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Livro: Charles Frederick Hartt, um naturalista no imp�rio de Pedro II
Autor: Marcus Vin�cius de Freitas
Editora: Editora da UFMG
Ano: 2002
N�mero de p�ginas: 288
Um naturalista no tempo de Pedro II

Adelto Gon�alves

Charles Frederick Hartt, um cientista canadense que, no s�culo XIX, dedicou 13 dos 38 anos de sua vida a estudar o Brasil, acaba de ganhar uma biografia intelectual, escrita com rara sensibilidade liter�ria por Marcus Vin�cius de Freitas, professor de Literatura Brasileira e Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Ao reconstruir o percurso intelectual de seu personagem, Freitas aproveita para jorrar luz sobre a inser��o do naturalista no ambiente cient�fico-intelectual do Brasil nas d�cadas de 60 e 70 do s�culo XIX.
Nascido em Fredericton, Nova Brunswick, Canad�, a 23 de agosto de 1840, Hartt, s�dito da rainha da Inglaterra, portanto, filho de um diretor da Horton Academy, de Wolfville, Nova Esc�cia, desde cedo teve o seu interesse despertado para a Ci�ncia por um professor de mineralogia e geologia da Acadia College, a quem passou a auxiliar na organiza��o de um museu de minerais, f�sseis e pedras. Em 1860, quando terminou a universidade, Hartt voltou com a fam�lia para Nova Brunswick, dessa vez para residir em Saint John, onde o pai abrira uma high school para rapazes e mo�as, uma novidade para o lugar e a �poca.
Trabalhando na escola do pai, Hartt chamou a aten��o do famoso naturalista Agassiz ao fazer uma descoberta extremamente original em Fern Ledges, uma praia rochosa perto de Saint John. Onde outros naturalistas nada viram, Hartt encontrou alguns insetos f�sseis, os mais antigos at� ent�o conhecidos. A descoberta serviria para criar uma aura em torno do jovem naturalista, ent�o com apenas 21 anos. Afinal, o inseto chegou a ser citado por ningu�m menos que Charles Darwin.
Convidado em 1862 para completar seus estudos no rec�m-fundado Museu de Zoologia Comparada de Harvard, em Cambridge, no estado americano de Massachusets, Hartt tornou-se disc�pulo de Agassiz, � �poca o maior naturalista que havia sobre a face da Terra. Isso, no entanto, mais tarde, n�o o impediu de ficar, ainda que polidamente, contra o mestre em sua famosa querela com Darwin. De forma��o marcada pelo idealismo alem�o, Agassiz morreu sem nunca aceitar a teoria evolucionista de Darwin que, ao defender a concep��o transformativa da hist�ria natural, em resumo, deixava claro que as transforma��es na Terra e dos seres vivos n�o estavam nas m�os de um ser supremo, mas incrustadas nas pr�prias leis da natureza.
Para Agassiz, as ra�as humanas e mesmo as diferentes l�nguas seriam entidades aut�nomas, sem rela��o umas com as outras. Tinha, portanto, todos os motivos para fazer a mais ferrenha oposi��o ao autor de Origem das esp�cies. E, mesmo depois que houve um consenso da comunidade cient�fica mundial em torno da tese darwinista, ele n�o deu o bra�o a torcer. Em sua briga particular com Darwin, Agassiz apostava na possibilidade de comprovar a a��o das geleiras no processo de forma��o do continente americano, o que garantiria o isolamento catastr�fico da Am�rica. Para Agassiz, essa cat�strofe constituiria mais uma evid�ncia contra os evolucionistas.
Foi assim que o Brasil surgiu para Agassiz como a grande e �ltima cartada contra a teoria darwinista. Seria tamb�m uma forma de recuperar o prest�gio perdido. Em carta com data de 6/5/1865, convenceu o imperador Pedro II da import�ncia de uma expedi��o. E, assim, surgiu a oportunidade para a primeira viagem de Hartt ao Brasil como participante da expedi��o Thayer, nome do milion�rio de Boston que aceitara financiar a aventura de Agassiz e seus disc�pulos.
A expedi��o serviu para Agassiz produzir um dos maiores fiascos da hist�ria da geologia. Dizia ter encontrado drift no solo brasileiro, como prova de uma suposta a��o das geleiras no Brasil. Em sua necessidade de se opor a Darwin, viu o que queria ver. J� Hartt preocupou-se com outras quest�es, estudando por quinze meses a geologia da costa brasileira do Rio de Janeiro � Bahia. Suas observa��es constitu�ram o livro Geologia e geografia f�sica do Brasil, que, publicado em 1870, logo se tornou um marco no caminho da institucionaliza��o das ci�ncias naturais no pa�s.
Entusiasmado com o que vira e pesquisara, em 22/6/1867 Hartt deixa Nova York no vapor Havana para passar f�rias na costa brasileira. Tr�s s�culos depois, repete o entusiasmo de Pero de Magalh�es G�ndavo para descrever a exuber�ncia da flora, da fauna e dos acidentes geogr�ficos do litoral brasileiro. Produz v�rios textos e carregou material para numerosas confer�ncias em seu retorno aos Estados Unidos. Leva consigo tamb�m o sonho de instalar um servi�o geol�gico no Brasil, capaz de articular as pesquisas em todo o extenso territ�rio do Imp�rio, aproveitando o indisfar��vel interesse do imperador pelas ci�ncias.
O segundo ciclo da experi�ncia de Charles Frederick Hartt no Brasil abre-se com as duas viagens da Expedi��o Morgan e vai at� 1874. Esse per�odo � marcado pela refuta��o que faz da teoria de Agassiz sobre a a��o glacial no continente sul-americano e, sobretudo, pela publica��o de artigos de etnografia brasileira. A partir de 1874, enfim, abre-se o terceiro ciclo de seus estudos. � quando empreende sua �ltima e mais longa viagem ao Pa�s para assumir a Comiss�o Geol�gica do Brasil. Deixara de ser o estudante de Agassiz ou o pesquisador independente de 1867 para se tornar um renomado professor de Geologia de Cornell, cujos estudos sobre o Brasil j� estavam consagrados.
Viaja para o Brasil como chefe de uma equipe que inclu�a nove estudantes de Cornell e um bot�nico. Entre esses estudantes, estava Orvile Derby, que viria a ser o continuador do trabalho de Hartt no Brasil e ator principal do processo de institucionaliza��o das ci�ncias geol�gicas no pa�s.
A passagem de Hartt pelo Brasil conclui com sua morte prematura em 1878, v�tima de febre amarela. No tempo em que esteve no pa�s, exerceu um papel de transi��o: a ci�ncia brasileira seria diferente antes e depois dele. Como observa Marcus Vin�cius de Freitas, a import�ncia de sua imagem de cientista para o ambiente intelectual brasileiro daquele momento pode ser avaliada pelo lugar que seu nome e seu trabalho ocuparam na Exposi��o Antropol�gica Brasileira, montada por Ladislau Netto, em 1881.
Ao todo, o naturalista faria cinco viagens ao Brasil, deixando uma incr�vel profus�o de materiais e conhecimento que o coloca no pante�o dos grandes naturalistas do s�culo XIX, como Saint-Hilaire, Humboldt, Von Martius e Spix, que se embrenharam e descreveram a natureza e a cultura brasileiras. Seu trabalho vai influenciar figuras decisivas da cultura brasileira no s�culo XX, como, por exemplo, M�rio de Andrade, que tratou de se inspirar em Hartt em sua reinven��o liter�ria dos mitos nacionais.
Originalmente tese de doutoramento apresentada ao Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown University, em Providence, em abril de 2000, este trabalho de Marcus Vin�cius de Freitas contou com o apoio de duas figuras cimeiras no mundo cultural luso-brasileiro nos Estados Unidos: os professores George Monteiro, orientador, e On�simo Almeida, diretor do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros. O resultado � um trabalho de fundamental import�ncia para a recupera��o da contribui��o de Hartt ao panorama cultural do Brasil na segunda metade do s�culo XIX.
NetHist�ria 25/08/2002