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Livro: Hist�ria do cristianismo
Autor: Paul Johnson
Editora: Imago
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 680
A luz, a espada e a f�
Neste livro, o autor faz um retrospecto e um balan�o dos quase dois mil anos da experi�ncia crist�. 

Luiz Paulo Horta

A "Hist�ria do cristianismo", de Paul Johnson, � um formid�vel exerc�cio intelectual. Quem leu a �Hist�ria dos judeus�, do mesmo autor, sabe do que ele � capaz em mat�ria de acumula��o inteligente de fatos � nunca, jamais, a erudi��o pela erudi��o.
Agora chega ao Brasil, em tradu��o competente, um novo �tijolo�. Que vale demais a pena. Mas � melhor saber do que se trata: n�o exatamente a hist�ria interna da religi�o, do fato religioso; os santos cat�licos, por exemplo, passam aqui de rasp�o.
Que hist�ria ele est� contando? A de como, com a derrocada do Imp�rio romano, o cristianismo passa a ser a veia �ntima de uma nova civiliza��o. Claro, isso tem a ver com um fato espiritual � a tremenda energia que espalhou catedrais g�ticas por toda a Europa, miss�es por todo o mundo. Mas �, sobretudo, a hist�ria muito humana de como, nessa constru��o, o espiritual se misturou ao terreno � no que isso tem de bonito e, �s vezes, de catastr�fico.
No plano religioso, a sociedade teocr�tica deveria ser o ideal. E no entanto, cada vez que isso acontece, surgem problemas � o Ir� de agora que o diga. No caso do cristianismo, as primeiras etapas s�o edificantes. Na Europa que desmoronava sob as tropelias dos b�rbaros, � a organiza��o crist� (romana) que vai preencher o vazio. Naquilo que se chamou a Idade das Trevas, seria dif�cil exagerar a import�ncia do papel desempenhado pelos bispos e pelos mosteiros, n�cleos seminais de uma nova �poca.
Na aurora do ano 1000, j� se pode falar de uma civiliza��o crist�. Foi a chance de ouro da teocracia. Mas � ali mesmo que (nos termos da hist�ria contada por Johnson) come�am os problemas.
Lembra muito a B�blia � a hist�ria de Israel, que avan�a penosamente at� a montagem da monarquia dav�dica. Vem o esplendor de Salom�o. O que acontece? Um minuto depois, a gl�ria come�a a adernar na dire��o da trag�dia. Em 1296, o Papa Bonif�cio VIII enuncia o que era o puro triunfalismo romano: �Ambas est�o em poder da Igreja: a espada espiritual e a espada material. Mas a segunda deve ser usada PARA a Igreja, e a primeira POR ela. A autoridade temporal deve estar sujeita � espiritual. Se, assim, o poder temporal erra, ele ser� julgado pelo poder espiritual. Mas se o poder espiritual erra, ele s� pode ser julgado por Deus, n�o pelo homem�.
Suprema seguran�a, que n�o ia durar muito. Pouqu�ssimos anos depois, esse mesmo Papa Bonif�cio � capturado pelos esbirros de Filipe o Belo; maltratado, morre logo depois. A coroa da Fran�a imp�e-se � tiara romana. Vai come�ar o �cativeiro de Avinh�o�, o decl�nio final da Idade M�dia, os cismas em que chegaram a haver tr�s papas simultaneamente; tudo isso culminando na corrup��o vaticana que, no in�cio do s�culo XVI, desencadeou a Reforma protestante.
Esta pregava a livre opini�o em mat�ria de doutrina; o livre exame das Escrituras, que fazia de cada fiel um sacerdote. Estava assim liquidada a confus�o entre poder temporal e poder espiritual? Longe disso. A revolu��o luterana era, de fato, um desafio no plano espiritual; mas, ao lado desse apelo ao �cristianismo original�, estava tamb�m o impulso, mais ou menos consciente, de forma��o de uma Na��o alem�, at� ent�o abortada pelas diverg�ncias entre os pr�ncipes, pelo complexo de inferioridade em rela��o � tradi��o romana � a dos papas e dos imperadores.
Lutero, desde o in�cio, contava tanto com a sua eloq��ncia como com o bra�o dos pr�ncipes alem�es. Logo em 1524, poucos anos depois do in�cio da Reforma, e tirando partido do esp�rito libert�rio que se difundia, rebenta uma revolta de camponeses � que tinham, de fato, vida dura
O que faz Lutero, o libert�rio? Orienta os pr�ncipes a esmagar a revolta. No assustador panfleto �Contra as hordas de camponeses assassinos e ladr�es�, ele pediu aos pr�ncipes que brandissem suas espadas �a fim de libertar, salvar e apiedar-se dos pobres for�ados a se juntar aos camponeses � mas, quanto aos perversos, punam, apunhalem e assassinem todos os que puderem�. E acrescenta: �Esses tempos s�o t�o extraordin�rios que um pr�ncipe pode conquistar os c�us mais facilmente pelo derramamento de sangue do que pela ora��o�.
Enfatiza Johnson: �O luteranismo era basicamente conservador em sua doutrina e estrutura. Era uma forma de catolicismo de Estado, despojada e simplificada, mas n�o diferente, em ess�ncia, do cristianismo medieval. Nas regi�es luteranas, a reorganiza��o foi efetivada pelas autoridades seculares, a pedido do estado�.
A Europa entra no ciclo das guerras de religi�o, que v�o fazer correr rios de sangue. A raz�o de tanto sangue n�o est� s� nas diverg�ncias doutrin�rias, e na paix�o que o fen�meno religioso provoca: est� nos choques pol�ticos derivados dessas filia��es doutrin�rias. Tinha-se estabelecido o princ�pio de que �a cada pr�ncipe corresponde uma religi�o� � isto �, dependia do governante a determina��o do credo. Johnson acha que isso n�o era t�o complicado ou artificial assim.
O Globo 18/08/2001