Isaiah
Berlin (1909-1997), embora tenha come�ado a sua carreira como fil�sofo em
Oxford, tornou-se famoso como historiador das id�ias e hoje � considerado um
dos maiores ensa�stas do s�culo XX. Sua extensa obra constitui um estimulante
guia para todos aqueles que se preocupam com a hist�ria das id�ias, como
reconhece Robert Darnton, historiador que, por sua vez, vem formando uma legi�o
de admiradores e seguidores de sua t�cnica de narrar e reescrever a Hist�ria.
Para
a nova gera��o de leitores, que n�o teve acesso a colet�neas anteriores de
Berlin, h�o de ser �teis algumas palavras sobre este pensador que passou a
maior parte de sua vida a refletir sobre problemas essenciais do homem,
especialmente sobre os valores humanos. O seu interesse por estes assuntos foi
suscitado por sua pr�pria vida. Nascido em Riga, capital da Let�nia, s�dito
judeu do czar russo, viveu a inf�ncia em Petrogrado e assistiu �s primeiras
mudan�as trazidas pela Revolu��o Russa de 1917.
Com
onze anos de idade, chegou � Inglaterra levado pela fam�lia, em fuga do regime
comunista. Aluno brilhante, freq�entou os melhores col�gios de Oxford, o que
lhe permitiu a passagem � famosa universidade local, onde, logo depois de
formado, teve acesso a uma c�tedra, sempre lecionando sobre Teoria Social e
Pol�tica.
Publicou
seus primeiros trabalhos em 1937 e, desde ent�o, s� a Segunda Guerra Mundial o
obrigou a interromper a publica��o de uma s�rie impressionante de artigos,
ensaios e confer�ncias, mais tarde agrupados numa dezena de livros, dos quais o
mais famoso � Quatro Ensaios sobre a Liberdade, de 1969.
�
diferen�a da maioria dos acad�micos, Berlin n�o s� teve estreitas liga��es
com a vida p�blica como sentiu na pr�pria pele as conseq��ncias da
evolu��o das id�ias na hist�ria da Humanidade, como testemunham as
persegui��es e perdas de muitos de seus familiares pr�ximos, provocadas pela
ins�nia nazista e pela ditadura sovi�tica.
Para
os historiadores brasileiros e portugueses que estudam a segunda metade do
s�culo 18, a leitura de Berlin � especialmente instigante. Acostumados a
vibrar com a luta subterr�nea contra o despotismo mon�rquico e a observar o
Iluminismo com olhos c�mplices, estes historiadores t�m a oportunidade de ver
as coisas sob outro prisma.
�
contra os dogmas monol�ticos de abordagem cient�fica e sociol�gica do
Iluminismo franc�s que Berlin se rebela em grande parte de sua obra. Embora
nunca deixe de reconhecer a tempestade purificadora que constituiu a Revolu��o
Francesa, o pensador, desde os anos 30, nunca deixou de apontar a Revolu��o
Bolchevique como a herdeira mais recente da tradi��o do Iluminismo
cient�fico. E os anos s� lhe deram raz�o, ao mostrar que aquele pensamento
racional estava errado em suas premissas fundamentais, pois havia gerado uma
ditadura opressiva que ofuscava os pr�prios excessos da era da Revolu��o
Francesa.
�
no ensaio �A busca do ideal� que encontramos a resposta para a armadilha em
que o homem se enfia sempre que se convence de que h� solu��es para os
problemas essenciais. Pensar o contr�rio, aparentemente, pode significar falta
de f� na evolu��o da esp�cie, o que equivaleria a dizer que, se n�o fossem
aquelas id�ias, ainda poder�amos estar como h� dois s�culos. Nem tanto. Nada
h� que garanta que a Humanidade n�o evoluiria mesmo sem as id�ias do
Iluminismo.
O
que Berlin, no fundo, quer mostrar � que h� limites que devem ser respeitados.
E lembra que tanto a liberdade como a igualdade contam-se entre os objetivos
primordiais perseguidos pelos seres humanos ao longo de muitos s�culos. S�
que, lembra Berlin, � sempre em nome da liberdade que a tirania se implanta.
Nos
regimes comunistas, era preciso que as liberdades p�blicas fossem sacrificadas
- e para os que se revoltassem estavam reservados os campos de concentra��o e
os hospitais psiqui�tricos - em nome de um ideal maior que seria o bem estar de
todos, um ideal que ficava sempre para um futuro t�o long�nquo que s� seria
gozado pelas pr�ximas gera��es. O que explica o fracasso do sistema: uma meta
infinitamente remota n�o � uma meta, mas t�o somente uma decep��o.
J�
no mundo capitalista a liberdade total, como se v� nestes dias de
globaliza��o, quer significar apenas a liberdade que os lobos pretendem para
acabar com todas as ovelhas. Ou seja, diz Berlin, a liberdade total dos
poderosos, dos dotados, n�o � compat�vel com os direitos a uma exist�ncia
decente dos fracos e dos menos dotados.
Em
outras palavras (tamb�m de Berlin): a igualdade pode exigir a restri��o da
liberdade daqueles que desejam dominar, de modo a deixar espa�o ao bem-estar
social, dar de comer aos que t�m fome, vestir os nus, abrigar os que n�o t�m
teto e permitir o exerc�cio da justi�a e da eq�idade. E, para faz�-lo, n�o
h� como prescindir da exist�ncia do Estado, o que de imediato pressup�e a
opress�o de uma classe sobre a outra. Berlin diz que n�o se deve tirar da�
conclus�es pessimistas ou cr�ticas. Mas, ao mesmo tempo, � bastante claro:
n�o h� qualquer sa�da. Tudo o que podemos fazer � tornar o Estado o menos
opressor poss�vel.
Outro
ensaio imprescind�vel � biblioteca de qualquer historiador ou candidato ao
of�cio � aquele que discute o conceito de hist�ria cient�fica. Aqui Berlin
lembra que, a par de todas as recomenda��es que se fazem aos estudantes de
Hist�ria, s� � poss�vel escrever sobre a vida humana com engenho e arte.
De
pouco adiantam a obstina��o e o faro para levantar fontes e documentos - ainda
que estas sejam qualidades igualmente imprescind�veis -, se o historiador n�o
souber fazer de sua atividade uma atividade art�stica. A explica��o
hist�rica, diz, � em grande parte a disposi��o dos fatos descobertos segundo
padr�es que nos satisfazem porque est�o de acordo com a vida - a diversidade
da experi�ncia e da atividade humana - tal como a conhecemos e conseguimos
imaginar. Por isso, para Berlin, pedir � Hist�ria que se aproxime da
condi��o de uma ci�ncia � exigir que traia a sua ess�ncia. Est� dito tudo.