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Livro: O Antigo Regime nos tr�picos: a din�mica imperial portuguesa (S�culos XVI-XVIII)
Autores: Jo�o Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria de F�tima Gouv�a (organizadores)
Editora: Civiliza��o Brasileira
Ano: 2001
N�mero de p�ginas: 473
Renova��o historiogr�fica
Historiadores brasileiros e portugueses d�o uma nova vis�o do imp�rio portugu�s entre os s�culos XVI-XVIII

Adelto Gon�alves

Formado por 12 ensaios distintos de historiadores brasileiros e portugueses, O Antigo Regime nos Tr�picos: a din�mica imperial portuguesa (s�culos XVI-XVIII) constitui um conjunto homog�neo que d� uma nova vis�o do imp�rio portugu�s, mostrando-o como uma rede de rela��es econ�micas, pol�ticas, jur�dicas e sociais capaz de articular sociedades diversas, abrigar poderes aut�nomos e interesses comerciais conflitantes. Do lado brasileiro, sem a vis�o nacionalista, que fazia descobrir a �na��o� antes mesmo de ela existir - como a superada teoria de que as inconfid�ncias mineira, carioca e baiana formam um processo que redundaria na Independ�ncia em 1822. E, do lado portugu�s, questionando uma s�rie de id�ias estabelecidas, revelando um peso insuspeitado de poderes, nomeadamente das c�maras e das institui��es eclesi�sticas e senhoriais.
Como bem dizem os seus organizadores - Jo�o Fragoso, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Maria Fernanda Bicalho e Maria de F�tima Gouv�a, da Universidade Federal Fluminense -, este trabalho � fruto de uma perspectiva historiogr�fica inovadora que vem surgindo e se impondo em teses de doutoramento e em disserta��es de mestrado. Em outras palavras: s�o trabalhos que est�o baseados maci�amente em documenta��o manuscrita de arquivos brasileiros e portugueses e que resultaram de anos de dedica��o e pesquisa.
Bem diferente daqueles trabalhos que alguns acad�micos e �curiosos� ainda insistem em escrever, repetindo informa��es falsas e disparates que encontram em livros impressos e cuja origem j� se perdeu na poeira do tempo. Como ocorreu, por exemplo, durante as comemora��es dos 500 Anos do Descobrimento do Brasil, quando v�rios desses livros de ocasi�o ocuparam a lista dos mais vendidos, ludibriando a boa-f� de milhares de leitores. Ali�s, seria recomend�vel que o leitor ficasse cada vez mais exigente e, antes de comprar um livro de Hist�ria, consultasse a sua bibliografia, constatando se a origem das informa��es vem de documenta��o pesquisada em arquivos ou se � mera repeti��o de dados de outros livros.
 Dividido em quatro partes, o livro abre-se com �As Conjunturas do Mare Lusitano�, tr�s cap�tulos que analisam distintas conjunturas s�cio-econ�micas, interligando diferentes regi�es do Atl�ntico ao longo dos s�culos XVI, XVII e XVIII. No primeiro cap�tulo, �A forma��o da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial (s�culos XVI e XVII)�, Jo�o Fragoso observa que os conquistadores criariam no Brasil uma �nobreza� de origem �pobre�, no sentido de que n�o descendia da primeira aristocracia do reino. �Na verdade, vinha de casas preteridas em Portugal ou ent�o constitu�das em meio � �infla��o de honras� ligadas � expans�o ultramarina. �Pobre� tamb�m no sentido econ�mico, ou seja, sem muito cabedal�, afirma.
Segundo Fragoso, nesse contexto, n�o � de se estranhar que, nas �melhores fam�lias do Rio�, encontrem-se mercadores - n�o de grosso trato -, sertanistas, m�dicos etc. Isso sugere que esta primeira elite, em sua forma��o, n�o tinha �problemas� em rela��o ao mercado e talvez ao trabalho, este no seu sentido mais amplo. Da mesma forma, era suficientemente tolerante para aceitar crist�os-novos, sempre, � claro, dentro de certos limites.
Por �ltimo, observa Fragoso, se foi certo que aquela nobreza e suas pr�ticas de acumula��o, como fen�menos majorit�rios, cederam espa�os, em algum momento do setecentos, a outras rela��es sociais mais baseadas no com�rcio, a pr�tica da exclus�o social do p�blico (para al�m dos escravos) continuaria como uma das chaves para a acumula��o de riquezas nas m�os de um pequeno grupo de pessoas. O que explicaria a escandalosa concentra��o de renda que existe hoje no Brasil, uma das mais injustas do mundo.
Nesse mesmo diapas�o, em outro ensaio, �As elites econ�micas nos quadros do imp�rio portugu�s: o exemplo do Rio Grande do Sul (s�culo XVIII)�, Helen Os�rio, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mostra que a arremata��o dos contratos foi um poderoso instrumento de acumula��o nas m�os de negociantes do Rio de Janeiro, como fora na Europa. Sob a generosa sombra do Estado, por meio de transa��es em um mercado restrito e desde uma posi��o privilegiada, da usura e da especula��o, enfim, dos instrumentos propiciados pelo capital mercantil, puderam refor�ar seu lugar na elite econ�mica colonial.
Em �A constitui��o do Imp�rio portugu�s. Revis�o de alguns enviesamentos correntes�, Ant�nio Manuel Hespanha, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, contesta a tradicional imagem de um Imp�rio centrado, dirigido e drenado unilateralmente pela metr�pole. Lembra, por exemplo, que desde o in�cio do s�culo XVIII, a propriedade - ou, pelo menos, as serventias - de todos os of�cios de Justi�a (not�rios e escriv�es) estava � disposi��o das elites econ�micas das col�nias, nomeadamente no Brasil, ressaltando que a import�ncia desse fato n�o pode ser desconhecida ou subestimada. Ou seja, cartas r�gias, concess�es de sesmarias, vendas e partilhas de propriedades, requerimentos de gra�as r�gias, tudo passava pelas m�os das elites coloniais
Para Hespanha, esse novo enfoque sobre as rela��es metr�pole-col�nia - promovido por meio de consultas a documentos da �poca - vai obrigar � revis�o de uma grande quantidade de trivialidades pouco consistentes sobre o imperialismo e a explora��o metropolitanos ou a redu��o das tens�es pol�ticas no Brasil colonial � tens�o entre a col�nia e o reino, o que vinha provocando, por sua vez, exageros sobre as raz�es que levaram �s rupturas da independ�ncia.
J� Nuno Gon�alo F. Monteiro, do Instituto de Ci�ncias Sociais da Universidade de Lisboa, em �Trajet�rias sociais e governo das conquistas: notas preliminares sobre os vice-reis e governadores-gerais do Brasil e da �ndia nos s�culos XVII e XVIII�, observa que, antes da partida da fam�lia real para o Rio de Janeiro em 1807, foram pouco freq�entes os casos de enlace matrimonial das elites brasileiras e a descend�ncia da primeira nobreza do reino, ao contr�rio do que ocorreu, por exemplo, na �ndia. O historiador conclui que a riqueza, mesmo quando copiosa, n�o chegava para abrir as portas ao topo da hierarquia social de uma monarquia intercontinental de cujos centros educacionais e de produ��o cultural se procurava preservar o exclusivo europeu.
Monteiro destaca que a nomea��o de governadores rein�is e t�o nobres quanto poss�vel visava, na Am�rica portuguesa como em outras paragens, a colocar no comando de cada capitania quem maior independ�ncia se supunha assegurar em rela��o aos interesses ou fac��es locais que, como Hespanha mostra em ensaio anterior, dominavam praticamente todas as esferas do poder provinciano. Ou seja, a base do recrutamento dos governadores radicava nas elites rein�is, ou mais exatamente, em oficiais do ex�rcito. Obviamente, nas capitanias de menor import�ncia admitia-se para governador pessoas de hierarquia inferior, �s vezes at� sem fidalguia de nascimento ou com ra�zes �mec�nicas� pr�ximas.
Em �Din�mica do com�rcio intracolonial: Geribitas, panos asi�ticos e guerra no tr�fico angolano de escravos (s�culo XVIII)�, Roquinaldo Ferreira, que faz doutoramento em Hist�ria na Universidade da Calif�rnia Los Angeles, observa que, na segunda metade do s�culo XVIII, o tr�fico angolano era integrante de um sistema mercantil cujo centro estava no centro-sul do Brasil. Entre 1736 e 1770, comparando com Lisboa, as tr�s pra�as mercantis brasileiras que negociavam com Luanda - Salvador, Recife e Rio de Janeiro -, usufru�am larga vantagem no com�rcio direto com Angola. Seus navios respondiam por cerca de 85% de toda a movimenta��o no porto de Luanda, enquanto apenas 15% vinham de Portugal. Do Brasil, iam para Angola n�o s� os g�neros para o com�rcio dos sert�es - �lcool, fazendas asi�ticas, p�lvora e armamentos -, mas tamb�m soldados e cavalos para proteger e expandir o controle portugu�s sobre Angola.
Em 1772, como observa o historiador, a invers�o de pap�is era tal que levou os administradores portugueses a dizerem que �n�o parece Portugal o pa�s dominante das suas Am�ricas, mas s�o elas que representam o pa�s dominante de Portugal� (AHU, Angola, cx. 56, avulsos, doc. 46). Em 1768, grande parte do com�rcio com o Oriente, de acordo com a pesquisa de Roquinaldo Ferreira, havia ca�do nas m�os de negociantes americanos, segundo os membros da Junta de Com�rcio de Lisboa. Sob o pretexto de buscar escravos por melhores pre�os em Mo�ambique, esses negociantes estavam enviando navios diretamente ao Oriente. Este com�rcio n�o era apenas decorr�ncia do esvaziamento econ�mico da metr�pole, mas tamb�m uma prova do papel crucial que as pra�as mercantis do Rio de Janeiro e Salvador tinham no Imp�rio portugu�s.
Nesse sentido, o �ltimo ensaio do livro, �T�xteis e metais preciosos: novos v�nculos do com�rcio indo-brasileiro (1808-1820)�, de Lu�s Frederico Dias Antunes, que faz doutoramento em Hist�ria na Universidade Nova de Lisboa, mostra como o Brasil passou a ocupar, no final do s�culo XVIII e in�cio do XIX, o papel de principal p�lo produtivo com Goa, ficando Portugal como o centro de decis�o pol�tica, o que contesta uma vis�o estereotipada vigente at� h� pouco tempo de que os portos de Rio de Janeiro e Salvador se resumiam a escalas para as naus da carreira da �ndia.
� poss�vel que algumas das observa��es constantes neste livro n�o agradem a historiadores que preferem conclus�es mais assentadas na historiografia tradicional. Mas � assim que se faz a hist�ria, com pesquisa e interpreta��o. Quem n�o concordar com as conclus�es dos ensa�stas s� ter� um rem�dio: mergulhar a fundo nos arquivos e trazer novos subs�dios e, quem sabe, novas interpreta��es. Foi o que fizeram os autores destes ensaios, que, produtos de intensa pesquisa, abrem novas perspectivas para o estudo da �din�mica imperial portuguesa�.
NetHist�ria 25/08/2002