'O Imp�rio do Belo Monte' desfaz equ�vocos
sobre o movimento do Conselheiro
Luiz Zanin Oricchio
O
novo livro de Walnice Nogueira Galv�o, O Imp�rio de Belo Monte, � dedicado ao professor Jos� Calasans. Nada mais
natural. � apenas o reconhecimento intelectual leg�timo �quele que foi o
nosso maior especialista em Canudos. Na bibliografia do livro, Walnice lista
nada menos que 13 obras de Calasans por ela consultadas. Esse lado "hist�rico"
de Canudos deve tanto a Calasans quanto o seu lado "liter�rio" deve a
Euclides da Cunha.
Como
lembra Walnice, Canudos provavelmente teria sumido na poeira do tempo n�o fosse
a monumental obra de Euclides. Conflitos mais importantes, como o Contestado,
foram relegados a segundo plano. Canudos teve seu Homero e por isso ficou e
ficar� marcado no imagin�rio nacional. No entanto, a pesquisa hist�rica sobre
Canudos ficou de certa forma obscurecida pelo brilho de Os Sert�es. Essa � a
id�ia central do livro e paga seu tributo a Calasans, o primeiro a perceber o
fato e procurar corrigi-lo entrevistando sobreviventes do arraial e seus
familiares. Muita coisa mudou, novos dados apareceram (como os serm�es escritos
por Antonio Conselheiro, publicado apenas em 1974) e tudo isso permite hoje uma
avalia��o mais realista do significado de Canudos.
Walnice
recorda que o processo de demoniza��o do arraial de Canudos foi lento de
deu-se em etapas definidas. As oligarquias rurais hostilizaram Canudos por dois
motivos. Primeiro, temeram ficar sem trabalhadores � medida em que os
camponeses se juntavam ao Conselheiro. Segundo, quando o contingente de
conselheiristas j� era significativo, recearam ter suas terras invadidas por
eles. Dois medos sobrepostos: medo do �xodo dos trabalhadores e medo da destrui��o
da propriedade.
A
Igreja tamb�m n�o via com satisfa��o a crescente influ�ncia de Ant�nio
Conselheiro no sert�o. Ant�nio n�o era um caso isolado. Os padres Ibiapina e
C�cero tamb�m tiveram problemas com a hierarquia quando o poder que detinham
aumentou. O caso do Conselheiro mostrou-se mais complicado pois nem ordenado
era. Ibiapina foi proibido de entrar em Sobral, no Cear�, e foi destitu�do das
casas de caridade que fundara. C�cero curvou-se � hierarquia. Ant�nio
Conselheiro manteve atitude de desafio e selou a sorte de Canudos.
De
maneira nenhuma aquele arraial de maltrapilhos tementes a Deus representava
perigo real para a Rep�blica. Mas o medo da oligarquia, a desaprova��o da
Igreja e um certo consenso de que os jagun�os eram um entrave ao progresso
criaram o ambiente necess�rio para que se declarasse a guerra. Pois foi bem uma
guerra que destruiu Canudos. Tr�s expedi��es, uma a uma recha�adas, at� que
a quarta arrasou a cidade. Foram mobilizados entre 10 mil e 12 mil homens, sendo
que o efetivo total do Ex�rcito brasileiro n�o chegava a 25 mil soldados.
Somente com esse contingente, apoiado por um log�stica b�lica moderna, o
governo p�de domar enfim os conselheiristas, que n�o se renderam nunca.
Nada,
ou quase nada sobrou. Mas ningu�m diz isso melhor do que Euclides:
"Canudos n�o se rendeu. Exemplo �nico em toda a Hist�ria, resistiu at�
ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precis�o integral do
termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando ca�ram os seus �ltimos defensores,
que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma crian�a,
na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados."
Retomar
historicamente Canudos � tamb�m desfazer alguns lugares-comuns como o suposto
sebastianismo do Conselheiro. Nos serm�es do Conselheiro n�o h� men��o �
volta de dom Sebasti�o, mas esta pode ser interpretada n�o literalmente, mas
como variante do messianismo, a salva��o por um l�der messi�nico,
inequivocamente presente em Canudos. Por outro lado, Canudos n�o era
milenarista, no sentido estrito de que esperaria o fim dos tempos com a chegada
do mil�nio.
Enfim,
Canudos ainda precisa ser melhor conhecido, para al�m da forte representa��o
imagin�ria que mant�m at� hoje. Basta lembrar um exemplo vindo da etimologia.
Havia perto de Canudos um lugar chamado Alto da Favela, pois nele crescia em
abund�ncia uma planta com esse nome. De volta ao Rio, os soldados receberam
permiss�o para construir seus barracos em volta da cidade. Batizaram o local de
Morro da Favela, lembrando daquele outro, da Bahia. Era gente pobre, que havia
combatido outra gente pobre e agora inconscientemente a homenageava.