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Livro: Eu vi um novo mundo nascer
Autor: John Reed
Editora: BoiTempo Editorial
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 152
O jornalismo a sangue quente de John Reed
Volume re�ne artigos que o rep�rter norte-americano, morto aos 33 anos, escreveu com o mesmo esp�rito de seus relatos conhecidos sobre o M�xico e a revolu��o russa.

Carlos Franco

O homem que viveu apaixonadamente e desesperadamente os mais emocionantes momentos da curt�ssima Hist�ria do s�culo 20, um dia parou, pegou a caneta com a qual deu cores e vida �s revolu��es mexicana e russa, passando pelos primeiros conflitos dos B�lc�s - que desencadeariam a 1.� Grande Guerra Mundial - e a sangrenta greve dos trabalhadores t�xteis de Paterson, e escreveu suas mem�rias. S�o invej�veis as lembran�as do jornalista e escritor John Reed que, aos 33 anos, j� havia presenciado e escrito sobre um M�xico Insurgente e Os Dez Dias Que Abalaram o Mundo.
Mais: Reed tamb�m viveu um grande amor com Louise Bryant em meio a esses conflitos que mudariam para sempre o discurso do mundo, dividindo-o em dois blocos at� a queda do Muro de Berlim, em 1989. Uma divis�o que voltaria a se desenhar com a globaliza��o, s� que a� seria a cl�ssica ricos e pobres; e, � claro, seus ap�ndices emergentes vivendo no fio da navalha. Do amor, Reed escreve pouco, mas com suavidade, o suficiente para se vislumbrar a silhueta de Louise entre os fatos da sua hist�ria e a hist�ria da humanidade.
Filho de uma abastada fam�lia do Oregon, o menino raqu�tico e de poucos amigos, nascido em 20 de outubro de 1887, teria tudo para ser mais um dos rapazes engomados, de sobrenomes ilustres, da vetusta universidade de Harvard, onde havia ingressado em 1906, com futuro tra�ado a compasso e r�gua pelos pais. A diferen�a � que, apesar da cren�a na manuten��o do estado das coisas - uma forma de proclamar vamos mudar, para ficar tudo como est� -, Harvard tinha a seu favor o fato de n�o estar alheia ao que ocorria no mundo.
A realidade h� muito havia rompido os muros dessa universidade, que participava ativamente do debate de quest�es importantes, procurando analisar os movimentos sociais da �poca, como o surgimento dos grandes sindicatos. Isso despertou em Reed o prazer de narrar os fatos, primeiro nos jornais da universidade, depois naqueles em que conseguia inserir seus poemas juvenis e sua vis�o dos acontecimentos.
Tamb�m nessa �poca de ebuli��o e descobertas, Reed faz suas escolhas. Preferia estar com b�bados, intelectuais, artistas e vagabundos. Era assim que sua vida ganhava mais matiz e sentido do que aquela de fervilhantes sal�es de cores sombrias, t�o apropriados aos olhos de sua fam�lia ou de qualquer uma de origem aristocr�tica ou emergente. Se Reed se entrega a essa troca de ambiente com paix�o, ele tamb�m escreve com o cora��o e passa a acompanhar de perto os conflitos sindicais sem nenhuma isen��o, pois preferia participar ativamente deles. V� o desenrolar da greve dos trabalhadores das f�bricas t�xteis de Paterson e o massacre a que se sucederia, com a pol�cia atirando nos grevistas, matando homens, mulheres e crian�as em 1913. S� que n�o resiste e n�o se permite manter isento, atira-se na luta contra a opress�o do capital sobre as for�as do trabalho num mundo ainda de regras arcaicas, de uma explora��o vil. Toma partido. Vai preso. Ser� assim a sua vida da� por diante, ao cobrir e narrar, com paix�o, as greves convocadas pela revolu��o mexicana, o conflito dos B�lc�s e a Revolu��o Russa de 1917.
S�o alguns desses artigos, publicados em ve�culos americanos alternativos � grande imprensa que deram origem � colet�nea Eu Vi um Novo Mundo Nascer, que a Editora Boitempo est� lan�ando neste inverno de altas temperaturas. E nenhum tempo, certamente, ser� mais quente do que aquele vivido por esse jornalista. Reed carrega nas tintas, briga para mostrar diferen�as. Ao descrever, no entanto, aos 29 anos, o que havia vivido e o que estaria por vir, as cores de suas palavras s�o mais suaves, reflexivas e tocantes. Ler o seu artigo Quase Trinta, de 1917, � mergulhar no universo desse homem peculiar, que morreria de tifo aos 33 anos, sendo sepultado no muro do Kremlin, reservado aos her�is da revolu��o russa. S� por esse artigo, o livro valeria a pena, mas abre tamb�m uma discuss�o atual ao abordar o sindicalismo.
Conflitos - Uma das primeiras paix�es de Reed � a Industrial Workers of the World (IWW), uma central de trabalhadores da ind�stria que pregava o sindicato �nico e a revolu��o socialista nos Estados Unidos. Uma luta que come�ava pelas 8 horas de trabalho e adentrava no direito � folgas remuneradas e f�rias, coisas que soavam bizarras para magnatas como Andrew Carnegie, o rei do a�o, que vivia da renda que suas empresas produziam, povoando diariamente e nababescamente as colunas sociais da Europa e dos Estados Unidos. O que ajudava a incitar os �nimos dos trabalhadores metal�rgicos. S� que a IWW queria mais e � na tentativa de arregimentar estrangeiros, homens, mulheres, crian�as, brancos, negros, judeus, cat�licos, protestantes, vagabundos e prostitutas aquilo que fazia com que Reed tivesse um olhar complacente para essa central e sua luta ideol�gica na disputa entre o capital e o trabalho.
O radicalismo sempre acompanhou os textos de Reed, mas no caso do sindicalismo, ele era at� certo ponto brando, pois a American Federation of Labor (AFL), a central que decidiu viver das benesses dos patr�es, conquistando filiados realizando sorteios e a negociar com os patr�es a lutar com os oper�rios, fazia muito pouco nesse in�cio do movimento sindical nos Estados Unidos. Reed a bombardeia com palavras, apesar do crescimento espetacular da condescendente e patronal AFL, que de apenas 100 mil filiados em 1890 chegaria a 2 milh�es em 1914, com o olhar complacente da ind�stria dado ao colaboracionismo de seu l�der Samuel Gompers, que preferia jantar com os patr�es aos oper�rios. Gompers n�o era atacado apenas por Reed, mas por v�rios jornalistas e escritores de seu tempo. N�o entrou, evidentemente, para a hist�ria, embora os textos de Reed tragam de volta a dicotomia entre a IWW e a AFL. Uma comprova��o de que pouca coisa mudou no mundo, embora a divis�o de blocos hoje seja outra, mudou para ficar tudo como est�, afinal, ricos e pobres � um secular conflito. Sorte de Reed que, com seu radicalismo, p�de viver num mundo de efervesc�ncia de fato. � o retrato dessas paix�es o melhor e mais preciso relato de Eu Vi um Mundo Novo Nascer.
Estado de S�o Paulo 22/07/2001