estrutura remete � tamb�m historiadora Natalie Zemon Davis, na sua obra O retorno de Martin Guerre (Paz e Terra, 1987). Nele, Davis conta que nos anos 1540 na Fran�a, Martin Guerre, um campon�s rico, abandona sua mulher, filho e propriedades sem deixar pistas. Anos depois ele volta, mas sua esposa o denuncia como impostor e leva-o a julgamento. Ele quase convence a corte quando o verdadeiro Martin Guerre se apresenta. A hist�ria � famosa, foi contada e recontada por diversos autores, o juiz do tribunal escreveu um livro e at� Montaigne fez coment�rios sobre o caso.
O caso � popular e inspirou uma pe�a, tr�s romances, uma opereta at� que o roteirista Jean-Claude Carri�re fez um roteiro, Daniel Vigne dirigiu e G�rard Depardieu ganhou o papel principal no filme Le retour de Martin Guerre. Davis escreveu o livro - e ajudou no roteiro - baseada nos autos do processo, no livro do juiz, apresentando e confrontando as vers�es e depoimentos.
Rossana segue a mesma orienta��o, expondo o car�ter dos depoentes. Ela entrega pistas, ind�cios e depoimentos que ajudam a entender o que levou um donat�rio a ser agrilhoado no Brasil e mandado de volta para Portugal para responder processo no in�cio da coloniza��o portuguesa. O painel do Brasil colonial � denso e detalhado e pode servir de base para um roteiro de filme a exemplo de Martin Guerre ou ainda As bruxas de Sal�m, com Daniel Day-Lewis e Wynona Rider.
Em anexo, a pesquisadora oferece partes do processo da Inquisi��o, depoimentos, que certamente ser�o utilizados por novos pesquisadores. Como escreve Natalie Davis na introdu��o de Martin Guerre: ''Como fazem os historiadores para trazer � superf�cie informa��es das profundezas do passado? Esquadrinhamos as cartas e di�rios �ntimos, as autobiografias, mem�rias e hist�rias de fam�lia.'' Aquele armaz�m do cais do porto est� precisando ser esquadrinhado para que se traga ao p�blico mais teses instigantes.
Jornal do Brasil 30/06/2001