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Livro: O Imp�rio de Belo Monte
Autora: Walnice Nogueira Galv�o
Editora: Funda��o Perseu Abramo
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 128
O Imp�rio do Belo Monte
'O Imp�rio do Belo Monte' desfaz equ�vocos sobre o movimento do Conselheiro

Luiz Zanin Oricchio

O novo livro de Walnice Nogueira Galv�o, O Imp�rio de Belo Monte, � dedicado ao professor Jos� Calasans. Nada mais natural. � apenas o reconhecimento intelectual leg�timo �quele que foi o nosso maior especialista em Canudos. Na bibliografia do livro, Walnice lista nada menos que 13 obras de Calasans por ela consultadas. Esse lado "hist�rico" de Canudos deve tanto a Calasans quanto o seu lado "liter�rio" deve a Euclides da Cunha.
Como lembra Walnice, Canudos provavelmente teria sumido na poeira do tempo n�o fosse a monumental obra de Euclides. Conflitos mais importantes, como o Contestado, foram relegados a segundo plano. Canudos teve seu Homero e por isso ficou e ficar� marcado no imagin�rio nacional. No entanto, a pesquisa hist�rica sobre Canudos ficou de certa forma obscurecida pelo brilho de Os Sert�es. Essa � a id�ia central do livro e paga seu tributo a Calasans, o primeiro a perceber o fato e procurar corrigi-lo entrevistando sobreviventes do arraial e seus familiares. Muita coisa mudou, novos dados apareceram (como os serm�es escritos por Antonio Conselheiro, publicado apenas em 1974) e tudo isso permite hoje uma avalia��o mais realista do significado de Canudos.
Walnice recorda que o processo de demoniza��o do arraial de Canudos foi lento de deu-se em etapas definidas. As oligarquias rurais hostilizaram Canudos por dois motivos. Primeiro, temeram ficar sem trabalhadores � medida em que os camponeses se juntavam ao Conselheiro. Segundo, quando o contingente de conselheiristas j� era significativo, recearam ter suas terras invadidas por eles. Dois medos sobrepostos: medo do �xodo dos trabalhadores e medo da destrui��o da propriedade.
A Igreja tamb�m n�o via com satisfa��o a crescente influ�ncia de Ant�nio Conselheiro no sert�o. Ant�nio n�o era um caso isolado. Os padres Ibiapina e C�cero tamb�m tiveram problemas com a hierarquia quando o poder que detinham aumentou. O caso do Conselheiro mostrou-se mais complicado pois nem ordenado era. Ibiapina foi proibido de entrar em Sobral, no Cear�, e foi destitu�do das casas de caridade que fundara. C�cero curvou-se � hierarquia. Ant�nio Conselheiro manteve atitude de desafio e selou a sorte de Canudos.
De maneira nenhuma aquele arraial de maltrapilhos tementes a Deus representava perigo real para a Rep�blica. Mas o medo da oligarquia, a desaprova��o da Igreja e um certo consenso de que os jagun�os eram um entrave ao progresso criaram o ambiente necess�rio para que se declarasse a guerra. Pois foi bem uma guerra que destruiu Canudos. Tr�s expedi��es, uma a uma recha�adas, at� que a quarta arrasou a cidade. Foram mobilizados entre 10 mil e 12 mil homens, sendo que o efetivo total do Ex�rcito brasileiro n�o chegava a 25 mil soldados. Somente com esse contingente, apoiado por um log�stica b�lica moderna, o governo p�de domar enfim os conselheiristas, que n�o se renderam nunca.
Nada, ou quase nada sobrou. Mas ningu�m diz isso melhor do que Euclides: "Canudos n�o se rendeu. Exemplo �nico em toda a Hist�ria, resistiu at� ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precis�o integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando ca�ram os seus �ltimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma crian�a, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados."
Retomar historicamente Canudos � tamb�m desfazer alguns lugares-comuns como o suposto sebastianismo do Conselheiro. Nos serm�es do Conselheiro n�o h� men��o � volta de dom Sebasti�o, mas esta pode ser interpretada n�o literalmente, mas como variante do messianismo, a salva��o por um l�der messi�nico, inequivocamente presente em Canudos. Por outro lado, Canudos n�o era milenarista, no sentido estrito de que esperaria o fim dos tempos com a chegada do mil�nio.
Enfim, Canudos ainda precisa ser melhor conhecido, para al�m da forte representa��o imagin�ria que mant�m at� hoje. Basta lembrar um exemplo vindo da etimologia. Havia perto de Canudos um lugar chamado Alto da Favela, pois nele crescia em abund�ncia uma planta com esse nome. De volta ao Rio, os soldados receberam permiss�o para construir seus barracos em volta da cidade. Batizaram o local de Morro da Favela, lembrando daquele outro, da Bahia. Era gente pobre, que havia combatido outra gente pobre e agora inconscientemente a homenageava.
Estado de S�o Paulo 03/06/2001