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Livro: As excel�ncias do governador: o paneg�rico f�nebre a D. Afonso Furtado, de Juan Lopes Sierra (Bahia, 1676)
Autor: Stuart B. Schwartz e Alcir P�cora (organizadores)
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2002
N�mero de p�ginas: 560
Um  documento decisivo para a compreens�o para o Brasil colonial

Adelto Gon�alves

Acaba de sair pela Companhia das Letras, de S�o Paulo, As excel�ncias do governador, um paneg�rico f�nebre dedicado ao governador do Brasil, dom Afonso Furtado, escrito em 1676, que, at� agora, havia sido publicado apenas em ingl�s e, por essa mesma raz�o, pouco conhecido pelo p�blico leitor brasileiro e portugu�s. Trata-se do manuscrito espanhol Vida o Panegvirico fvnebre al Senor Alfonso Furtado Castro do Rio de Mendomc�, de Juan Lopes Sierra, apresentado em transcri��o paleogr�fica in�dita pelo historiador norte-americano Stuart B. Schwartz, professor titular da Universidade de Yale e doutor pela Columbia University, descobridor do documento, com tradu��o para o portugu�s de �lcir P�cora, professor livre-docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O documento descreve as a��es, a vida e a morte de dom Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendon�a, visconde de Barbacena e governador do Brasil (1671-1675). Escrita por uma testemunha ocular de grande parte dos acontecimentos, a obra fornece detalhes, at� agora desconhecidos, da administra��o desse governador. Como observa Schwartz na introdu��o, s�o especialmente not�veis as observa��es acerca de uma s�rie de campanhas militares pelo interior do pa�s com o objetivo de dominar na��es ind�genas hostis e procurar riquezas minerais, o que torna o documento fundamental para a compreens�o de certos aspectos hist�rico-econ�micos do Brasil colonial.
Em outras palavras: as revela��es do manuscrito s�o decisivas para se compreender as estrat�gias do governo da prov�ncia diante da baixa do mercado internacional do a��car, o recrudescimento da guerra contra os �ndios e as formas de atua��o dos paulistas em sua captura. Igualmente permitem seguir as intrigas urdidas em torno das supostas descobertas de minas de prata.
Diz Schwartz que, em 1968, um alfarrabista lisboeta perguntou-lhe se gostaria de comprar um manuscrito assinado por Juan Lopes Sierra e datado de 1676 na �Ciudad de San Saluador Bahia de Todos los Santos�. Naquele ver�o teve o pesquisador a oportunidade de examinar o manuscrito que, por sua recomenda��o, foi posteriormente adquirido pela Biblioteca James Ford Bell da Universidade de Minnesota, onde ele era ent�o professor de Hist�ria.
Mais tarde, Schwartz decidiu que, devido ao valor do documento e sua raridade (a �nica outra c�pia que se conhece pertence � Biblioteca do Pal�cio da Ajuda, em Lisboa), o manuscrito deveria ser colocado � disposi��o do grande p�blico, imprimindo-se uma edi��o comentada da vers�o em ingl�s, como parte de uma s�rie de publica��es da Biblioteca James Ford Bell sobre a expans�o europ�ia. Em 1998, com Alcir P�cora, Schwartz come�ou a discutir a possibilidade de uma colabora��o nesse projeto.
O resultado � a atual edi��o e tradu��o para o p�blico de l�ngua portuguesa em que P�cora examina a composi��o ret�rica de um manuscrito que impressiona pela simetria de suas partes, pela habilidade de elocu��o de um autor que se apresenta como �r�stico�, pela narra��o d�plice e, ainda, pela rica descri��o dos aparatos f�nebres com que se celebravam as ex�quias de um personagem importante na Bahia do Seiscentos.
Entre 1972 e 1974, Schwartz consultou em v�rias ocasi�es a outra vers�o conhecida do paneg�rico na Biblioteca da Ajuda, constatando que ambas s�o bastante semelhantes e que a escrita parece ser da mesma pessoa, embora o manuscrito de Lisboa omita algumas sec��es contidas no de Minnesota. Para Schwartz, o manuscrito de Minnesota parece ser o original, enquanto o da Ajuda seria uma c�pia para apresenta��o, enriquecida com tr�s poemas acr�sticos decorativos e um frontisp�cio. No manuscrito de Minnesota, h� a refer�ncia a um �tratado de paz entre aquella e la corona espa�ola�, o que indica que o autor n�o estava em Portugal quando o escreveu, enquanto o da Ajuda refere-se a �esta e la corona espa�ola�, o que significa que foi escrito no Reino.
E quem seria esse misterioso Juan Lopes Sierra? Diz Schwartz que especulou, durante um bom tempo, que este Juan Lopes Sierra seria o poss�vel autor de O anti-catastrophe, um famoso texto pol�tico escrito entre 1696 e 1700 que descrevia um golpe de Estado na Corte portuguesa entre os anos de 1667 e 1683, quando dom Afonso VI foi destronado por seu irm�o dom Pedro II. Um certo Jo�o Lopes Serra escrevera da Bahia, em 1671, uma carta em que declarava ter sido o autor de um livro intitulado Antecatastrophe, mas, como a obra desaparecera, n�o se sabe se se tratava da famosa descri��o do golpe palaciano ou, simplesmente, de algum outro trabalho com o mesmo t�tulo.
A reivindica��o da autoria, segundo Schwartz, chamou a aten��o de Camilo Aureliano da Silva e Souza, respons�vel pela publica��o do famoso Anticatastrophe em 1845. Silva e Souza, com base em evid�ncias internas, rejeitou a autoria de Lopes Serra, opini�o compartilhada por outro especialista, Gast�o Melo de Matos. Nenhum dos estudiosos conhecia o Paneg�rico f�nebre, em que Lopes Sierra revelava j� ter 72 anos em 1676. � parte essa indica��o, diz Schwartz, n�o existem refer�ncias sobre esse autor em discuss�es sobre literatura portuguesa e brasileira. O historiador, por�m, lembra que em uma carta do conde de Atouguia, governador do Brasil (1654-1657), para a C�mara de Salvador h� a cita��o de um �Jo�o Lopes Serra� que requisitava patente de um novo modo de produ��o de a��car que utilizava menos lenha.
H� ainda a possibilidade de �Juan Lopes Sierra� n�o passar de um pseud�nimo, a exemplo do licenciado Manuel Pereira Rabello, considerado o autor da primeira biografia de Greg�rio de Matos e Guerra, mas que n�o passa de uma m�scara, uma persona liter�ria do pr�prio poeta, como mostra o professor Adriano Esp�nola, da Universidade Federal do Cear�, em As artes de enganar: um estudo das m�scaras po�ticas e biogr�ficas de Greg�rio de Mattos (Rio de Janeiro, Topbooks Editora, 2000). Como ressalta Schwartz, muitos dos literatos baianos do s�culo XVII eram capazes de escrever em espanhol.
Nada contra o trabalho de Schwartz, que, ali�s, s� merece elogios. O que fica, por�m, dessa hist�ria � uma sensa��o de frustra��o em raz�o da inc�ria com que as autoridades portuguesas e brasileiras trataram ao longo do tempo os documentos de nossa Hist�ria comum. A ponto de hoje documentos important�ssimos como esse estarem em bibliotecas de universidades norte-americanas. Claro est� que esse documento s� foi adquirido por Schwartz, em nome de uma universidade norte-americana, porque algum mau cidad�o o surrupiou de algum arquivo p�blico ou particular. Ou, ent�o, o descendente de algum nobre falido o retirou de sua pr�pria heran�a para, em troca do vil metal, coloc�-lo para circular entre os alfarrabistas, quase sempre gente de bem poucos escr�pulos em rela��o � hist�ria p�tria.
Certa vez, um funcion�rio do Arquivo Hist�rico Ultramarino, de Lisboa, contou-me que, h� n�o muito tempo, talvez � �poca salazarista, era praxe que s� os chamados �doutores� tivessem acesso ao acervo da casa. Eram �ntimos do diretor e n�o poucas vezes sa�am com os manuscritos embaixo do bra�o para estud�-los mais detidamente em casa. Se acontecesse de morrer um desses �doutores�, os manuscritos ficavam nas m�os da fam�lia que, quase sempre, sem conhecer o seu real valor, terminava por negoci�-los a pre�os m�dicos.
De um jeito ou de outro, apareciam nas m�os dos alfarrabistas que, sempre atentos ao brilho verde dos d�lares, acabavam vendendo-os aos endinheirados pesquisadores norte-americanos. E, assim, a nossa Hist�ria em boa parte emigrou para os arquivos norte-americanos. A ponto de hoje muitos estudiosos brasileiros e portugueses serem obrigados a pedir bolsas para estudar documentos de nossa Hist�ria nos Estados Unidos. Uma vergonha.
NetHist�ria 05/10/2002