Enquanto
o tr�fico permitiu a multiplica��o da riqueza e sustentou o luxo da fam�lia
real no Brasil e a m�o-de-obra, de um modo ou de outro, foi mantida sob
controle, o traficante negreiro gozou de elevado conceito social. Mas, com a
proibi��o do com�rcio de escravos e a repress�o pela pot�ncia da �poca, a
Inglaterra, o traficante come�ou a ver a sua imagem social passar de
comerciante rico e influente para pirata voraz e indigno. Esse processo, por�m,
arrastou-se por mais de vinte anos, de fins da d�cada de 1820 at� por volta de
1850, per�odo em que os traficantes procuraram lan�ar m�o de v�rios
artif�cios para manter seu lucrativo com�rcio.
Para
contar em detalhes a hist�ria n�o s� desse per�odo como das tr�s d�cadas
anteriores, Jaime Rodrigues, doutor em Hist�ria Social pela Universidade de
S�o Paulo, escreveu O infame com�rcio: propostas e experi�ncias no final
do tr�fico de africanos para o Brasil (1800-1850), sua disserta��o de
mestrado em Hist�ria Social apresentada em 1994 � Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Ao faz�-lo, descobriu que a hist�ria da extin��o do
tr�fico negreiro sempre esteve atrelada a um tema maior: a aboli��o da
escravid�o. Partindo dessa constata��o, um de seus objetivos foi recuperar a
especificidade da discuss�o em torno do tr�fico de escravos na primeira metade
do s�culo XIX, sem conceb�-la como etapa inicial do processo de aboli��o,
que s� se concretizaria d�cadas depois.
A
segunda quest�o que embasa o livro abrange a press�o inglesa para extinguir o
tr�fico de escravos, tida como determinante pela maior parte dos estudos.
Rodrigues, por�m, mostra a quest�o pelo avesso em rela��o � historiografia
tradicional, deixando impl�cito que os ingleses exerceram press�o movidos
mesmo por interesses econ�micos. Ou seja: o humanitarismo, como se pode
comprovar ao longo da hist�ria, serviu mais uma vez para mascarar interesses
subalternos.
Depois
da primeira proibi��o do tr�fico de africanos para o Brasil, em novembro de
1831, a atividade prosseguiu na forma de contrabando, mas, ao contr�rio do que
ingenuamente se poderia supor, as autoridades policiais raras vezes instauraram
processo contra algum suspeito, atuando, isso sim, de maneira conivente com a
ilegalidade.
Na
sec��o da Auditoria Geral de Marinha no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro,
segundo Rodrigues, existem apenas 21 autos referentes a capturas efetuadas no
litoral Centro-Sul do Brasil, englobando as prov�ncias do Esp�rito Santo, Rio
de Janeiro, S�o Paulo, Paran� e Santa Catarina, al�m da Corte, no per�odo
compreendido entre 1849 e 1857. Mas nem todas as apreens�es puderam ser feitas
antes do desembarque dos africanos e da fuga da tripula��o, o que refor�a a
suspeita da coniv�ncia com que as autoridades agiriam. Algumas vezes, os
processos relatam apenas a captura de embarca��es abandonadas ou incendiadas
para apagar vest�gios comprometedores.
Se
havia coniv�ncia policial com os traficantes - todos bem situados na classe
dominante -, por que, ent�o, chegou-se � aboli��o em 1888? As teses mais
marcantes da historiografia at� aqui atribu�am as raz�es, de um lado, �
evolu��o da doutrina em favor da aboli��o gradual e, de outro, � press�o
inglesa. Mas esses aspectos, segundo o historiador, deixam de lado toda a
discuss�o interna que envolveu o fim do tr�fico de africanos para o Brasil.
Em
seu trabalho, Rodrigues enfatizou a an�lise dos conflitos internos de que
participaram v�rios grupos sociais brasileiros, tais como os parlamentares, os
traficantes, a popula��o livre e pobre, os escravos e os africanos livres. Ao
mesmo tempo, prop�s relacionar o final do tr�fico a diversos outros temas
presentes na discuss�o pol�tica (e n�o apenas parlamentar) durante aquele
per�odo. Entre eles, o controle social de livres e libertos, os projetos de
civiliza��o e as concep��es de na��o e cidadania. Por isso, Rodrigues
assegura que a id�ia de uma aboli��o gradual e a press�o inglesa n�o
explicam a exist�ncia de duas leis de extin��o do tr�fico, em 1831 e 1850.
Para
chegar ao seu objetivo, o historiador concentrou o foco de suas pesquisas sobre
os debates parlamentares na C�mara e no Senado, as mem�rias sobre a
escravid�o que foram escritas durante a primeira metade do s�culo XIX, os
processos de apresamento de navios negreiros e a correspond�ncia entre
autoridades centrais, provinciais e locais referentes � repress�o ao tr�fico
clandestino. Dessa pesquisa, que trouxe � tona novas fontes, resultaram
enfoques diferenciados sobre o assunto - um deles, especialmente, � a atua��o
da popula��o livre e pobre do Imp�rio a favor da extin��o do tr�fico, o
que at� agora havia sido solenemente deixado de lado pela historiografia.