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Livro: Frei Joaquim do Amor Divino Caneca
Autor: Evaldo Cabral de Mello (organizador)
Editora: 34
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 648
Revolucion�rio e pensador pol�tico 
Novo volume da cole��o "Formadores do Brasil" trata do Frei Caneca

Adelto Gon�alves

O homem que desafiou o despotismo de dom Pedro I e, por isso, foi fuzilado, sem nunca deixar de defender um sentimento nativista, era um lusitano jus sanguinis. Frei Joaquim do Amor Divino Caneca (1779-1825), esse homem, era filho de Domingos da Silva Rabelo, portugu�s de nascimento, tanoeiro de profiss�o. Sua m�e era pernambucana, filha de um lisboeta, cuja m�e vivera no Bairro Alto, onde ganhara o apelido de Ruibaca, devido a sua ruivid�o.
Seria, portanto, Frei Caneca ruivo, o que n�o impediu de o acusarem de filho de �dois pardos comedidos�. Ao que ele rebateu que, ao longo de tr�s gera��es, seus antepassados eram todos rein�is que, fixando-se no Recife, haviam casado com naturais da terra, de outros rein�is. Um trisav� materno, por�m, teria penetrado no sert�o e misturado o seu sangue com uma filha do gentio do Brasil. Frei Caneca n�o sabia, por�m, se essa trisav� seria �alguma tapuia, petiguari, tupinamb�, mas, observou, por outro lado, que: �Se foi alguma rainha Ginga, nenhum mal me faz�.
Estas informa��es constam da introdu��o que o diplomata e historiador Evaldo Cabral de Mello escreveu para Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, livro que faz parte da Cole��o Formadores do Brasil, dirigida por Jorge Caldeira, e que tem por objetivo resgatar obras fundamentais do pensamento sobre a Na��o brasileira. O volume re�ne os principais escritos pol�ticos de Frei Caneca, religioso da Ordem do Carmo, que nasceu, viveu e morreu em Pernambuco, uma figura pouco estudada na historiografia brasileira, mas que foi, al�m de importante revolucion�rio, um dos pensadores pol�ticos mais consistentes de seu tempo.
 Seus textos, singulares por sua envergadura intelectual e ideol�gica, testemunham a resist�ncia que as prov�ncias do Norte (de Pernambuco ao Cear�) articularam contra a postura desp�tica de dom Pedro I. Se, a princ�pio, Frei Caneca depositava confian�a no imp�rio constitucional - o que pode ser verificado no �Serm�o de aclama��o de d. Pedro I� -, a partir do momento em que o imperador convoca o ex�rcito, fecha a Assembl�ia Constituinte e imp�e o seu pr�prio projeto de Constitui��o, os ideais libert�rios do pensador s�o feridos e ele passa a exercer, sobretudo atrav�s de sua pena, todo o seu poder combativo.
As �Cartas de P�tia a Dam�o�, de 1823, e os textos de Typhis Pernambucano, peri�dico editado por Caneca de dezembro de 1823 a agosto de 1824, s�o o melhor exemplo desse esp�rito revolucion�rio e trazem ainda uma vis�o alternativa para a viabiliza��o do Brasil enquanto na��o independente e descentralizada. �� poss�vel que brasileiros, que homens reputados por patriotas, e que se mostravam t�o interessados pelo bem de seu pa�s, sejam agora os primeiros verdugos de seus compatriotas, os opressores de sua mesma na��o, os tiranos de sua p�tria?�, escrevia, decepcionado, no come�o de 1824, ao comentar sobre os projetos desp�ticos do minist�rio do Rio de Janeiro.
A erudi��o que Frei Caneca mostra em seus escritos � surpreendente, sobretudo porque ele s� deixou Pernambuco para cumprir um per�odo no c�rcere na Bahia e para ocupar a cadeira de Geometria na comarca de Alagoas. Seu interesse universal foi cultivado na biblioteca da Ordem do Carmo e na dos oratorianos do Recife. Ordenou-se com apenas 22 anos e sua carreira eclesi�stica prometia ser bem sucedida. Mas parece que a vida do claustro nunca o atraiu. H�, inclusive, cartas que escreveu a v�rias �afilhadas�, eufemismo com que os integrantes do clero costumavam disfar�ar os rebentos de suas rela��es il�citas.
A entrada de Frei Caneca na cena pol�tica, por�m, deu-se quando da solenidade p�blica da b�n��o da bandeira da Rep�blica de 1817. Nessa �poca, saiu em defesa de um confrade denunciado como anti-revolucion�rio. A revolu��o separatista de 1817, diga-se, era contra o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, proclamado em 1815, ent�o a �nica constru��o estatal existente no Imp�rio lusitano. Sua atua��o, segundo a acusa��o, teria sido como capit�o de guerrilhas, o que lhe valeu quase quatro anos de pris�o em Salvador.
Em �A constitui��o do Imp�rio portugu�s. Revis�o de alguns enviesamentos correntes�, Ant�nio Manuel Hespanha, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, contesta a tradicional imagem de um Imp�rio centrado, dirigido e drenado unilateralmente pela metr�pole. Lembra, por exemplo, que desde o in�cio do s�culo XVIII, a propriedade - ou, pelo menos, as serventias - de todos os of�cios de Justi�a (not�rios e escriv�es) estava � disposi��o das elites econ�micas das col�nias, nomeadamente no Brasil, ressaltando que a import�ncia desse fato n�o pode ser desconhecida ou subestimada. Ou seja, cartas r�gias, concess�es de sesmarias, vendas e partilhas de propriedades, requerimentos de gra�as r�gias, tudo passava pelas m�os das elites coloniais
Ao retornar a Pernambuco em 1821, passou a opor-se contra o grupo de �ulicos defensores do absolutismo com dom Pedro, participando dos movimentos sociais deflagrados a partir da not�cia da Revolu��o do Porto em 1820. Irritou-se quando dom Pedro, na fala do trono � Constituinte, depois da separa��o, prometeu defender a p�tria e a Constitui��o, caso esta seja �digna do Brasil e de mim�.
Para Caneca, o chefe da na��o n�o podia ter �outra dignidade� que n�o fosse a da na��o, de maneira que s� lhe competiria submeter-se � Constituinte. �Aqui v�em todos como v�o subindo gradualmente e se v�o desenvolvendo os sentimentos que o astuto ministro (Jos� Bonif�cio) tem querido plantar em sua majestade imperial e constitucional contra todas as inten��es puras, liberais e sinceras de seu augusto cora��o�, escreveu.
Em 1824, estoura a chamada Confedera��o do Equador, movimento que defendia a separa��o de Pernambuco do Imp�rio brasileiro e a ado��o de um projeto republicano radical, numa �poca em que n�o havia nem a no��o clara de na��o. Aderindo totalmente � iniciativa, Frei Caneca passou a escrever o peri�dico Typhis Pernambucano, que ser� a sua trincheira at� a liquida��o da Confedera��o do Equador. Com m�o de ferro, o imperador, que j� havia mandado dissolver a Constituinte, determinou a suspens�o das garantias constitucionais na prov�ncia e o bloqueio do Recife por uma esquadra, que bombardeou a cidade, ao mesmo tempo em que tropas do brigadeiro Lima e Silva invadiram por terra a partir do sul.
O desfecho foi r�pido. Ao todo, foram executados onze confederados, dos quais tr�s no Rio de Janeiro. Frei Caneca foi fuzilado a 13 de janeiro de 1825 na Fortaleza das Cinco Pontas, depois que nenhum carrasco se disp�s a cumprir a senten�a que previa a sua morte na forca.
NetHist�ria 22/02/2002