Renato Pucci Jr. lan�a amanh� "O Equil�brio
das Estrelas", que redimensiona o diretor.
Luiz Carlos Merten
Diante
de Noite Vazia, de 1964, o cr�tico e diretor Rubem Bi�fora, entusiasmado,
disse que Walter Hugo Khouri n�o havia feito s� a sua obra-prima, mas o melhor
filme brasileiro. Tamb�m sobre Noite Vazia, outro cr�tico, Jean-Claude
Bernardet, escreveu que era uma obra pueril, feita para chocar o p�blico dos
domingos e os censores. O tempo deu raz�o a Bi�fora, mesmo que o admir�vel
Noite Vazia n�o seja o melhor filme brasileiro. Mais do que pelo aned�tico,
Renato Pucci Jr. lembra a hist�ria para mostrar o equ�voco do pensamento cr�tico
brasileiro sobre o mais paulista dos diretores.
Por
assimilar e levar o mais longe poss�vel a experi�ncia europ�ia, com fases
baseadas primeiro em Ingmar Bergman e depois em Michelangelo Antonioni, Khouri
foi muitas vezes acusado de praticar um vanguardismo de segunda m�o no Brasil.
Hoje, percebe-se quanto a afirma��o de Bernardet, ela sim, � pueril, mas por
in�rcia esse tipo de ju�zo continuou a ser aplicado a Khouri atrav�s dos
anos. Ainda hoje, aqui ou ali, percebe-se o efeito do ju�zo equivocado, quando
n�o preconceituoso.
�
contra essa in�rcia que Pucci Jr. se insurge no livro O Equil�brio das
Estrelas, uma edi��o Anna Blume/Fapesp, que ser� lan�ado amanh�, com
uma exposi��o de cartazes originais e fotos de filmes. H� um subt�tulo que n�o
pode ser esquecido.
Situa
o que o autor quer dizer: Filosofia e Imagens no Cinema de Walter Hugo Khouri
Pucci Jr. tinha 19 anos quando viu Noite Vazia. J� era apaixonado por cinema,
mas havia feito sua op��o pela filosofia. Descobriu fundamentos filos�ficos
naquele filme e, desde ent�o, debru�ou-se sobre a obra do diretor, tentando
aprofundar sua leitura dos elementos que Khouri usa para expressar sua vis�o de
mundo.
Foram
dez anos de trabalho. Pucci chegou a inscrever-se na Escola de Comunica��es e
Artes da Universidade de S�o Paulo, onde defendeu, em agosto de 1998, a
disserta��o de mestrado em Ci�ncia da Comunica��o, agora editada em forma
de livro. Nos tr�s anos decorridos depois disso, Pucci realizou algumas altera��es
e corre��es, inclusive atualizando a filmografia de Khouri.
�
pena que n�o tenha inclu�do uma breve not�cia biogr�fica. Os dados est�o
dilu�dos ao longo do trabalho, mas com a biografia, mesmo resumida, O Equil�brio
das Estrelas se transformaria, em definitivo, na mais valiosa obra de refer�ncia
sobre um dos mais importantes diretores de cinema do Brasil. Khouri merece, at�
porque a Enciclop�dia do Cinema Brasileiro, organizada por Fern�o Ramos
e Luiz Felipe Miranda, por mais mais s�ria que seja (e �), dedica um verbete
escandaloso ao diretor. N�o se discutem poss�veis equ�vocos de interpreta��o,
que deveriam ser contestados no plano da discuss�o das id�ias. Os erros s�o
de informa��o, inadmiss�veis numa obra que se pretende enciclop�dica.
O
importante � que o livro de Pucci faz parte de um movimento de revaloriza��o
da obra de Khouri. Mais impressionista, o livro Os 100 Maiores Diretores do S�culo
20, de Rubens Ewald Filho (Vimarc Editora) � dedicado a Khouri por sua
obstina��o em desenvolver no Brasil, com as dificuldades que se sabe, uma obra
autoral. S�o 24 filmes at� Paix�o Perdida, de 1999. Uma obra extensa, que,
como diz Pucci, torna dif�cil qualquer trabalho de an�lise. Dez desses filmes
s�o interligados por personagens e situa��es que reaparecem e se desenvolvem
de uma obra para outra. Comp�em o que o pr�prio Khouri chama de seu ciclo
"marcelal", centrado no personagem Marcelo. Pucci elege dois filmes do
ciclo como temas de sua an�lise: As Amorosas, de 1968, e Eros, o Deus do Amor,
de 1981.
Se
escolhe o primeiro n�o � s� porque Marcelo, interpretado por Paulo Jos�, a�
aparece pela primeira vez (mesmo que existam g�rmens em filmes anteriores). As
Amorosas realiza o rito de passagem de Marcelo e isso j� o torna importante. E
Eros foi escolhido porque faz a revis�o inteira - da obra e do personagem, que
agora aparece em c�mera subjetiva. Pucci faz at� algumas restri��es de ordem
t�cnica a As Amorosas. Considera Eros uma obra-prima. H� neste filme uma li��o
de filosofia que fundamenta o estudo de Pucci. � rara essa exposi��o de uma
doutrina filos�fica num filme. Khouri n�o prop�e uma vulgariza��o, mas uma
leitura fiel do Banquete, de Plat�o.
Essa
li��o � s� a pontinha de um iceberg. Pucci v�, no todo da obra khouriana, a
consist�ncia que lhe permite citar Andrei Tarkovski, que dizia que um diretor,
ao expressar sua vis�o pessoal, pode se tornar uma esp�cie de fil�sofo.
Tarkovski,
Bergman, Kurosawa. Fil�sofos do cinema. Khouri � da mesma esp�cie, diz Pucci.
Seu livro � um ato de coragem. Num cap�tulo muito sugestivo, ele compara o
alienado Khouri, como era definido pelo Cinema Novo, com um dos �cones do
movimento, o Paulo C�sar Saraceni do politizado O Desafio. Ambos possuem
personagens chamados Marcelo. Pucci prova que, apesar da fama do outro, o
Marcelo politizado � o de Khouri. Depois deste livro, ser� preciso repensar
muita coisa no cinema brasileiro.