Livro: O negro no cora��o do
Imp�rio: uma mem�ria a resgatar (s�culos XV-XIX)
Autor: Didier
Lahon
Editora: Casa
do Brasil, Entreculturas (Secretariado Coordenador dos Programas de
Educa��o Multicultural do Minist�rio da Educa��o de Portugal) e
Comiss�o Europ�ia
A
hist�ria da presen�a do negro em Portugal nunca foi muito estudada pelos
investigadores portugueses. Existe
uma meia d�zia de trabalhos importantes � alguns estudos incorporados em
obras de temas mais amplos, como o do professor Joaquim Romero de Magalh�es,
"Os escravos e os emigrantes", inserto na Hist�ria de Portugal (Editorial
Estampa, Lisboa, s.d.),dirigida por Jos� Mattoso; e o de Vitorino
Magalh�es Godinho, "O mercado de m�o-de-obra e os escravos", que faz
parte do livro Os Descobrimentos e a economia mundial (Editorial
Presen�a, Lisboa, 1981); e outros tantos, mais antigos, de conte�do
eminentemente racista, como os de A. A. Mendes Correa e Oliveira Martins, que
nem devem ser levados em conta.
Mas,
recentemente, de maneira curiosa, s�o estrangeiros que v�m mergulhando com
maior profundidade sobre o tema. Exemplo maior � o livro Os negros em
Portugal � uma presen�a silenciosa (Editorial Caminho, Lisboa, 1988), do
pesquisador brasileiro Jos� Ramos Tinhor�o, hoje a principal refer�ncia sobre
o assunto. Saiu em Lisboa, com o apoio da Casa do Brasil, do Entreculturas,
organismo do Minist�rio da Educa��o portugu�s e da Comiss�o Europ�ia, este
O Negro no cora��o do Imp�rio, do franc�s Didier Lahon, uma esp�cie
de resumo de seu trabalho de doutoramento em Antropologia Hist�rica na �cole
des Hautes �tudes en Sciences Sociales de Paris.
O
que chama a aten��o neste livro de Lahon, como assinala o professor Manolo
Florentino, do Departamento de Hist�ria da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, um dos prefaciadores do livro, s�o as poss�veis causas do
esmaecimento da mem�ria da escravid�o negra em Portugal, fen�meno que tamb�m
se deu em outras metr�poles europ�ias. Como e por que, depois de terem sido
numerosos em certas cidades de Portugal, n�o se encontra nenhum tra�o de sua
descend�ncia?
Fosse
por falta de novas levas ou por miscigena��o com a popula��o portuguesa, a
verdade � que os povos importados da �frica perderam, no s�culo XX, a
visibilidade que tanto surpreendeu os viajantes estrangeiros da segunda metade
do s�culo XVIII. Uma visibilidade que agora volta a ganhar contornos mais
n�tidos com a entrada de trabalhadores africanos de origem sub-saariana, embora
hoje j� haja uma diminui��o no fluxo de imigrantes de origem lus�fona, em
contrapartida ao aumento da imigra��o dos pa�ses do Leste, especialmente da
antiga Iugosl�via.
Com
uma popula��o envelhecida, controle de natalidade motivado por quest�es
econ�micas e a imigra��o de seus pr�prios cidad�os, nunca interrompida,
para a Am�rica do Norte, Fran�a e Alemanha e outros centros, Portugal
necessita cada vez mais de jovens imigrantes que possam restabelecer o seu
equil�brio populacional. O governo tem consci�ncia dessa necessidade e
estabelece pol�ticas apenas para disciplinar a entrada desses imigrantes e
reprimir abusos, mas, ao mesmo tempo, n�o consegue evitar que recrudes�a um
sentimento xen�fobo que se tem traduzido em atitudes discriminat�rias,
especialmente em rela��o � juventude negra.
A
hist�ria da presen�a dos negros em Portugal come�a, a rigor, a partir de
1440, com a entrada sistem�tica de cativos. Segundo dados levantados por Lahon,
no fim do s�culo XVI, no Algarve, eles chegam a representar 10% da popula��o,
algo em torno de seis mil pessoas. � mesma �poca, em Lisboa, a parcela negra
ou mesti�a, escrava e liberta, representava uma parte significativa da
popula��o, talvez um percentual semelhante, embora seja sempre arriscado
fazer-se estimativas devido � precariedade das fontes consultadas.
Estudar
essa popula��o negra que permaneceu em Portugal foi o objetivo de Lahon. Suas
fontes, manuscritas ou impressas, abrangem o per�odo da segunda metade do
s�culo XV at� �s primeiras d�cadas do XIX. O que os documentos mostram �
que essa parcela foi sempre crescente at� 1761, quando o marqu�s de Pombal
proibiu a entrada de novos escravos na metr�pole. Proibiu a entrada, mas isso
n�o significa que, na pr�tica, n�o continuasse a haver cativos, como provam
an�ncios publicados na Gazeta de Lisboa do final do s�culo XVIII.
Em
Portugal, a partir de 1761, progressivamente, os negros v�o desaparecendo �
especula-se que muitos tenham voltado para a �frica ou seguiram � for�a para
o Brasil onde teriam continuado a saga da escravid�o, enquanto os libertos
acabariam por se extinguir naturalmente, pouco a pouco. Em 1869, com o fim da
escravatura em todos os territ�rios sob controle luso, Portugal come�ava a
virar as costas para essa chaga do passado.
�
�poca de Pombal, em Lisboa, como no Rio de Janeiro seguiria sendo por muito
tempo, eram as escravas negras que se incumbiam de levar pela manh� as cacimbas
com os dejetos noturnos a serem despejados no Tejo. Esse e outros trabalhos
humilhantes, com a proibi��o de Pombal, come�aram a ser transferidos para os
galegos, que passaram a entrar no Reino em n�mero cada vez maior, a ponto de o
intendente geral de Pol�cia, Pina Manique, calcular em 30 mil esse contingente
ao final do s�culo XVIII.
Diante
das escaramu�as com a Espanha durante os anos de instabilidade no come�o do
s�culo XIX, n�o poucas vezes Pina Manique sugeriu ao pr�ncipe regente o
retorno da escravid�o, j� que os galegos come�aram a deixar o pa�s com medo
de repres�lias. O pr�ncipe regente, por�m, nunca aceitou a proposta.Um
s�culo depois, os tra�os da popula��o negra em Portugal eram cada vez mais
t�nues, registrados apenas pela presen�a de duas confrarias religiosas em
Lisboa.
Talvez
por isso a historiografia portuguesa se tenha mantido praticamente � margem do
tema, como se a presen�a do negro s� fosse importante nos territ�rios de
al�m-mar. Redescobrir o assunto e pesquis�-lo dentro de uma vis�o moderna e
isenta de preconceitos � tarefa que se imp�e aos novos historiadores. Ao
sugerir caminhos � at� porque muitas fontes continuam inexploradas �, Lahon,
com este livro, oferece uma contribui��o fundamental para revalorizar a
quest�o, principalmente numa �poca em que a presen�a do negro volta a ser
marcante em Portugal.