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Livro: Nem tudo era italiano: S�o Paulo e pobreza (1890-1915)
Autor: Carlos Jos� Ferreira dos Santos
Editora: Annablume
Ano: 1998
N�mero de p�ginas: 196
Uma outra face da metr�pole paulistana

Andr� Figueiredo Rodrigues

Quem caminha pelas ruas do antigo per�metro urbano da cidade de S�o Paulo, o conhecido Tri�ngulo Paulista - ruas do Ros�rio, S�o Bento e Direita; ou ent�o pelas suas redondezas - V�rzea do Carmo (regi�o do atual Parque Dom Pedro II e do Mercado P�blico Municipal), Sul da S� (atualmente localizada entre a Pra�a da S�, parte do Glic�rio e da Liberdade) e Largo Nossa Senhora do Ros�rio (hoje Pra�a Antonio Prado), depara-se com constru��es que muito pouco lembram os momentos em que fora povoada por caf�s, galerias, confeitarias e at� livrarias, onde se comprava o melhor vinho alem�o, a melhor champanhe francesa, o melhor chocolate su��o e os mais importantes livros, nas �ltimas d�cadas do s�culo passado.
A elite que freq�entava tais ambientes, muito parecido aos cariocas e aos parisienses, buscava sa�de em novas �reas como Higien�polis, entre habita��es de luxo. A partir da 1890, nascia como marca desta prosperidade o s�mbolo dos paulistas, o cart�o postal da cidade, a Avenida Paulista. A ocupa��o desta �rea marca a progressiva ascens�o de uma burguesia oriunda de uma elite imigrante, industrial e comercial, destitu�da de tradi��es, fato notado pela transi��o das moradias de tipo fazenda, modificado pelos bar�es de caf�, para a miscel�nea ostentosa de estilos diferenciados, quase todos europeus, no melhor estilo art noveau e neocl�ssico.
A cidade come�ou a crescer em ritmo acelerado. A grande arrancada se deu entre 1890 e 1900, per�odo em que a popula��o paulistana passou de 64.934 habitantes para 239.820, registrando uma eleva��o de 268% em dez anos, a uma taxa geom�trica de 14% de crescimento anual. S�o Paulo era a metr�pole que mais crescia no Brasil. Era a s�ntese do progresso e do desenvolvimento urbano, oriundo dos excedentes financeiros provenientes da cafeicultura e dos investimentos de imigrantes italianos e s�rio-libaneses que aqui come�aram a residir.
O livro Nem tudo era italiano, de autoria de Carlos Jos� Ferreira dos Santos procura desvendar uma outra face da metr�pole paulistana. N�o aquela povoada pelos grandes imigrantes que aqui chegaram, como as fam�lias Matarazzo ou Jafet, por exemplo, ou os oper�rios italianos residentes nos bairros da zona leste que, naquele momento, cresciam vertiginosamente acompanhando o ritmo da urbaniza��o. O que pretende � desvendar outros elementos que constitu�ram a grande massa populacional da urbe paulistana: os habitantes nacionais que trabalhavam e experimentavam a pobreza, a exclus�o e o reverso da metropoliza��o proposta pela elite e pelo governo provincial de S�o Paulo.
S�o Paulo � um retrato multiangular: cidade s�ntese de v�rios povos e culturas. Como bem lembrou Caetano Veloso, a capital do Estado mais rico da federa��o � o �avesso do avesso�. Assim, para compreender esse �avesso� e a presen�a dos que aprenderam �a chamar-te de realidade� � que Carlos Jos� adentra o universo dos n�o imigrantes, ou seja, o universo da parcela pobre da popula��o, conhecidos como negros, �ndios, mesti�os, pretos, pardos, caboclos, caipiras, mulatos, nativos, brasileiros, os da terra. Denomina��es encontradas na documenta��o da �poca.
Como essas pessoas interagiram �s transforma��es na fisionomia urbana que passava a cidade de S�o Paulo na virada do s�culo passado? Quais os seus modos de vida? As respostas a estas quest�es, como a muitas outras, levantadas pelo autor, encontram-se nas instigantes 196 p�ginas que comp�e a obra.
Baseando-se em fontes demogr�ficas, textuais, plantas da cidade e fotografias, buscou relacionar dados populacionais e an�lises presentes na �documenta��o oficial� do governo (em tr�s esferas - municipal, provincial e federal) com a encontrada em �documentos n�o oficiais�, como, por exemplo, jornais, revistas, obras escritas por memorialistas e viajantes. Com isso, o olhar acerca do comportamento e da exist�ncia da parcela pobre da popula��o, como as informa��es referentes aos apontamentos estat�sticos - demogr�ficos e descritivos acerca da composi��o sociocultural dos paulistanos e dos trabalhadores na cidade -, possibilitou ao autor apreender aspectos diferenciados das transforma��es populacionais do per�odo, quase sempre elogiadas pela historiografia brasileiras pelo seu sentido civilizat�rio e de progresso.
A leitura que faz permite acompanhar aspectos da din�mica do viver urbano e a evolu��o populacional das diferentes parcelas da popula��o nacional. Assim, encontramos personagens como o Pai In�cio, vendedor de p�ssaros, ervas, ra�zes e outros produtos no Mercado Velho, como outros vendedores que se espalhavam pelas ruas e pra�as da �rea central da cidade.
O processo de urbaniza��o levou �quela regi�o o progresso, que as promessas dos governadores diziam representar melhores qualidades de vida. Linhas de bonde cortavam a cidade, pavimenta��o e energia come�avam a tornar-se realidade, conforme os novos planos urban�sticos. As fotografias reproduzidas no livro, em n�mero de 24, permitem-nos notar, mesmo que sorrateiramente, em algumas delas, esses elementos. Mas, o mais importante das reprodu��es s�o as particularidades do dia-a-dia captadas �sem querer� pelos fot�grafos, muitas vezes, respons�veis em registrar o crescimento urbano da cidade e uma certa europeiza��o do seu centro.
Fotos de trilhos de bondes com os seus limpadores, vendedores ambulantes batalhando pelo seu sustento, carregadores de �gua e lavadeiras de roupas na v�rzea do rio Tamanduate� - imagens da cidade provinciana do s�culo XIX que aparecem simultaneamente com a da metr�pole que caminhava rumo � nova cent�ria.
Construindo uma leitura sobre diferentes modos de viver e de trabalhar em S�o Paulo, o livro divide-se em tr�s cap�tulos interligados entre si. No primeiro cap�tulo, Os elementos indiscut�veis de nosso progresso, Carlos Jos� procurou recuperar cr�tica e historicamente o projeto modernizante e o de branqueamento que se pretendeu instituir em S�o Paulo. Os modos e as maneiras pelas quais a popula��o pobre interagia com essas transforma��es s�o os objetivos desse item.
No cap�tulo seguinte, Em busca da presen�a dos nacionais pobres: espa�os urbanos, trabalho, cultura e transgress�o, discute as formas de resist�ncia criadas por essa popula��o ao modelo urban�stico e sociocultural que se queria implantar. Projeto de uma �hipot�tica� civiliza��o moderna, branca e europeizada, que procurava esconder ou destruir os vest�gios de uma suposta barb�rie relacionada � popula��o pobre.
O �ltimo item versa sobre os Servi�os de negros - na cad�ncia de modas ind�genas e africanas. Analisando os trabalhadores de ruas e pra�as, os carroceiros e ambulantes, assim como as mulheres em seus servi�os dom�sticos (amas-de-leite, criadeiras, empregadas dom�sticas) e os homens, que se dedicavam aos servi�os de eventuais, tais como os lavadores de casas, os matadores de gafanhotos, de formigas, tratadores de cavalos, varredores de vias p�blicas, etc., adentra nos particularismos da vida privada daqueles indiv�duos. Este cap�tulo � o mais interessante do conjunto, devido � percep��o proporcionada por outros modos de viver da parcela pobre da popula��o. Por tr�s de um projeto urbano h� um projeto de exclus�o social, e esses personagens s�o os ind�cios de resist�ncia que encontramos na cidade de S�o Paulo no in�cio deste s�culo. Pelas imagens e conclus�es a que chega o autor, as �reas que sofreram maior interfer�ncia provincial e municipal s�o as �reas que hoje sofrem com a pauperiza��o de suas popula��es e ruas.
Todas essas indica��es apontam para �ngulos de leitura que s�o m�ritos de Nem tudo era italiano: o rigor na pesquisa, o tratamento das fontes, a constru��o da narrativa, onde se descreve a hist�ria de personagens que raramente deixaram testemunhos escritos, mas cujos valores, a��es e sentimentos s�o percebidos nas entrelinhas dos registros deixados pelos grupos dominantes e pelos memorialistas. Avan�a em muitas quest�es referentes ao projeto de marginaliza��o da popula��o pobre que habitava ou circulava pelas �reas centrais durante o momento de crescimento e urbaniza��o da cidade de S�o Paulo, na virada do s�culo XIX para o XX. Mais do que uma simples disserta��o de mestrado, esse trabalho liga quest�es socioculturais do in�cio de nossa modernidade com problemas sociais que hoje se repetem com a grande massa populacional da megal�pole S�o Paulo.
NetHist�ria 30/06/2002