Neste livro, o autor faz um retrospecto e um
balan�o dos quase dois mil anos da experi�ncia crist�.
Luiz Paulo Horta
A "Hist�ria do
cristianismo", de Paul Johnson, � um formid�vel exerc�cio intelectual.
Quem leu a �Hist�ria dos judeus�, do mesmo autor, sabe do que ele � capaz
em mat�ria de acumula��o inteligente de fatos � nunca, jamais, a erudi��o
pela erudi��o.
Agora chega ao Brasil, em
tradu��o competente, um novo �tijolo�. Que vale demais a pena. Mas �
melhor saber do que se trata: n�o exatamente a hist�ria interna da religi�o,
do fato religioso; os santos cat�licos, por exemplo, passam aqui de rasp�o.
Que hist�ria ele est�
contando? A de como, com a derrocada do Imp�rio romano, o cristianismo passa a
ser a veia �ntima de uma nova civiliza��o. Claro, isso tem a ver com um fato
espiritual � a tremenda energia que espalhou catedrais g�ticas por toda a
Europa, miss�es por todo o mundo. Mas �, sobretudo, a hist�ria muito humana
de como, nessa constru��o, o espiritual se misturou ao terreno � no que isso
tem de bonito e, �s vezes, de catastr�fico.
No plano religioso, a
sociedade teocr�tica deveria ser o ideal. E no entanto, cada vez que isso
acontece, surgem problemas � o Ir� de agora que o diga. No caso do
cristianismo, as primeiras etapas s�o edificantes. Na Europa que desmoronava
sob as tropelias dos b�rbaros, � a organiza��o crist� (romana) que vai
preencher o vazio. Naquilo que se chamou a Idade das Trevas, seria dif�cil
exagerar a import�ncia do papel desempenhado pelos bispos e pelos mosteiros, n�cleos
seminais de uma nova �poca.
Na aurora do ano 1000, j� se pode falar de uma civiliza��o crist�. Foi a
chance de ouro da teocracia. Mas � ali mesmo que (nos termos da hist�ria
contada por Johnson) come�am os problemas.
Lembra muito a B�blia
� a hist�ria de Israel, que avan�a penosamente at� a montagem da monarquia
dav�dica. Vem o esplendor de Salom�o. O que acontece? Um minuto depois, a gl�ria
come�a a adernar na dire��o da trag�dia. Em 1296, o Papa Bonif�cio VIII
enuncia o que era o puro triunfalismo romano: �Ambas est�o em poder da
Igreja: a espada espiritual e a espada material. Mas a segunda deve ser usada
PARA a Igreja, e a primeira POR ela. A autoridade temporal deve estar sujeita �
espiritual. Se, assim, o poder temporal erra, ele ser� julgado pelo poder
espiritual. Mas se o poder espiritual erra, ele s� pode ser julgado por Deus, n�o
pelo homem�.
Suprema seguran�a, que n�o
ia durar muito. Pouqu�ssimos anos depois, esse mesmo Papa Bonif�cio �
capturado pelos esbirros de Filipe o Belo; maltratado, morre logo depois. A
coroa da Fran�a imp�e-se � tiara romana. Vai come�ar o �cativeiro de Avinh�o�,
o decl�nio final da Idade M�dia, os cismas em que chegaram a haver tr�s papas
simultaneamente; tudo isso culminando na corrup��o vaticana que, no in�cio do
s�culo XVI, desencadeou a Reforma protestante.
Esta pregava a livre
opini�o em mat�ria de doutrina; o livre exame das Escrituras, que fazia de
cada fiel um sacerdote. Estava assim liquidada a confus�o entre poder temporal
e poder espiritual? Longe disso. A revolu��o luterana era, de fato, um desafio
no plano espiritual; mas, ao lado desse apelo ao �cristianismo original�,
estava tamb�m o impulso, mais ou menos consciente, de forma��o de uma Na��o
alem�, at� ent�o abortada pelas diverg�ncias entre os pr�ncipes, pelo
complexo de inferioridade em rela��o � tradi��o romana � a dos papas e
dos imperadores.
Lutero, desde o in�cio,
contava tanto com a sua eloq��ncia como com o bra�o dos pr�ncipes alem�es.
Logo em 1524, poucos anos depois do in�cio da Reforma, e tirando partido do esp�rito
libert�rio que se difundia, rebenta uma revolta de camponeses � que tinham,
de fato, vida dura
O que faz Lutero, o libert�rio? Orienta os pr�ncipes a esmagar a revolta. No
assustador panfleto �Contra as hordas de camponeses assassinos e ladr�es�,
ele pediu aos pr�ncipes que brandissem suas espadas �a fim de libertar,
salvar e apiedar-se dos pobres for�ados a se juntar aos camponeses � mas,
quanto aos perversos, punam, apunhalem e assassinem todos os que puderem�. E
acrescenta: �Esses tempos s�o t�o extraordin�rios que um pr�ncipe pode
conquistar os c�us mais facilmente pelo derramamento de sangue do que pela ora��o�.
Enfatiza Johnson: �O
luteranismo era basicamente conservador em sua doutrina e estrutura. Era uma
forma de catolicismo de Estado, despojada e simplificada, mas n�o diferente, em
ess�ncia, do cristianismo medieval. Nas regi�es luteranas, a reorganiza��o
foi efetivada pelas autoridades seculares, a pedido do estado�.
A Europa entra no ciclo
das guerras de religi�o, que v�o fazer correr rios de sangue. A raz�o de
tanto sangue n�o est� s� nas diverg�ncias doutrin�rias, e na paix�o que o
fen�meno religioso provoca: est� nos choques pol�ticos derivados dessas filia��es
doutrin�rias. Tinha-se estabelecido o princ�pio de que �a cada pr�ncipe
corresponde uma religi�o� � isto �, dependia do governante a determina��o
do credo. Johnson acha que isso n�o era t�o complicado ou artificial assim.